O drama boliviano surpreende, em primeiro lugar, pelo prazer das composições. Descobrimos a volta para casa de Humberto (Enrique Aráoz), depois de alguns anos na prisão, pela sombra projetada no corredor. Ele pula as grades de casa — algo visto pelas pernas ao lado das malas no chão. Depois, percebemos a entrada no imóvel através do reflexo no espelho da sala. Deduzimos que alguém sobe numa escada móvel de metal graças à tremulação da parte superior do objeto.
A câmera passa a enquadrar o protagonista em meio a objetos, ou destacado na multidão. Ao passar por uma feira, os bichos de pelúcia em uma banca se convertem em molduras para o rosto deste cantor de velórios. Durante a missa, Humberto se senta em bancos ao fundo da imagem, de modo que apenas a luz o destaca dos personagens coadjuvantes. Mesmo em formato de tela próximo do quadrado, o cineasta Martín Boulocq valoriza os espaços e manifesta o interesse pela arte de enquadrar.
As imagens serão responsáveis, em si mesmas, pelo humor sutil da produção. Após cantar Ave Maria durante um evento fúnebre, a montagem rapidamente corta para o herói deitado no carro funerário, ao som de música contemporânea dançante. Os registros e tons convivem de maneira ruidosa, provocando a comicidade do inesperado, ou do absurdo. O jogo de squash entre amigos e as performances do pastor evangélico (César Troncoso) são registradas em inúmeros planos e ângulos, despertando estranhamento pelo ponto de vista fragmentado.
Uma jornada tão curiosa visualmente quanto anticlimática narrativamente. Como são estranhos os filmes em que os protagonistas não importam à própria história!
Os temas abordados se prestavam a fricções semelhantes. Afinal, o ex-presidiário busca se reconectar com a filha adolescente, enfrentando os ex-sogros, dois líderes evangélicos, pela guarda da menina. Questões relacionadas à paternidade, ao crime cometido por Humberto, à reinserção social de indivíduos com ficha criminal, à índole dos pastores e ao posicionamento da menina nos preparavam ao caldeirão sociocultural de um país sul-americano em transformações. Diferentes classes sociais, gêneros e crenças se enfrentam nesta premissa.
No entanto, a direção surpreende pelo desinteresse em transformar estes aspectos em conflitos. O cantor se revela um tipo incrivelmente apático, limitando-se a reagir à intromissão de terceiros. Na comunidade onde mora, apesar dos ameaçadores bonecos pendurados em postes, com placas “Ladrões são queimados vivos aqui”, Humberto recebe um acolhimento plácido, como se tivesse chegado de uma viagem turística. O homem jamais demonstra saudades pela garota, nem interesse profundo na vida dela. A menina o observa com indiferença.
A lábia habitual de lideranças religiosas se faz presente pela excelente atuação de César Troncoso, ainda que o discurso de fé não exerça qualquer papel determinante na trama. A presença da religião nunca soa castradora, invasiva, benéfica, tolerante. Os sogros, encarregados da educação da menina durante a ausência do pai, poderiam desempenhar qualquer outro cargo profissional, sem que a mudança surtisse impacto determinante na sequência de eventos. Desaconselhado a perseguir o casal na justiça, o herói se cala. Diante de pequenas derrotas iniciais em suas modestas ambições, ele consente.
O cantor se converte em estranho coadjuvante da própria história. Boulocq prioriza os talentos do intérprete para o canto real, em longas cenas, além de dirigir uma motocicleta, em plano-sequência, pelas avenidas da cidade. Em contrapartida, o cineasta dispensa Humberto enquanto vetor de ação ou dramaticidade. O sujeito de poucas palavras se resume a um corpo inerte, em deslocamento. Desconhecemos sua experiência na prisão, os objetivos a longo prazo, a relação com a falecida esposa, a adesão prévia às ideias da igreja. Sua subjetividade permanece um mistério ao espectador.
Deste modo, O Visitante oferece uma jornada tão curiosa visualmente quanto anticlimática narrativamente. O artista retorna à sua comunidade, embora não fizesse qualquer diferença caso continuasse no cárcere. Ele se vê incapaz de produzir efeito no ambiente ao redor, porém tampouco recebe golpes marcantes da comunidade. Este pai se torna impermeável, invisível, tal qual um fantasma visitando a filha. Como são estranhos os filmes em que os protagonistas não importam à própria história!
Talvez, por este motivo, a comédia dramática seja impregnada de melancolia. Ela se destaca por cenas pontuais, bem articuladas e pensadas em termos de luz, duração e impacto — vide o pastor derrubando seu rebanho sobre o palco, para o espetáculo da plateia, um por um, ou ainda lutando contra o genro numa sessão de descarrego ao som de ópera. A estética (som, luz, enquadramentos) sugere um teor emotivo e catártico que jamais encontra equivalência no roteiro.
A conclusão será compreensivelmente amarga, face à suspensão das promessas e à ausência de uma recompensa emocional a qualquer participante deste jogo — Humberto, a filha, os sogros e o espectador. A luta prometida termina por W.O., quando o frágil lutador se retira de campo e toleta a permanência do status quo.
É difícil determinar o que o drama teria a oferecer enquanto discurso. O conformismo de Humberto ameaça contaminar a própria trama, como se qualquer esforço deste sujeito de recursos e vontade limitados fossem ínfimos perto da força de um sistema preestabelecido. Então para quê tentar, certo? Constata-se um problema, diverte-se com ele, e então decide-se que as coisas continuarão assim mesmo, paciência. Sigamos em frente. O retorno de Humberto, “visitante” em sua própria terra, se converte na jornada minúscula de um homem sem qualidades.