Mocinha sozinha dentro de uma cabana na floresta. Um vulto assustador caminha por trás dela. Quando ela se vira, não avista ninguém lá. A jovem toma banho, enquanto um sujeito mascarado a observa. Corte rápido da montagem, e a heroína se encontra sozinha no banheiro. Uma figura mascarada a encara no corredor. Ela acende as luzes, e percebe que não existe ninguém no recinto. O caráter “sobrenatural” destes invasores, capazes de desaparecer em uma fração de segundos, se repete duas, quatro, seis, doze vezes, em Os Estranhos: Capítulo 1.
O filme está repleto de tiques e truques desgastados, que o diretor Renny Harlin aplica sem nenhuma moderação. Qualquer ideia de mínimo potencial amedrontador será utilizada, ainda que fira a lógica ou coesão do discurso. Parece assustador colocar uma quantidade insana de gelo seco na floresta? Ótimo, que entrem caminhões produzindo névoa espessa. Os personagens poderiam se beneficiar da existência de uma motocicleta abandonada, com gasolina disponível e chave à disposição? Então, que venha a moto.
O longa-metragem é bastante prejudicado pela direção quase paródica. Nas mãos de um cineasta mais sutil, o modesto roteiro ofereceria uma experiência modesta, porém satisfatória. Ora, Harlin parte do pressuposto que tudo deve ser sinistro, mesmo sem motivos palpáveis para tal. Qualquer cenário ou personagem (central, coadjuvante ou figurante) se converte numa ameaça, perceptível pela cara de mau. Sabe aquela expressão que uma pessoa sem formação em artes dramáticas faria, caso solicitada a fazer cara de mau? Essa mesma. Os ambientes são inóspitos, as cidades se provam sombrias.
É triste se deparar com uma franquia sólida de terror entregue a um volume tão fraco e incompatível com suas qualidades. Harlin se revela uma escolha mais apropriada à paródia de horror.
A chegada do casal Maya (Madelaine Petsch) e Ryan (Froy Gutierrez) a uma lanchonete no vilarejo Venus despertou risos dentro da sala de cinema. Nesta cena, os clientes do estabelecimento encaram os forasteiros como se planejassem um banquete canibal. O mecânico sustenta o olhar de um monstro grotesco; a garota que oferece uma carona parece planejar um atentado à estadia dos heróis. A atendente que vende hambúrgueres à dupla fala se quisesse matá-los. A chegada dos “estranhos” mascarados soa como o menor dos problemas — tudo neste local prenunciava o final trágico.
Neste sentido, o ponto de vista incomoda pela decisão de se manter junto aos agressores, ao invés das vítimas. A narrativa facilita a tarefa do trio de psicopatas ao limite do absurdo: eles chegam quando querem, sem provocar ruído nem serem percebidos. Fogem andando calmamente ao escutarem a sirene da polícia e, sabe-se lá como, dormem nos leitos de hospital junto das pessoas que atacaram. Pouca coisa tem sentido, de fato, nesta construção de uma aparência de terror, ao invés da lógica específica do terror.
Ironicamente, Os Estranhos: Capítulo 1 trazia elementos de sobra para uma visão subversiva aos códigos. A final girl da vez faz sexo, fuma maconha, adota uma dieta vegetariana — comportamentos inaceitáveis para o puritanismo dos slashers tradicionais. A opção pelo “capítulo um” também permitiria que se investigasse a origem de uma franquia singular, e excelente até agora, capaz de brincar com a falta de motivação que se estima essencial aos crimes. De maneira bastante individualista e contemporânea, os matadores desta saga matam porque sim. Porque têm vontade, porque é divertido.
Como este movimento tão niilista e, ao mesmo tempo, tão brutal, teria se originado? Quem teriam sido os pioneiros do assassinato por distração, forjando as figuras mascaradas que não conversam, e jamais mostram seu rosto (afinal, pouco importam quem sejam)? Por que estas máscaras em particular? Os longas-metragens anteriores ocupavam um espaço singular no horror. A possibilidade de investigar a gênese sociológica deste movimento seria formidável para o desenvolvimento político da premissa (algo que Uma Noite de Crime fez excepcionalmente bom).
Ora, o roteiro de Alan R. Cohen e Alan Freedland jamais explora o caráter introdutório da obra. Este capítulo inicial poderia igualmente ser considerado a terceira produção da saga, posto que nenhuma explicação a respeito do mecanismo das mortes se desenvolve na trama. Certo, os celulares são antigos, o que nos situa alguns anos mais cedo. Entretanto, a conexão com as demais histórias ocorre por acúmulo, ao invés de uma relação de causa e consequência, ou de antes e depois. Este é um filme a mais para a marca Os Estranhos.
Os atores principais podem demonstrar comprometimento; a direção de fotografia se esforça em criar tensão sem escurecer excessivamente os espaços. No entanto, de nada importa este esforço diante de um cineasta que considera seu espectador ignorante. Harlin insiste em cada símbolo (óbvio em si próprio) muitas vezes, acreditando que ele precise de tal pedagogia para ser assimilado. Assim que Ryan revela sua bombinha de asma (com direito a plano próximo no objeto), torna-se evidente que ele sentirá falta deste item durante alguma perseguição. Ora, a ausência da bombinha será aproveitada em três cenas distintas.
A comparação entre o ketchup e o sangue ocupa uma longa cena, até o sangue real literalmente cair sobre o condimento e completar a associação. Está vendo? Percebeu a associação entre sangue e ketchup? Não viu? Calma aí, vou mostrar. E agora, percebeu? Entendeu? Posicionada em frente a uma janela, Maya é atacada pelos invasores, que a agarram por trás. O namorado a salva, e ela decide permanecer em frente à mesma janela, agora quebrada, onde pode ser pega novamente. Sabendo da possível invasão à cabana, a jovem deixa a porta dos fundos destrancada.
Mesmo as metáforas relacionadas à sexualidade se convertem num pastiche explícito, ao limite do ridículo. O slasher, com suas armas brancas, necessitando a penetração em vários golpes para assegurar a morte (geralmente, do criminoso masculino numa vítima feminina), agora literalmente ganha a cena de uma faca enfiada na vagina da personagem. Sim, eu já tinha entendido a analogia, obrigado. Mesmo a cena do prego, quando não se pode gritar, se converte numa cópia próxima demais de Um Lugar Silencioso.
É triste se deparar com uma franquia sólida de terror entregue a um volume tão fraco e incompatível com suas qualidades — O Exorcista e Halloween passaram por destinos semelhantes recentemente. Pior ainda, Harlin foi anunciado como diretor dos capítulos 2 e 3, caso aconteçam de fato. Difícil acreditar que os produtores ainda apostem numa parceria longa com o cineasta, após fazer prova de uma compreensão tão anacrônica quanto preguiçosa do potencial do gênero. Harlin se revela uma escolha mais apropriada à paródia de horror do que ao horror comprometido com um pensamento sobre a sociedade contemporânea.