Noite Infeliz (2022)

A paródia da paródia

título original (ano)
Violent Night (2022)
país
EUA
gênero
Comédia, Ação, Fantasia
duração
101 minutos
direção
Tommy Wirkola
elenco
David Harbour, Leah Brady, Alex Hassell, Alexis Louder, John Leguizamo, Cam Gigandet, Beverly d’Angelo, Brendan Fletcher, Mike Dopud, Mitra Suri, Stephanie Sy, Alexander Elliot, André Eriksen
visto em
Cinemas

Papai Noel bebe até cair. Ele fuma, xinga, vomita no céu enquanto sobrevoa as casas na noite de Natal. O sujeito urina sobre os tetos das casas, e depois reclama dos excrementos de suas renas. Ele detesta o trabalho e parece cansado do olhar das crianças. Inclusive, critica o consumismo dos pequenos. Para combater a enxurrada anual de histórias natalinas sobre pessoas descobrindo o amor e a importância da família graças às festas de fim de ano, Noite Infeliz propõe algo muito diferente: um “mau velhinho”. Troca-se a virtude pelo vício.

Este dispositivo está longe de constituir uma novidade no cinema. Mel Gibson, Billy Bob Thornton e tantos outros já encarnaram papais noéis beberrões e grosseiros. O humor se encontraria em situar o personagem no oposto simétrico daquilo que se espera dele. Ao invés da bondade e dos sorrisos, a maldade e a paciência limitada. Cigarro, bebida e palavrão continuam significando mau-caráter e moralidade duvidosa para estas produções cuja ideia de subversão revela-se bastante limitada. Adiante, o comportamento irresponsável do herói será desculpado pelo cansaço, pela falta de reconhecimento. Os anti-heróis, como sempre, revelam-se apenas figuras marcadas por traumas pessoais.

Nestas paródias, convém perguntar desde o princípio se os criadores acreditam ou não na existência da magia. Alguns filmes optam por sujeitos fracassados vestidos de Papai Noel, apresentando-se em centros comerciais. Aqui, em contrapartida, institui-se a fantasia do real: o ser mágico existe de fato, sobrevoando os céus com as renas, utilizando uma lista mágica de pessoas bondosas ou malvadas, e desaparecendo das casas com uma simples tremida de nariz que o suga chaminé acima. A surpresa vem do fato que, além de possuir superpoderes, o homem também foi um guerreiro medieval séculos atrás, antes de assumir os trajes em vermelho e branco.

Wirkola ridiculariza os filmes de invasão, os filmes de assalto e os filmes de Natal, mas se mostra incapaz de perceber o ridículo de sua própria aventura.

O diretor Tommy Wirkola está bastante acostumado com a fusão improvável de gêneros e subtramas. Ele comandou Zumbis na Neve (2009), que mistura o nazismo com histórias de mortos-vivos; além de João e Maria: Caçadores de Bruxas (2013), misturando a fábula infantil com uma vertente sangrenta e noturna. Por isso, o material oferecido em Noite Infeliz pareceria perfeito ao criador. De repente, o bom velhinho beberrão pega um martelo e esmaga os crânios dos assaltantes que ameaçam a paz da família bilionária. O provedor de presentes revela-se também um exímio assassino e mercenário, quando necessário. 

Em contrapartida, surpreende a dificuldade do projeto em combinar a fantasia com o naturalismo. Os quiproquós envolvendo Claus (David Harbour) poderiam ser facilmente resolvidos com a magia de que dispõe. No entanto, ele leva tiros e facadas dos bandidos, esperando para utilizar seus recursos sobrenaturais apenas no último momento — talvez porque, caso o fizesse antes, a trama se encerraria como um curta-metragem. Ora ele é visto enquanto lutador dotado de habilidades extraordinárias, ora tropeça numa árvore de Natal e cai com a facilidade de um principiante. A capacidade de desaparecer de chaminés entra em “pane” abruptamente, apenas para fornecer alguma dificuldade ao homem. No momento necessário, volta a funcionar.

