A história se abre com um duelo ao pôr do sol. Oeste Outra Vez apresenta homens indignados, lutando pela mesma mulher, além de assassinos de aluguel e sujeitos brutos que passam as noites se embriagando em botecos. A partir destes ingredientes, Sergio Leone e Sergio Corbucci talvez fizessem um faroeste sanguinário, repleto de suspense e acertos de conta em nome da honra. Ao final, o herói mais forte e destemido prevaleceria sobre os demais, e conquistaria o amor da mocinha, seduzida por sua valentia.
O filme brasileiro prefere outro caminho, bastante particular. Não chega a parodiar o gênero, mas tampouco se limita a adaptar suas regras à realidade do centro-oeste. O diretor Erico Rassi imagina o enfrentamento entre personagens rejeitados, que não sabem lutar, nem possuem qualquer esperança real de conquistarem o amor da donzela. Enfrentam-se porque, em suas vidas tediosas, de que outra maneira ocupariam seu tempo? Os sujeitos não têm famílias, amigos, obrigações. Lutam para dar algum sentido à sua existência.
O resultado poderia ser uma obra melancólica, meramente contemplativa. O cineasta possui recursos de sobra para tal, em vista dos enquadramentos e do uso de luz, da duração dos planos, da maneira como dirige atores (ou seja, pelo modo como coordena montagem, fotografia e demais aspectos criativos). Paira uma atmosfera nostálgica neste projeto, propenso ao isolamento em uma cidade-fantasma onde não existe polícia, representantes políticos ou qualquer forma de instituição para amparar estes sujeitos abandonados, inclusive, pela coletividade. Todos os elementos para criar uma deambulação triste estão presentes.
Estes palhaços tristes nos divertem pela incapacidade de atirar, embora sejam pistoleiros; pela dificuldade de despertar qualquer interesse nas mulheres de seus sonhos, embora teoricamente se sacrifiquem por amor.
Em contrapartida, surpreende o humor refinado e constante ao longo da narrativa. O diretor possui carinho por seus pés-rapados, mas também adora rir da situação absurda em que se encontram. Por isso, adota um tom muito específico de comicidade a partir de pessoas sérias, de semblante fechado, que nunca contam piadas nem recorrem a estratégias fáceis de humor físico. Estes palhaços tristes nos divertem pela incapacidade de atirar, embora sejam pistoleiros; pela dificuldade de despertar qualquer interesse nas mulheres de seus sonhos (ausentes nas imagens), embora teoricamente se sacrifiquem por amor.
Oeste Outra Vez nos relembra da homoafetividade inerente aos meios tradicionalmente masculinos. Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana) juram sua paixão pela mesma mulher, no entanto, dedicam seus dias a perseguir ao outro. Eles têm seus pensamentos tomados por outros homens, a quem dedicam sua energia, seus impulsos, suas ações e, em última medida, sua libido. O quarto onde dois homens deitam lado a lado e o refúgio do falso pistoleiro (Rodger Rogério) e seu cliente promovem instantes de intimidade entre machos deprimidos. “Eu já mostrei meu muque ao senhor?”, indaga Jerominho. Se existe alguma forma de contato e troca real entre duas pessoas, ela ocorre apenas entre homens (topos supostamente heterossexuais).
Esta ciranda também impressiona pela cortesia com que estes sujeitos se tratam, incluindo aqueles desejam matar. Rassi retira deste espetáculo de virilidade o caráter primitivo do enfrentamento, preferindo a polidez esperada de cavalheiros e nobres. Mesmo em botecos insalubres, estes homens de pouca educação se tratam por “senhor”, independentemente de familiaridade ou idade do interlocutor. Pedem educadamente que não sejam mortos, e avisam ao inimigo que um assassino virá buscá-lo — porque parece mais respeitoso fazê-lo. A provável vítima, ciente da ameaça, segue sua vida normalmente. Não seria absurdo sugerir que os personagens se entregam à morte, na falta de melhores perspectivas.
Neste lugar fantasma, os homens andam em círculos, incapazes de se conectar com o resto da sociedade. Existem apenas um para o outro — o que raios farão de seus dias caso não estejam se perseguindo? Um choro triste de Durval, na conclusão, talvez esteja menos relacionado à rejeição feminina do que à falta de um adversário seguir o jogo. No final, estamos numa caça esportiva entre maus jogadores, do tipo que praticam entre si porque ninguém mais os consideraria dignos de um embate de alto nível. Quem mais se incomodaria com o amor de qualquer um deles por suas mulheres? “Coitada da Gracinha. Ela não tem sorte com maridos”, confessa o ex-marido dela.
A propósito de esportes, a dinâmica veloz entre os personagens se mostra determinante para o funcionamento desta comédia de situações. Os diálogos são ágeis, respondidos imediatamente, de maneira tão ríspida quanto bem enunciada e articulada pelos atores. O espectador se encontra diante de uma partida de tênis, com trocas de golpes de um lado para o outro, o que demonstra não somente o prazer, mas também o grande talento de Rassi para a construção de diálogos. Os atores estão perfeitamente calibrados para respeitar esta prosódia particular, fugindo à armadilha de ridicularizar as figuras ridículas. Deixam que o contexto o faça por eles.
O resultado funciona devido ao entrosamento e a coesão entre os atores. É difícil apontar alguém que se destaque positivamente ou negativamente em relação aos demais. Todos compreendem muito bem a velocidade dos diálogos, o estilo desafetado das falas, a postura de um corpo largado em contraste com a formalidade endurecida do estilo cênico. Não demonstram vaidades, nem para roubar as cenas para si, nem para impressionar com sotaques e trabalhos naturalistas de composição — afinal, constituem arquétipos, ao invés de figuras únicas e tridimensionais.
Ao final, Oeste Outra Vez encanta pela conjunção rara de elementos, num equilíbrio impecável e muito pessoal de tons. O projeto combina mortes brutais com falas elegantes; o cenário árido do interior de Goiás com um som limpíssimo, como se os atores vivessem em cabines de gravação; o acerto de contas habitualmente voraz com uma abordagem isenta de pathos ou furor. Trata-se de uma masculinidade emasculada — espécie de gesto conceitual de Rassi, buscando descobrir o que resta ao western quando se retira a recompensa emocional, o heroísmo, a coragem e a potência destes homens.