Nosso Verão Daria um Filme (2023)

Uma certa tendência do cinema gay

título original (ano)
To Kalokairi Tis Karmen (2023)
país
Grécia
gênero
Comédia
Duração
106 minutos
direção
Zacharias Mavroeidis
elenco
Andreas Labropoulos, Yorgos Tsiantoulas, Nikolaos Mihas, Vasilis Tsigristaris, Roubini Vasilakopoulou, Jacques Simha, Lena Giaka
visto em
Cinemas

Um belo homem de corpo atlético enfrenta dificuldades para superar o término de um relacionamento. Enquanto sai com muitos outros homens, conta com a ajuda fiel do melhor amigo, um tipo efeminado cuja vida se limita a orbitar em torno do herói. O protagonista se envolve na criação do roteiro para um longa-metragem de estreia, e decide que a melhor coisa seria transformar sua experiência pessoal num filme. Logo, os acontecimentos fictícios, digitados no computador, se misturam à vida dos personagens centrais.

Esta é a premissa de Nosso Verão Daria um Filme, mas também aquela de 13 Sentimentos, comédia romântica dirigida por Daniel Ribeiro. Ambos apostam num humor repleto de gírias queer, de um erotismo singelo, e na plasticidade de indivíduos e cenários (homens musculosos, lugares paradisíacos, cafeterias hipsters) para oferecerem um imaginário desejante dos gays de classe média, tanto no Brasil quanto na Grécia. 

O humor tenta desculpar as falhas, incoerências e liberdades em relação à lógica. “Ah, é apenas uma comédia, é só pra se distrair, não é para levar a sério”, costumam argumentar os fãs e os criadores. No entanto, seria plenamente possível abraçar uma ambientação naturalista, conhecida pelo espectador, funcionando enquanto crônica. Ora, o longa-metragem grego dirigido e co-roteirizado por Zacharias Mavroeidis incomoda pelos aspectos nos quais deveria demonstrar maior conhecimento: os bastidores da criação cinematográfica e o retrato do universo gay contemporâneo. 

Um egocentrismo doce que procura disfarçar suas insuficiências, e perdoar a superficialidade das relações, pelo fato de reconhecê-las. A ambição cinematográfica é substituída por um senso de malícia e esperteza propício aos tempos de redes sociais.

No que diz respeito à metalinguagem, impressiona como diretores profissionais podem fazer retratos tão ingênuos e absurdos da criação cinematográfica. Aqui, Nikitas (Andreas Labropoulos) é apresentado ao espectador na condição de roteirista experiente, prestes a receber o financiamento para um longa-metragem, baseado numa ideia livre apresentada aos produtores. Nenhum documento ou argumento foi entregue, e agora o sujeito se apropria dos manuais mais antiquados (Syd Field, é claro) para aprender o básico da estrutura de um roteiro. Muitos dias e horas mais tarde, os protagonistas continuam discutindo sobre o quê deveria ser a história.

Assim, os passos fundamentais da jornada do herói são transformados em letreiros na tela, e claramente se convertem no processo de transformação do protagonista, Demosthenes (Yorgos Tsiantoulas). “Precisa ser uma comédia gay, leve e sensual, de baixo orçamento”, lembra o aspirante a roteirista, algo que obviamente ecoa o longa-metragem na totalidade. Eles reclamam que os personagens não evoluem, apenas saltam entre vários homens e conversam na praia. De fato, esta autocondescendência paródica domina o projeto grego. A metalinguagem não poderia ser mais óbvia.

Constrói-se, portanto, um egocentrismo doce que procura disfarçar suas insuficiências, e perdoar a superficialidade das relações, pelo fato de reconhecê-las. “Sim, é fraco, mas estou admitindo isso, logo, sou inteligente, entendeu?”, parecem insistir as cenas repetidas em que Demosthenes mostra o corpo nu, cuidadosamente enquadrado diante das praias gregas. Nenhuma alternativa é proposta, nenhuma ousadia ou tomada de risco ocorre ao longo da projeção, que se conclui onde começa: com os dois amigos lado a lado, pênis para fora, admirando a beleza da paisagem.

A ambição cinematográfica é substituída por um senso de malícia e esperteza propício aos tempos de redes sociais: melhor do que pesquisar e ser inteligente, inventivo, radical, você pode falar sobre ser inventivo, reconhecer que não consegue, e rir de sua própria limitação. Meu reconhecimento de fraqueza vale tanto quanto a sua demonstração de força, sugerem estas obras, da mesma maneira que os conservadores insistem que minha ignorância vale tanto quanto o seu conhecimento. Demosthenes, Nikitas e o ex-namorado Panos (Nikolaos Mihas) jamais soam como personagens dignos de crença, dotados de problemas reais e conflitos verossímeis, mas nós admitimos isso nos letreiros, está vendo? Logo, está tudo bem. Não preciso ser inteligente, basta parecer inteligente, e fazer chacota disso. 

Em consequência, o roteiro acumula personagens que convenientemente se encontram na rua, caso das coincidências com Thymios (Vasilis Tsigristaris); de cachorros e objetos engraçados e lúdicos (a cadela inerte do filme grego desempenha o mesmo papel do cubo mágico em 13 Sentimentos); e de certo desprezo por todos que não sejam o personagem principal. O descaso do herói e do próprio filme pelo pai doente e pelos sentimentos de inadequação de Nikitas comprovam o quanto estas narrativas podem ser egocêntricas, confundindo despretensão com descaso pelo outro.

O projeto grego ainda transparece problemas graves de som (o cachorro que claramente não está chorando), os cortes desajeitados entre as cenas de nudez na praia, e dentro do apartamento), e, sobretudo, uma construção superficial do protagonista que pensa unicamente em si próprio. Demosthenes não trabalha, não possui compromissos, tarefas, responsabilidades. Ele hesita entre ficar com Panos, com Thymios, com os outros rapazes do aplicativo. Hesita entre ficar com a cadela do ex, ou devolvê-la. Espelho, espelho meu, existe alguém mais belo do que eu?  Algumas cenas mais tarde, os dois amigos se questionam como saber se o herói, de fato, se transformou no final. Essa dúvida diz muito sobre a mise en scène.

Por fim, resta a incômoda tendência a confundir humor gay com elitismo e desprezo pelos dilemas sociais aos quais a comunidade LGBTQIA+ está associada. 13 Sentimentos e Nosso Verão Daria um Filme estão para a representação de indivíduos gays assim como os romances de Nicholas Sparks estão para a sociedade heterossexual norte-americana. São contos de fadas, parênteses caricaturais movidos por um erotismo quase infantil. Uma espécie de sonho que nunca esconde seu aspecto conservador na maneira como rejeita a diferença, os corpos reais, a vida verossímil, as subjetividades complexas. Um queerbaiting perfeito para o mês do orgulho LGBTQIA+. Quando os espectadores saírem da sala do cinema (mesmo os gays de classe média), encontrarão uma sociedade muito diferente lá fora. 

Nosso Verão Daria um Filme (2023)
4
Nota 4/10

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