O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (2022)

Isso aqui é o Texas

Título Original (ANO)
Texas Chainsaw Massacre (2022)
País / Gênero
EUA / Terror
DuraçÃO
83 minutos
DIReção
David Blue Garcia
Elenco
Sarah Yarkin, Elsie Fisher, Mark Burnham, Jacob Latimore, Moe Dunford, Olwen Fouéré, Jessica Allain, Nell Hudson
visto em
Netflix

Nesta mistura entre sequência e reinício do clássico de terror, talvez mais importante do que “massacre” e “serra elétrica” seja outra palavra do título, suprimida no nome brasileiro: Texas. Aqui, a possibilidade de um massacre é secundária, e o famoso instrumento do vilão será usado esporadicamente, sem adquirir função primordial nas mortes. Os personagens humanos são colocados em segundo plano diante de uma representação particular deste Estado norte-americano.

O diretor David Blue Garcia dedica-se a criar um vilarejo desértico, quase abandonado, e mesmo assim, repleto de violências simbólicas ou concretas. Num orfanato aos pedaços, tremula a bandeira dos Estados Confederados, representando a luta pela manutenção do regime escravocrata no sul dos Estados Unidos. Um dos únicos residentes da região é um mecânico carregando sua arma firmemente presa à cintura. As pessoas são conservadoras, de sotaque fortíssimo, aparência caipira, e prontas a chamar a polícia ou a resolver pendências pessoais à bala.

Em contraste, os protagonistas chegam a Harlow a partir da progressista cidade de Austin. Estranhamente, acreditam que a cidade-fantasma será o cenário ideal para começarem novos empreendimentos culinários e rechearem as casas abandonadas com yuppies. Em outras palavras, estes turistas democratas e um tanto folclóricos (eles votariam em Bernie Sanders, sem dúvida) se veem presos numa armadilha republicana de contornos trumpistas.

A premissa se revela tão absurda que desafia o bom senso dos espectadores mais generosos. Sem explicação, os jovens empreendedores adquirem o direito de tomar posse do vilarejo inteiro, embora não se deem o trabalho de carregar consigo os documentos comprovando a transação. Confrontados a uma senhora que se recusa a deixar o domicílio, tentam expulsá-la à força. Por que se mudariam para lá?

Os criadores possuem a ciência de que a trama precisa se passar em Harlow, efetuando portanto malabarismos que desafiam a lógica para arrastar os personagens ao palco da nova matança. O desprezo por estes esquerdistas caricaturais é evidente: eles são arrogantes, egocêntricos, sustentam um discurso hipócrita, e tomarão as decisões menos verossímeis possíveis quando Leatherface resolve atacar novamente.

As pessoas agredidas num ônibus sacam seus celulares e espremem-se contra o vidro do veículo, mas demoram a pensar em abrir a janela para escapar. Embora prevejam a chegada do psicopata, deixam a porta aberta para recebê-lo. Podendo escapar, dirigem o carro nas ruas desertas em ritmo frenético té batê-lo, inutilizando-o. Depois, gritam sem parar num espaço aberto ao invés de se esconderem.

Os personagens se esforçam para morrer, buscam esta experiência, encaminhando-se de bom grado ao abatedouro.

De certo modo, eles se esforçam para morrer, buscam esta experiência, encaminhando-se de bom grado ao abatedouro. Garcia cria incômodos personagens que “merecem morrer”, com todas as aspas necessárias, por se recusarem a adotar medidas prudentes na hora certa. Chegando à conclusão, a menina ferozmente anti-armas empunhará uma espingarda gigante para se empoderar. “Está vendo como armas funcionam?”, sugere o discurso.

Este seria um dos aspectos mais curiosos de O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (2022): o posicionamento direitista. Duas figuras conservadoras e truculentas serão martirizadas e desculpadas, tornando-se algozes da ambição progressista. Em consequência, as regras da “América profunda” se impõem. Mulheres fortes, homens negros empoderados e garotas de discurso pró-ecologia serão colocados em seus devidos lugares, devorados por Harlow.

A “final girl” (figura dos slashers que sobrevive às mortes, carregando o legado e o trauma do massacre à produção seguinte) se limitará à mera posição de vítima. Destituída de voz e força, será atacada uma segunda vez, e arrastada para fora do Texas contra a sua vontade, pelo piloto automático de um carro moderno (em referência ao filme original). Sua luta e suas “boas intenções” de gentrificação serão ridicularizadas até o local voltar ao exato estado em que se encontrava a princípio.

Slashers recentes como Pânico (2022), Tem Alguém na Sua Casa (2022) e até Uma Noite de Crime: A Fronteira (2021) reconheciam a polarização rígida entre conservadores e progressistas para pender a favor destes últimos, acreditando que o valor de resistência de figuras marginais reside em seu caráter minoritário. Já a produção da Netflix abraça os setores tradicionais, que se veem retirados de foco das produções contemporâneas. Há tanto carinho pelas figuras opressoras de antigamente (“A bandeira confederada foi um presente do meu avô. Ela me faz lembrar dele, só isso”, alega a dona do orfanato) quanto escárnio pela juventude conectada, vegana, LGBT, urbana e pacífica do século XXI.

Esteticamente, o dispositivo se revela teatral. Harlow é transformada num palco de poeira e abandono, semelhante aos palcos dos faroestes de 70 anos atrás. Trata-se de um espaço aberto em todas as direções, no entanto, os turistas permanecem fechados no ônibus sem perceberem o mundo ao redor, e as protagonistas se contentam em gritar num carro fechado, reclamar no veículo trancado ou transpirar nervosamente sob uma cama de molas. Passam-se horas, o dia vira noite, e algumas pessoas seguem presas em seus esconderijos, enquanto uma chuva bastante artificial rega os protagonistas da cidade cenográfica.

Garcia jamais decide se pretende fazer uma produção polida, com ares contemporâneos de um digital endinheirado (como a primeira metade da sessão parece anunciar, coroada pelo selo Netflix), ou se aposta num trash ensandecido, apoiado no prazer da carnificina (como atesta a segunda metade, ridícula em todos os sentidos do termo). Nas cenas finais, personagens quase serrados em dois resistem para disparar frases de efeito; os mortos ressuscitam; os ícones de resistência de antigamente são aniquilados pela ferocidade texana. A narrativa chega a tal nível de descaso com a lógica que poderia se assumir como uma paródia de filmes de terror, a exemplo de tantas franquias recentes.

Ora, talvez o aspecto mais perturbador desta iniciativa seja a sua gravidade e senso de vingança — ou melhor dizendo, justiçamento — em relação às novas vozes que têm ocupado o terror contemporâneo. Garcia apela para a boa e velha morte de mocinhas e negros de antigamente — dominando tanto o imaginário do slasher dos anos 1970 quanto aquele da Confederação —, a partir de um gesto essencialmente reacionário.

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (2022)
2
Nota 2/10

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