O projeto deste filme nasce de uma relação de amor e ódio com as convenções heteronormativas, representadas por um ritual muito específico: as festas de quinze anos. Neste momento, meninas são vestidas como princesas e apresentadas pelos pais à sociedade. Estão prontas para ser cobiçadas pelos homens, enxergadas como futuras esposas e mães de seus filhos. O patriarca declara aos homens que esta jovem mulher pode passar às mãos de outra tutela masculina.
Há um caráter evidentemente agressivo e machista nestes códigos. Entretanto, o curta-metragem reconhece a simbologia doce na qual foi revestido para adquirir uma aparência de presente às mulheres. Ora, trata-se de um dia concebido apenas para ela, para reconhecer seu amadurecimento, sua autonomia. A oportunidade de ser presenteada e elogiada por todos. As cerimônias de debutantes carregam a aparência de esmero e proteção destinada às parceiras nas sociedades heteronormativas: a prisão dourada enquanto forma de afeto.
Por isso, te decoro, te visto, te mimo, para que seja sempre minha. Te dou proteção em troca de uma pequena redução na sua liberdade (“Mulher minha não sai sozinha”, “Mulher minha não se veste assim”, “Mulher minha…”). É preciso que ela pertença a alguém, nunca a si mesma. Aos olhos da protagonista Ravena (Layla Sah), estes eventos soam deliciosos. “Eu coleciono sonhos, romantismo”, ela explica, antes de explicar sua fascinação por vídeos de debutantes.
Para a protagonista, uma mulher travesti, a idealização da feminilidade e da aceitação familiar, ainda de maneira controladora, se justifica. Afinal, foi rejeitada pelos parentes, e negada em sua afirmação da feminilidade. Teve sua juventude feminina recusada, impossibilitada. Hoje, adulta, imagina a adolescência que nunca teve, e se concretiza nas gravações de terceiros. Algumas mulheres adultas guardam bonecas, dentes de leite, roupinhas de quando eram crianças. Ravena guarda os sonhos… dos outros.
Quinze Primaveras parte de um encontro curioso entre a construção fictícia e a aparência de documentário. Por um lado, dispõe sua protagonista numa cadeira, conversando diretamente com a câmera, tal qual os documentários tradicionais. Ela se encontra diante de um fundo preto infinito, e demonstra curiosidade pela presença da câmera em filmá-la. Em outras palavras, esta personagem fictícia, interpretada por uma atriz talentosa, atua no papel de uma mulher espontânea. A ficção busca se passar por um documentário.
Haveria formas mais transparentes (até o final, pelo menos, quando se revela o nome da atriz para quem ainda não conheça Layla Sah) de jogar com o público e aproveitar a aparência do real sem pretender se passar por ele. Aqui, o jogo de cena desperta questionamentos éticos e de verossimilhança: de quem são estes vídeos de adolescentes — algumas deslumbradas, outras incomodadas com as festas? Teriam sido consultadas? Consentiram com o uso da imagem? Foram filmadas de maneira fictícia também, para reproduzirem a aparência de uma captação em vídeo, típica dos anos 1990?
O cineasta Leão Neto gosta desta forma de provocação, preferindo manter questões metodológicas na imaginação do espectador. Enquanto se questiona a natureza da feitura (o real insiste em se intrometer na fantasia), Ravena conquista pela fala doce, as piadas, a consciência de sua contradição. A mulher possui carinho e raiva pelos vídeos. Ama e odeia sua coleção. Deseja e repudia a feminilidade padronizada e precoce. Trata-se da autoconsciência disponível apenas às personagens roteirizadas, como esta, ou a uma eventual figura verídica de impressionante senso de autocrítica.
O resultado cativa sobretudo pelo encontro entre duas formas de ser mulher, vistas como opostas, porém igualmente “artificiais” — no sentido de construídas, fomentadas ou consentidas pelo olhar de terceiros. Ravena é uma mulher, possui uma identidade feminina, embora invisibilizada socialmente.
Ora, as garotas dos vídeos são obrigadas a se encaixarem numa versão castradora do gênero, com a qual tampouco demonstram muita afinidade. Forçam-se determinadas mulheres, marginalizam as demais. Nenhuma delas recebe a oportunidade de se construir sozinha. Resultam na incorporação de planos dos outros, por aceitação ou exclusão — sendo este outro uma figura masculina e legitimadora do poder.
O curta-metragem demonstra plena consciência de seu tamanho e suas possibilidades criativas, fugindo tanto à montagem aleatória de algumas produções experimentais quanto à impressão de um mini longa-metragem que serviria ao portfólio do seu criador. Enquanto formato de produção, transparece uma lucidez louvável de seu alcance — uma autoconsciência que divide, novamente, com a protagonista. Leão e Ravena sonham, mas sabem que sonham, e criticam o próprio sonho.