O professor Marcelo Pena (Marcelo Subiotto) passa os dias discutindo filosofia política com os alunos da universidade Puan. Ensina, com paixão e interesse pelo tema, o conceito de ação; a diferença entre “existir” socialmente ou apenas “funcionar”; além da necessidade de se colocar “em movimento” face aos desafios impostos por governos autoritários.
Ele debate a distância exata em que o indivíduo deveria se posicionar em relação ao Estado, e acolhe com bons olhos o convite de manifestantes que entram na sala e convidam os colegas a atos práticos, “porque não dá para ficar quatro horas ouvindo professores falarem”. Subentende-se que tenha integrado movimentos estudantis no passado, e dedica as horas vagas a ensinar filosofia nas periferias.
O cenário para o debate de tais ideias soa particularmente fértil, posto que a Argentina descrita na trama sofre com salários atrasados para os funcionários públicos e ameaça de fechamento das universidades por falta de recursos. Os diretores Benjamin Naishtat e María Alché dialogam diretamente com o país no século XXI, afundado em crise econômica. Neste sentido, as discussões e propostas do protagonista se revelam mais pertinentes do que nunca.
Satiriza o desejo e a impossibilidade de concretizá-lo, a figura do macho conquistador e o retrato da masculinidade ferida.
Aí reside a ironia de Puan: a lacuna separando as ideias de sua concretização. Embora pregue uma aplicação prática da filosofia, Marcelo se revela um sujeito apático, acostumado à rotina, e incapaz de se revoltar contra as injustiças ao redor. Face à morte de seu mentor, ele pareceria o substituto natural, porém nem sequer cogita a possibilidade antes de ser pressionado por colegas. É preciso entrar em cena um concorrente vaidoso e extravagante (Rafael, interpretado por Leonardo Sbaraglia) para que a noção de luta política se construa, metaforicamente, entre os dois homens.
Rafael representa uma renovação, digamos, “carismática”, da filosofia. Vem da Alemanha, recita Kant em língua original aos colegas, veste um lenço no pescoço, namora uma atriz famosa. Diante dos professores em situação financeira precária, compra vinhos caros para uma festa. Em oposição à filosofia de resistência, ilustra uma pedagogia pop, pós-moderna, certamente muito apropriada aos tempos de redes sociais. Mesmo neste sentido, o professor recém-chegado soa como um substituto natural à letargia convencional de Marcelo.
O roteiro se sobressai graças à capacidade de trabalhar um humor de situações, baseado no absurdo. Ri-se do inevitável, dos pequenos abusos considerados naturais. Pedem ao professor de filosofia que seja mágico num show, que conte histórias engraçadas a respeito de seu antecessor, que ensine Rousseau e Heidegger a uma senhora riquíssima e entediada. O texto está repleto de boas tiradas, a exemplo das fofocas enquanto os professores prestam homenagem ao falecido; ou da dificuldade do herói em simplesmente atender o celular, perdido em algum lugar da mala.
O texto se abre, inclusive, à capacidade de rir de uma esquerda intelectual, sem se voltar contra ela. Existe um riso afetuoso a respeito do professor que frequenta um banheiro não-binário, por confundi-lo com agênero ou “para todos os gêneros”, ou quando se mete em discussões envolvendo o lugar de fala, o discurso de ódio e a sororidade. Os autores estão atentos às pautas da contemporaneidade, e ridicularizam a hipocondria moral sem deslegitimar a luta de minorias.
Ao mesmo tempo, Naishtat e Alché jamais permitem que o quiproquó envolvendo a disputa entre dois professores se converta numa finalidade em si própria. Conforme duelam por visibilidade, afeto e poder (“O único lugar onde eu sou alguém é Puan”, admite Marcelo), revelam uma sociedade descrente em mudanças, cercada pela mídia sensacionalista e pela imposição de forças policiais. Não seria absurdo sugerir que Puan funciona como metáfora da Argentina pré-Milei, acolhendo a extrema-direita por desespero e revolta.
O longa-metragem também comprova a possibilidade de construir um humor baseado sobretudo na linguagem cinematográfica, em detrimento dos diálogos. Com exceção de uma ou outra piada exagerada (Marcelo sentado numa fralda cheia de cocô, sem percebê-lo), a maioria das sequências aposta no cinismo ou na ironia fina. A senhora rica, vestida de flores, se posiciona contra um papel de parede florido, que torna a cena, em si, cafona e ridícula. A sucessão de pedidos de selfies com a esposa e o rival se torna ainda mais engraçada por se focar no homem que não é convidado a participar das imagens.
Em contrapartida, Puan se limita pelo teor plácido, até demais, na construção de imagens. Surpreende descobrir a presença de Hélène Louvart como diretora de fotografia. Esta profissional pode se revelar profundamente maneirista quanto demandada (vide o trabalho em A Vida Invisível e Disco Boy), mas aqui, limita-se às imagens beges, aos dias nublados, aos personagens enquadrados em planos de conjunto de uma simplicidade profunda. Seria difícil citar uma única composição ousada ou marcante ao longo da sessão. Os diretores apostam no banal enquanto princípio e finalidade.
Ao final, a comédia dramática oferece uma conclusão excepcional, capaz de amarrar de maneira eficaz tanto a trajetória do protagonista quanto as pontas soltas até então. Marcelo Subiotto efetua uma excelente composição, minimalista e contida, preferindo os meios-sorrisos e as lágrimas represadas no olhar aos instantes de forte emoção. Até neste sentido, ele constitui o oposto de um Sbaraglia calibrado para o tom próximo do canastrão, propenso aos sorrisos exagerados e às falas excessivamente declamadas.
Alché e Naishtat compreendem a diversão decorrente das situações cotidianas, do embate entre egos, entre gerações. Satirizam o desejo e a impossibilidade de concretizá-lo, a figura do macho conquistador e o retrato da masculinidade ferida. Não precisam acrescentar piadas de texto, catástrofes externas, reviravoltas salvadoras. A conclusão será meio-amarga, em sintonia com o filme inteiro. Ela proporciona um respiro, embora não resolva de modo nenhum a crise do personagem de meia-idade, nem do país desestruturado. Para os cineastas, o otimismo não implica em ingenuidade.