O Enfermeiro da Noite se desenvolve como um suspense incrivelmente simples. Na primeira imagem, o enfermeiro Charlie Cullen (Eddie Redmayne) está presente ao lado de um paciente convulsionando. A morte é decretada em seguida. Um zoom agressivo se aproxima do rosto do rapaz, despertando uma impressão de estranheza. O filme decide lança poucos indícios, que logo se provam justificáveis: o homem foi, de fato, responsável pela morte de centenas de pessoas. Ele não nega; os crimes não são ocultados. As evidências se multiplicam.
É curiosa a estratégia deste roteiro, baseado numa história real. Talvez diretores mais habituados às ficções policiais optassem por plantar dúvidas, ambiguidades, pistas falsas, o medo de ser pego, etc. Nada disso ocorre aqui: ninguém surpreende Charlie no ato, nem descobre Amy (Jessica Chastain) coletando provas contra o colega de maneira pouco discreta. As pessoas que tentam abafar o caso jamais sofrem nenhum tipo de represália (na verdade, o roteiro apenas se esquece delas), e os episódios anteriores cometidos pelo enfermeiro assassino restam no anonimato, porque não importam de fato aos criadores.
A melhor estratégia ao filme provém da decisão de situar o ponto de vista junto à amiga Amy, ao invés dos criminosos, dos policiais ou dos familiares das vítimas. A mulher não é diretamente afetada pelos atos de colega de turno, nem associada às práticas dele. Aliás, os policiais e demais membros do hospital tampouco investigam se outras fraudes ocorreram ali dentro. Há apenas duas instâncias em operação neste filme de uma inexplicável economia de conflitos: a direção do hospital, representada por duas pessoas ligadas à burocracia, e destinadas a manter a reputação do local, e Amy, inicialmente em defesa de Charlie, e depois, convertida em detetive.
O diretor Tobias Lindholm faz o possível para afastar a ideia de um envolvimento amoroso entre ambos. É estranho que se frequentem o tempo inteiro, que Charlie se torne o melhor amigo das crianças dela, e entre em casa quando não está. No entanto, talvez por se tratar de uma história baseada em fatos, os criadores sustentam a tese de que apenas uma amizade profunda, e quase instantânea, uniu os protagonistas. Havia a possibilidade de um espelhamento entre eles: dois profissionais cansados, mal pagos, cada um com dois filhos, etc. Ora, a perspectiva da identificação também é abandonada pelo roteiro.
O universo é tão focado na relação Charlie-Amy que se fecha ao resto do mundo, inclusive esteticamente.
Em contrapartida, o longa-metragem se concentra na aproximação entre ambos, percebidos como simetricamente opostos: por um lado, uma enfermeira realmente boa, como diria o título original, do tipo que chama os personagens pelo primeiro nome, deixa dormirem no hospital ou comerem pizza, apesar das restrições, e se esforça para ser uma boa mãe às filhas. O texto a poupa de qualquer ambiguidade moral ou ética, num recurso que lembra a descrição elogiosa e resiliente da esposa de Stephen Hawking em A Teoria de Tudo (2014), por exemplo. Por outro lado, há o rapaz de fala doce e aparência terna, a quem parece impossível associar os atos criminosos.
O universo é tão focado na relação Charlie-Amy que se fecha ao resto do mundo, inclusive esteticamente. As imagens, numa janela elegante em scope, optam por uma quantidade impensável de close-ups da dupla principal, algo típico da televisão de quarenta anos atrás. São rostos falantes, articulados em plano e contraplano (vide o clímax na lanchonete). Apesar do belo trabalho em baixas luzes, favorecendo a impressão de cansaço do trabalho no hospital, a decisão de reduzir a profundidade de campo e se colar aos rostos sempre que possível reforça a aparência de um hospital inverossímil. Há pouquíssimos médicos, pacientes e funcionários, ou barulhos e dinâmica neste espaço de aparência teatral.
Os atores estão competentes, ainda que seus personagens tenham possuam desenvolvimento. Jessica Chastain constrói uma enfermeira caridosa, evitando pender à caricatura da virtude em moldes Patch Adams; já Eddie Redmayne, felizmente, atenua o olhar absorto e a boca aberta que costuma emprestar a quase todos os personagens. Charlie tampouco sustenta uma aparência de psicopata — alguns filmes enfim compreenderam que psicopatas possuem a mesma expressão que qualquer um de nós, e aí reside o medo, a monstruosidade, a incompreensão. Caso este hospital fornecesse mais elementos dinâmicos para os atores explorarem, a dupla poderia desenvolver mais nuances e características.
Ora, diante de uma investigação simplíssima, poderia restar um mergulho aprofundado na psicologia, certo? Errado. Lindholm perde a oportunidade de analisar a mente de um jovem capaz de matar “até 400 pessoas”, segundo os letreiros finais. O texto dispensa especulações a respeito de distúrbios mentais, preferindo a curiosidade do desconhecido, dizendo que até hoje “ele nunca explicou por que cometeu os crimes”. Talvez o rapaz, certamente acometido por algum distúrbio, não pudesse fazê-lo por conta própria. É uma pena que este mini-hospital não possua um psiquiatra sequer para levantar possibilidades a respeito do homem, cuja relação familiar jamais é mencionada.
Sem suspense nem psicologia, o projeto tenta se salvar em poucos momentos de catarse para Amy, e principalmente, numa cena de crise envolvendo Charlie. Neste instante preciso, o jovem de olhar controlado grita a plenos pulmões, numa tentativa de receber alguma indicação ao Oscar pelo esforço. Nem mesmo face a este descontrole, os investigadores, médicos e donos do hospital suspeitam de algum distúrbio psiquiátrico. A condenação se revela cartesiana e despreocupada com subjetividades: matou; não deveria ter matado; então será detido. Ponto final. Assiste-se ao filme com a mesma emoção de quem lê as atas de um processo judicial.
Ao menos, o aspecto mais forte do discurso se encontra na negligência dos hospitais, que preferiram acobertar o ocorrido (segundo a trama, algo semelhante tinha se passado em nove instituições anteriores) a denunciar este homem ou admitir a crise interna. Diante de uma fera selvagem, que o filme não compreende, nem busca compreender, resta direcionar o olhar àqueles que poderiam ter evitado as mortes, porém não o fizeram. O cineasta aponta o dedo à hipocrisia das instituições, sem conceber alguma alternativa para que esta realidade possa mudar. Permanece, portanto, no grau da denúncia, do aviso a quem interessar possa: há algo muito errado ocorrendo na gestão do nosso sistema de saúde. Façam desta informação o que bem entenderem.