Possessões (2018)

O que existe no fundo do poço?

título original (ano)
Possessões (2018)
país
Brasil
gênero
Terror
duração
75 minutos
direção
Tiago Santiago
elenco
Marcelo Serrado, Fernanda Nobre, Antônio Pitanga, Marcos Wainberg, Dado Dolabella, Juliana Xavier, Tuca Andrada, Rocco Pitanga, Jorge Pontual, André Di Mauro, Ítala Nandi
visto em
Cinemas

Não é fácil escrever sobre um filme como Possessões. Por um lado, é tentador valorizar qualquer forma de cinema de terror que chegue ao circuito comercial. O Brasil possui vários diretores talentosos, dedicados especialmente ao gênero, mas que nunca conseguem lançar suas obras nas salas de cinema. O público nacional gosta deste segmento, embora esteja acostumado apenas aos códigos e linguagens norte-americanos. Caso tivesse a possibilidade de se habituar ao terror local, poderia fomentar um filão importante da produção brasileira. 

Assim, embora seja estranho se deparar com o lançamento, em 2024, de uma produção de 2018, ela vem cercada de boa vontade por parte do público e imprensa dedicada ao cinema de gênero. O terror e a fantasia também representam algumas das formas mais criativas que o cinema brasileiro encontrou nas duas últimas décadas para comentar a desigualdade social, os abusos machistas e patriarcais e outras formas de monstruosidades, devidamente representadas por criaturas, fantasmas e assassinos — vide O Animal Cordial, Medusa, As Boas Maneiras.

No entanto, não seria benéfico nem honesto ignorar o resultado em telas. Isso porque Possessões é um filme ruim. Muito, muito ruim. É tentador, em época de espetacularização das opiniões e de clickbait em redes sociais, nos limitar a esta constatação, citando as frases mais constrangedoras, as atuações menos comprometidas, e os evidentes problemas de roteiro, fotografia, direção, montagem, som, direção de arte — basta escolher. A lista seria interminável, divertida, mas também óbvia e fácil. A detecção da baixa qualidade em um projeto deste nível não constitui exatamente uma análise sofisticada.

Dizer que o resultado não deu certo seria um eufemismo. Alguns fracassos atingem tal nível, da concepção à finalização, que fascinam pela dificuldade de entender como puderem chegar ali.

Talvez o interesse nasça da vontade de compreender como um longa-metragem com tais qualidades foi escrito, finalizado e lançado em festivais, onde recebeu prêmios. Como uma obra tão excepcionalmente fraca traz no elenco Antônio Pitanga, um dos maiores atores da história do cinema nacional? O que interessaria a atores de renome na televisão, como Marcelo Serrado, Dado Dolabella e Juliana Xavier, investir nesta empreitada? Teriam acreditado no potencial da obra? Seriam tentados pela oportunidade rara de atuar no registro do horror? 

Em especial, como nasce a ideia de juntar duas histórias independentes — um curta-metragem e um média-metragem — na obra única, trabalhando com diretores de fotografia e figurinistas distintos? O conceito de possessão fica perdido: as pessoas são tomadas pela entidade de maneira abrupta, sem terem sido escolhidas para isso. A presença maligna tampouco se aproxima gradualmente, como de costuma nas narrativas buscando alguma forma de tensão. Uma vez invadidos, os corpos começam a falar com voz grossa (alterada em pós-produção), viram as mãos para trás de maneira animalesca e, um minuto depois, voltam a si. Uma personagem chega a exorcizar a si mesma através da força do bem, ou da crença em Deus — não fica muito claro ao espectador.

Logo, não existe coesão nem coerência na proposta de uma ameaça sobrenatural. Ela chega repentinamente, vai embora quando deseja. Pode precisar de exorcismo para partir, ou dispensar este processo. Pode ser invisível, insistindo em abrir as portas do armário e ateando fogo na pia. Às vezes, se transforma num vulto no corredor, ou na figura de uma mulher percebida como asquerosa, porque obesa e de cabelos despenteados. A entidade consegue dominar a consciência de um indivíduo e levá-lo a saltar da janela, mas também utiliza suas garras pontudas para asfixiar a vítima. Não existe modus operandi. Tanto faz. A dedicação ao sentido das ações é ínfima.

Em paralelo, nenhum personagem existe para além do conflito único da possessão, que ocorre desde as primeiras cenas e se estende até o desenlace de cada episódio. Estas figuras são desprovidas de passado, de objetivos, de uma vida externa fora da condição de vítimas. Os atores nunca sabem ao certo o que fazer com diálogos desastrosos e um tom muito próximo da paródia involuntária, jamais assumida pelos criadores. Imagine o roteiro de Todo Mundo em Pânico filmado com a seriedade de quem está construindo uma obra assustadora. O desconforto é semelhante diante de cenas como a descoberta da camiseta encharcada de sangue no armário.

Nem as decisões de mise en scène se justificam. O baixo orçamento não ajuda a compreender o motivo de a câmera girar indefinidamente durante as manifestações do mal. Tanto Juliana Nobre, na primeira parte, quanto Juliana Xavier, na segunda, são acompanhadas pela imagem vacilante, em planos longos e mal refletidos, incapazes de valorizar espaços, tensão ou atuações. As cores acentuadas, as oscilações sonoras e as movimentações inesperadas de objetos tampouco ajudam a compreender os objetivos da direção. O crucifixo enquadrado junto ao vizinho com roupas de padre deveria representar alguma espécie de sutileza? Por que o ator não pisca jamais?

Possessões se encerra como uma experiência triste. Não assustadora, nem propriamente engraçada, apenas triste mesmo. O público mais espirituoso encontrará material farto para memes e piadas, como já ocorria com a série Mutantes, da Record, comandada igualmente pelo cineasta Tiago Santiago. No entanto, é decepcionante para o espectador se dedicar a um filme que parece não ter dedicado o tempo mínimo para desenvolver o roteiro, filmar com cuidado, finalizar com atenção. Lamenta-se encontrar nas salas de cinema uma forma de cinema tão amadora, concebida por profissionais. 

Dizer que o resultado não deu certo seria um eufemismo. Alguns fracassos atingem tal nível, da concepção à finalização, que fascinam pela dificuldade de entender como puderem chegar ali. É muito mais difícil apresentar uma catástrofe destas proporções do que um filme moderadamente fraco. Aos amantes do terror e entusiastas do cinema nacional, espera-se que vejam e que gostem, sinceramente. Quem sabe enxerguem, no primeiro grau ou na chave da paródia, um interesse capaz de ultrapassar aqueles, bastante solenes, procurados pelos criadores.

Possessões (2018)
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Nota 1/10

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