O Enfermeiro da Noite (2022)

O assassino evidente

título original (ano)
The Good Nurse (2022)
país
EUA
gênero
Drama, Suspense
duração
122 minutos
direção
Tobias Lindholm
elenco
Jessica Chastain, Eddie Redmayne, Nnamdi Asomugha, Kim Dickens, Malik Yoba, Alix West Lefler, Noah Emmerich
visto em
Festival de Toronto 2022

O Enfermeiro da Noite se desenvolve como um suspense incrivelmente simples. Na primeira imagem, o enfermeiro Charlie Cullen (Eddie Redmayne) está presente ao lado de um paciente convulsionando. A morte é decretada em seguida. Um zoom agressivo se aproxima do rosto do rapaz, despertando uma impressão de estranheza. O filme decide lança poucos indícios, que logo se provam justificáveis: o homem foi, de fato, responsável pela morte de centenas de pessoas. Ele não nega; os crimes não são ocultados. As evidências se multiplicam.

É curiosa a estratégia deste roteiro, baseado numa história real. Talvez diretores mais habituados às ficções policiais optassem por plantar dúvidas, ambiguidades, pistas falsas, o medo de ser pego, etc. Nada disso ocorre aqui: ninguém surpreende Charlie no ato, nem descobre Amy (Jessica Chastain) coletando provas contra o colega de maneira pouco discreta. As pessoas que tentam abafar o caso jamais sofrem nenhum tipo de represália (na verdade, o roteiro apenas se esquece delas), e os episódios anteriores cometidos pelo enfermeiro assassino restam no anonimato, porque não importam de fato aos criadores.

A melhor estratégia ao filme provém da decisão de situar o ponto de vista junto à amiga Amy, ao invés dos criminosos, dos policiais ou dos familiares das vítimas. A mulher não é diretamente afetada pelos atos de colega de turno, nem associada às práticas dele. Aliás, os policiais e demais membros do hospital tampouco investigam se outras fraudes ocorreram ali dentro. Há apenas duas instâncias em operação neste filme de uma inexplicável economia de conflitos: a direção do hospital, representada por duas pessoas ligadas à burocracia, e destinadas a manter a reputação do local, e Amy, inicialmente em defesa de Charlie, e depois, convertida em detetive.

O diretor Tobias Lindholm faz o possível para afastar a ideia de um envolvimento amoroso entre ambos. É estranho que se frequentem o tempo inteiro, que Charlie se torne o melhor amigo das crianças dela, e entre em casa quando não está. No entanto, talvez por se tratar de uma história baseada em fatos, os criadores sustentam a tese de que apenas uma amizade profunda, e quase instantânea, uniu os protagonistas. Havia a possibilidade de um espelhamento entre eles: dois profissionais cansados, mal pagos, cada um com dois filhos, etc. Ora, a perspectiva da identificação também é abandonada pelo roteiro.

O universo é tão focado na relação Charlie-Amy que se fecha ao resto do mundo, inclusive esteticamente.

Em contrapartida, o longa-metragem se concentra na aproximação entre ambos, percebidos como simetricamente opostos: por um lado, uma enfermeira realmente boa, como diria o título original, do tipo que chama os personagens pelo primeiro nome, deixa dormirem no hospital ou comerem pizza, apesar das restrições, e se esforça para ser uma boa mãe às filhas. O texto a poupa de qualquer ambiguidade moral ou ética, num recurso que lembra a descrição elogiosa e resiliente da esposa de Stephen Hawking em A Teoria de Tudo (2014), por exemplo. Por outro lado, há o rapaz de fala doce e aparência terna, a quem parece impossível associar os atos criminosos.

O universo é tão focado na relação Charlie-Amy que se fecha ao resto do mundo, inclusive esteticamente. As imagens, numa janela elegante em scope, optam por uma quantidade impensável de close-ups da dupla principal, algo típico da televisão de quarenta anos atrás. São rostos falantes, articulados em plano e contraplano (vide o clímax na lanchonete). Apesar do belo trabalho em baixas luzes, favorecendo a impressão de cansaço do trabalho no hospital, a decisão de reduzir a profundidade de campo e se colar aos rostos sempre que possível reforça a aparência de um hospital inverossímil. Há pouquíssimos médicos, pacientes e funcionários, ou barulhos e dinâmica neste espaço de aparência teatral.

Os atores estão competentes, ainda que seus personagens tenham possuam desenvolvimento. Jessica Chastain constrói uma enfermeira caridosa, evitando pender à caricatura da virtude em moldes Patch Adams; já Eddie Redmayne, felizmente, atenua o olhar absorto e a boca aberta que costuma emprestar a quase todos os personagens. Charlie tampouco sustenta uma aparência de psicopata — alguns filmes enfim compreenderam que psicopatas possuem a mesma expressão que qualquer um de nós, e aí reside o medo, a monstruosidade, a incompreensão. Caso este hospital fornecesse mais elementos dinâmicos para os atores explorarem, a dupla poderia desenvolver mais nuances e características.

Ora, diante de uma investigação simplíssima, poderia restar um mergulho aprofundado na psicologia, certo? Errado. Lindholm perde a oportunidade de analisar a mente de um jovem capaz de matar “até 400 pessoas”, segundo os letreiros finais. O texto dispensa especulações a respeito de distúrbios mentais, preferindo a curiosidade do desconhecido, dizendo que até hoje “ele nunca explicou por que cometeu os crimes”. Talvez o rapaz, certamente acometido por algum distúrbio, não pudesse fazê-lo por conta própria. É uma pena que este mini-hospital não possua um psiquiatra sequer para levantar possibilidades a respeito do homem, cuja relação familiar jamais é mencionada.

Sem suspense nem psicologia, o projeto tenta se salvar em poucos momentos de catarse para Amy, e principalmente, numa cena de crise envolvendo Charlie. Neste instante preciso, o jovem de olhar controlado grita a plenos pulmões, numa tentativa de receber alguma indicação ao Oscar pelo esforço. Nem mesmo face a este descontrole, os investigadores, médicos e donos do hospital suspeitam de algum distúrbio psiquiátrico. A condenação se revela cartesiana e despreocupada com subjetividades: matou; não deveria ter matado; então será detido. Ponto final. Assiste-se ao filme com a mesma emoção de quem lê as atas de um processo judicial.

Ao menos, o aspecto mais forte do discurso se encontra na negligência dos hospitais, que preferiram acobertar o ocorrido (segundo a trama, algo semelhante tinha se passado em nove instituições anteriores) a denunciar este homem ou admitir a crise interna. Diante de uma fera selvagem, que o filme não compreende, nem busca compreender, resta direcionar o olhar àqueles que poderiam ter evitado as mortes, porém não o fizeram. O cineasta aponta o dedo à hipocrisia das instituições, sem conceber alguma alternativa para que esta realidade possa mudar. Permanece, portanto, no grau da denúncia, do aviso a quem interessar possa: há algo muito errado ocorrendo na gestão do nosso sistema de saúde. Façam desta informação o que bem entenderem. 

O Enfermeiro da Noite (2022)
6
Nota 6/10

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