Inicialmente, o trabalho de câmera e luzes chama mais atenção em Pequenas Coisas Como Estas do que os personagens. Dentro do escritório central de uma empresa de extração mineral, o telefone toca. O sujeito sai do seu posto, ignorando o barulho do aparelho, para resolver pendências em outro espaço, no fundo do enquadramento (visível graças a uma janela de vidro). O telefone continua tocando, em destaque na imagem, enquanto no segundo plano, desfocado, dois sujeitos discutem. Quando o funcionário retorna à mesa, o mundo inteiro entra em foco.
Em seguida, Bill Furlong (Cillian Murphy) passeia pelos corredores, e a câmera aproveita para efetuar um giro de 360º no intuito de apresentar o local. Enquanto isso, confirma ao espectador que não existem câmeras, tripés, refletores nem membros da equipe naquela locação. O diretor Tim Mielants possui a curiosa vontade de ser, ao mesmo tempo, realista e estetizante em sua abordagem. Isso significa que a imagem nunca faz estripulias absurdas, embora tente tornar o real o mais vívido possível.
A direção de fotografia de Frank Van den Eeden se esforça em criar um ambiente opressor, apesar de saturado, para representar a vida deste sujeito silencioso. Ele perambula por uma infinidade de ruas vazias, sob a luz profundamente alaranjada dos postes. As cores dos cenários e figurinos variam do azul-escuro ao cinzento, em sinal de uma rotina monótona e desinteressante. O teor granulado da imagem sugere um recorte de tempo impreciso, ainda que pertencente às gerações anteriores — mais tarde, entenderemos a necessidade de situar este caso algumas décadas atrás.
Jamais soa como uma denúncia pungente, nem um drama capaz de investigar as circunstâncias políticas do episódio — sobretudo, por não se concentrar nem em quem praticou os delitos, nem em quem os sofreu.
Cillian Murphy interpreta este herói como um sujeito confiável, trabalhador, ainda que não necessariamente muito inteligente. De olhos arregalados e boca entreaberta, ele manifesta constante surpresa diante dos fatos que o cercam. Em paralelo, possui evidente dificuldade de se expressar. Enquanto os familiares, amigos e vizinhos dizem o que pensam, Bill somente se cala e observa. Uma série de flashbacks começa a nos informar, então, a respeito de passagens durante a infância que o deixaram desta maneira.
O roteiro segue na proposta de dar passo para frente, e outro para trás. Conforme o mineiro recebe novas informações a respeito de crimes ocorrendo pela cidade, ele também faz descobertas acerca de si próprio, relembrando passagens traumáticas, reprimidas até então. A ideia do diretor, a partir do roteiro de Enda Walsh, seria fazer com que o caso histórico afetando milhares de meninas refletisse, afinal, no processo terapêutico involuntário de Bill. Ao se deparar com os monstros do mundo, trava contato com seus próprios monstros.
Se o filme o desejasse, poderia revelar desde cedo o tema central. O caso das jovens consideradas “promíscuas”, exploradas em regime análogo à escravidão por freiras, foi muito conhecido na Irlanda, e já deu origem a filmes que portavam um nome claríssimo: As Irmãs Magdalene (2002). No entanto, aqui, o roteiro prefere que o dilema se desvende com parcimônia, num quebra-cabeça cujas peças surgem esporadicamente. Há sempre alguém testemunhando segredos ou escutando confidências atrás de uma porta (em geral, Bill adulto ou criança) para fornecer novos dados ao espectador.
Esta escolha é curiosa, visto que o tom de denúncia quanto aos abusos de direitos humanos se materializa somente na conclusão, por meio de um letreiro informativo acerca das “10 mil irmãs Magdalene” exploradas. Talvez Mielants, a partir do romance de Claire Keegan, desejasse que o caso fosse compreendido enquanto fenômeno particular, sem o rótulo que ganharia nas manchetes e nos livros de história. Por isso, elege uma única adolescente, e uma única freira (Emily Watson) para ilustrarem metonimicamente o dilema humano que ultrapassava a esfera daquele bairro.
Além disso, Small Things Like These escolhe se focar no olhar masculino. A partir de uma série de crimes cometidos por mulheres, contra mulheres, elege um herói alheio ao processo. A decisão de comparar o abuso das jovens religiosas aos traumas infantis de Bill também diminui a importância histórica e social dos eventos, como se tivessem servido, narrativamente, somente para despertar uma fagulha de autocompreensão no protagonista depressivo. Em outras palavras, aparentam ter existido para ele, na intenção de ajudá-lo — caso em que teriam, ironicamente, algo de positivo, pela perspectiva única do personagem central.
Ora, visto que o mineiro desconhece o funcionamento dos abusos, o público também verá pouquíssimo do que ocorre nas lavanderias. Ao encontrar uma garota presa numa garagem suja e fria, ele simplesmente a devolve às freiras. Ao receber suborno para que se cale, somente pega o dinheiro e segue adiante. Podendo escancarar os delitos, o cineasta prefere eleger à condição de porta-voz o trabalhador menos capaz de elaborar algum raciocínio a respeito. Coloca o público, desta maneira, junto ao olhar deste homem inculto (logo quem mais precisaria de uma explicação clara sobre as irmãs Magdalene).
As mulheres soam mais inteligentes e ardilosas, pedindo para Bill se calar, ou pelo não investigar o que ocorre no interior das instituições cristãs. “Para seguir em frente na vida, você precisa ignorar algumas coisas”, suplica a esposa. Em outras palavras, a trama percebe a hipocrisia social, permitindo que os crimes se perpetuassem com o consentimento tácito dos cidadãos, em nome do desejo punitivo e moralista típico do catolicismo.
Em contrapartida, o longa-metragem jamais soa como uma denúncia pungente, nem um drama capaz de investigar as circunstâncias políticas, ou consequências psicológicas do episódio — sobretudo, por não se concentrar nem em quem praticou os delitos, nem em quem os sofreu. Ele consegue atribuir um olhar intimista e pesaroso, em sinal de respeito quanto à gravidade dos dados. Em contrapartida, não acrescenta nenhuma informação, ou elemento estético de percepção, ao crime perpetuado entre 1922 e 1996. Soa elegante, polido, bem produzido, e um tanto inócuo em sua abordagem.
Ora, a quem interessam os filmes políticos que não investigam causas nem consequências; que evitam apontar os dedos ou nomear responsáveis? Os filmes políticos que não incomodam de fato nenhuma parcela da população ou dos espectadores podem realmente ser considerados políticos? Há conexões possíveis entre os abusos de ontem e o tratamento das mulheres hoje? Entre as cúpulas da igreja antigamente, e seus representantes atuais? O diretor perde a oportunidade (e foge à responsabilidade) de, efetivamente, discutir esta tragédia social para além da perplexidade do pobre mineiro gentil.