Radu Jude representa um caso bastante particular dentro do circuito autoral, do tipo que domina os grandes festivais de cinema. Ao contrário da polidez normalmente associada aos cineastas premiados, o romeno entrega obras paródicas, exageradas, sem medo do ridículo, do desconexo, do inchado, da digressão, do absurdo. Parece despreocupado em agradar, operando num encadeamento de ideias e imagens que contraria os ensinamentos de qualquer manual de roteiro ou montagem.
Ele investe, portanto, num faroeste cômico em preto e branco situado no século XIX (Aferim!, 2015). Combina o documentário com encenações extremamente artificiais em estúdio, ajudadas por cenários giratórios (Uppercase Print, 2020), e Mistura a sex tape de uma professora do Ensino Fundamental com sequências de outdoors nas ruas de Bucareste (Má Sorte no Sexo ou Pornô Acidental, 2021). Entre cada projeto mais ambicioso, filma dezenas de curtas-metragens. Às vezes vence o Urso de Ouro, às vezes nem sequer compete na trinca Cannes-Berlim-Veneza.
Neste sentido, Jude seria um criador tão ousado e criativo quanto irregular — ou seria a irregularidade caótica das obras, justamente, o seu traço autoral mais coeso e previsível? De qualquer modo, este espírito do tudo-vale, do “por que não?”, impregna igualmente Não Espere Muito do Fim do Mundo. Que tal filmar uma jovem trabalhadora explorada, fazendo uma gravação sobre trabalhadores explorados? E se ela visitar um empresário, com um grande livro O Capital sobre a mesa de negociações? E se a moça for uma celebridade do TikTok, falando vulgaridades aos seguidores, com um filtro risível aplicado ao rosto?
Radu Jude ri do mundo em que se insere, mas jamais propõe soluções, nem alternativas. Ri de si próprio, em última instância. Talvez o humor niilista seja o elemento que costura seus trabalhos no cinema até agora.
A todas essas ideias, e a muitas outras que virão, a direção responde “sim”. Ainda decide dividir a narrativa em dois capítulos completamente assimétricos (a parte “A”, com cerca de 130 minutos, e a parte “B”, com 35 minutos), e comparar a história contemporânea, a respeito da assistente de produção (interpretada por Ilinca Manolache), com uma obra romena de 1981, intitulada Angela Moves On. As duas mulheres são equiparadas em seus destinos e na relação com a cidade — ambas dirigem seus carros para viver, por exemplo.
Alterna-se então o preto e branco e o colorido, o tempo acelerado da contemporaneidade com uma câ-me-ra len-tís-si-ma aplicada ao drama de décadas atrás. Qualquer montador preocupado com estrutura e simetria ficaria enlouquecido com tais sugestões, porém Catalin Cristutiu, acostumado às iniciativas do diretor, e experiente em outras obras igualmente insanas (a exemplo de Mammalia), embarca no desafio sem dificuldades.
Esta união remete ao encontro de crianças brincando com seus bonecos e carrinhos, criando histórias insanas, pelo simples prazer de fazê-lo. “Vamos colocar uma sequência longuíssima com várias cruzes de pessoas mortas na beira da estrada?”. Claro que sim. “Vamos impedir a protagonista de entrar num hotel, porque em frente há meninos circulando em karts intermináveis?”. Por que não? “Vamos trazer o infame cineasta Uwe Boll para fazer uma paródia de si mesmo, e lembrar de sua rivalidade com os críticos de cinema?”. É claro.
A obra fervilha com energia, enquanto rejeita a possibilidade de se podar ou limitar. Ela transmite a coragem e a iniciativa de um jovem hiperativo, a quem se estimaria que, com o passar dos anos, talvez viesse a se acalmar. Nada disso. Do Not Expect Too Much From the End of the World (título internacional) faz piadas com a economia frágil da Romênia em relação ao resto da União Europeia, com o insensível mundo empresarial, com o ritmo e trabalho desumano das produções de cinema. Enxerga nas redes sociais uma ferramenta de escapismo, um avesso da realidade e um mundo sem regras, onde as pessoas se refugiam ao se converterem em autoficções.
Ilinca Manolache está excelente no papel de Angela, mulher desbocada e exausta, porém, ao mesmo tempo, muito eficiente. Ao longo de um dia, com o único vestido repleto de brilhos (algo bem explorado pela direção de fotografia), ela dirige por toda a cidade, conversa com meia dúzia de candidatos ao vídeo institucional da empresa, encontra a sua mãe, resolve pendências no cemitério, faz sexo, frequenta reuniões.
O longa-metragem a converte em heroína de ação, no sentido estrito do termo: ela jamais para de se deslocar, frequentando os principais cenários percorridos pela Angela da narrativa de 1981. As duas enfrentam o machismo e se impõem à sua maneira. Através da montagem paralela, sugere-se que tudo e nada mudou no antigo país comunista. Por um lado, hoje temos mais trânsito, o império das redes sociais e um abuso institucionalizado da classe trabalhadora.
Por outro lado, a possibilidade de crescimento e autossatisfação de ambas as mulheres permanece ínfima. Havia na Angela anterior certa melancolia no olhar e nos gestos. Já a nova protagonista explode a qualquer momento, especialmente na pele de Bobita, seu avatar masculino e agressivo nas redes sociais. Aqui, até as máscaras sociais são ridículas, assumidamente falsas. Radu Jude ri do mundo em que se insere, mas jamais propõe soluções, nem alternativas. Ri de si próprio, em última instância. Talvez o humor niilista seja o elemento que costura seus trabalhos no cinema até agora.
Ao espectador, resta uma coletânea de cenas alegremente dispersas, sempre hilárias e provocadoras em si próprias, e muito ruidosas quando postas lado a lado. O plano fixo do vídeo institucional (a parte B., estrelada por Ovidiu “Nádega”) carrega um sarcasmo profundo. Nina Hoss se diverte no papel da mulher desumana, porém falsamente atenta às opiniões de trabalhadores abaixo dela. Radu Jude satiriza os ricos e os pobres, os chefes e os funcionários, a Romênia de 2023 e aquela de 1981. Menciona Putin, Orbán, Ceausescu, a Covid-19, a Guerra na Ucrânia, os desmandos do prefeito de Bucareste.
O espectador deve rir até os últimos segundos do letreiro final, quando os criadores apresentam piadas relacionadas à estética da precariedade. Apenas num momento pós-sessão haverá tempo para o respiro, quando possivelmente se tirará conclusões pessoais desta avalanche de estímulos e piadas e citações e referências e cutucadas e paródias e provocações e cenas metalinguísticas. À mesa, há doces e salgados, sobremesas, entradas e pratos principais, sucos e álcool, carnes e chocolates, frituras e saladas. Radu Jude oferece um banquete tão farto quanto improvável — para o bem e para o mal.