Para um cineasta tão experiente em lutas e cenas sangrentas, soa incompreensível tamanha dificuldade em filmar sequências de luta e perseguição. As brigas são lentas, mal coreografadas, e editadas com imensa dificuldade pela equipe de montagem. O longa-metragem nunca imprime tensão ao cenário da invasão doméstica, apesar da presença de ladrões armados, criaturas sobrenaturais e uma garotinha em perigo. Quando a menina perambula sozinha pela mansão cercada de criaturas armadas, os pais nem sequer se mostram preocupados. Reunidos sob a mira das armas, os patéticos bilionários da família Ligthstone parecem entediados. Trocam presentes, olham para os cantos. A menina põe a boneca para dormir. Ninguém aparenta estar em perigo de fato, algo inacreditável diante da premissa instaurada.

O aspecto enfadonho e inverossímil da ameaça externa se acentua pela dificuldade em estabelecer um ponto de vista. O roteiro nunca sabe se a história deveria ser contada pela perspectiva do Papai Noel, da garotinha Trudy, ou então dos familiares presos. Nota-se a grande dificuldade em trabalhar o “enquanto isso”: o que a menina está fazendo enquanto Claus tenta entrar na mansão? O que fazem os demais comparsas de Scrooge (John Leguizamo) enquanto observamos os protagonistas? O diretor nunca consegue ocupar seus personagens ao mesmo tempo, embora estejam todos presentes em cena. Aparentemente, quando a câmera não se encontra em sua frente, reféns e sequestradores ficam parados, em silêncio.

É preciso dar o devido valor aos atores que se esforçam para encarnar uma premissa não apenas absurda, mas fraquíssima. Harbour pronuncia com grande comprometimento os diálogos risíveis, enquanto Leguizamo acredita estar interpretando um lendário mafioso. Noite Infeliz certamente melhoraria caso brincasse consigo mesmo, ao invés de apenas parodiar os códigos de filmes alheios. Wirkola ridiculariza os filmes de invasão, os filmes de assalto e os filmes de Natal, mas se mostra incapaz de perceber o ridículo de sua própria aventura. Por isso, os coadjuvantes soam todos intragáveis e descartáveis — alguém sente a falta de Pisca-Pisca ou Panetone? Ou do fugitivo Morgan?

As pretensões, por incrível que pareça, são grandes neste caso. Os produtores desejam que o projeto funcione enquanto filme de ação, de comédia, de fantasia, e sobretudo enquanto filme natalino que recuse as convenções do Natal. No fim, tudo se acerta, o amor vence, e o carinho dos personagens uns pelos outros literalmente cura feridas de um moribundo. “É a magia do Natal. Não sei muito bem como funciona”, explica. No entanto, os personagens se contradizem: o Papai Noel que detestava crianças se sacrifica por elas; o sujeito sem magia redescobre seu poder; o saco queimado num ato gravíssimo é substituído por outro reserva. Nada é grave a ponto de não poder ser resolvido na cena seguinte.

Assim, o projeto falha na tentativa de unir um gênero profundamente consequente (o cinema de ação, repleto de mortes, vinganças implacáveis e traumas nunca esquecidos) com outro, de viés inconsequente (o subgênero natalino, onde todos os erros são perdoados, amores ocorrem de maneira abrupta e tudo se resolve num piscar de olhos ao final). O aspecto guerreiro fica em segundo plano; o amor pela Sra. Claus nunca se desenvolve, e o descaso dos pais pela filha em perigo soa preocupante (“Oh meu Deus, Trudy!”, lembra-se o pai a respeito da garotinha esquecida em algum cômodo da casa). Nada importa de fato nesta trama: nem os rumos dos personagens, nem a magia, nem as lições adquiridas ao final. Noite Infeliz se mostra mais cínico do que crítico; mais indiferente do que subversivo.  

Noite Infeliz (2022)
4
Nota 4/10

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