Minions 2: A Origem de Gru (2022)

Os empregados e o patrão

título original (ano)
Minions 2: The Rise of Gru
país
EUA
Gênero
Animação, Fantasia, Infantil, Comédia
duração
87 minutos
direção
Kyle Balda
elenco original
Steve Carrell, Pierre Coffin, Alan Arkin, Taraji P. Henson, Michelle Yeoh, Julie Andrews, Russell Brand, Jean-Claude van Damme, Dolph Lundgren, Will Arnett, Danny Trejo, Jimmy O. Yang
Dubladores brasileiros
Leandro Hassum, Marize Motta, Sarito Rodrigues, Hércules Franco, Milton Parisi, Gesteira, Bruno Rocha, Márcia Coutinho, Mauro Ramos, Telma da Costa
visto em
Cinemas

O senso comum e parte da crítica de cinema propagam, ainda hoje, a ideia de que um bom filme infantil precisa ter: 1. Cores fortes; 2. Muita correria para não entediar as crianças; 3. Algum ensinamento de valores ao final. Julgando por estes preceitos, Minions 2: A Origem de Gru seria uma obra-prima da sétima arte, um modelo ideal de boa produção aos pequenos. Afinal, ele segue quase à risca o pressuposto de histrionismo, compreendido como dinâmica de cena.

A trama se inicia com uma perseguição pelas ruas da cidade. Carros e motocicletas vêm em direção à imagem (e, portanto, ao espectador), a trilha sonora capricha no teor de aventura, os ruídos despertam a impressão de esforço intenso de uma vilã fugindo da polícia. O diretor Kyle Balda parte do pressuposto clássico que agitação provoca atenção, como se o cinema chacoalhasse algum brinquedo brilhante diante das crianças. “Olhe para cá”, solicita a imagem a todo instante.

Em paralelo, o roteiro segue a estrutura de mini cenas independentes, semelhantes a esquetes autônomas, prevendo um público com dificuldade de concentração por períodos extensos. Há uma cena com um motoqueiro, que depois desaparece da trama. A viagem à Ásia, num local não especificado, tampouco surte qualquer efeito posterior. Os protagonistas fazem um passeio turístico por vários países de modo quase aleatório, pela diversão de fazê-lo. Decidem ir para São Francisco abruptamente, para que o filme possa vesti-los de hippies.

Os minions seguem na posição estranha de coadjuvantes de sua própria trama. Como atesta o subtítulo, a comédia ainda depende de Gru para se desenvolver, enquanto os ajudantes amarelos, sempre fiéis e prestativos, limitam-se a átomos ao redor deste núcleo. Uma vez afastados do chefe, tornam-se uma massa indistinta. Além da comunicação simplificada (a linguagem de sílabas infantilizadas, misturando espanhol, francês, inglês e alemão), são desprovidos de personalidades distintas ou objetivos particulares. Os vários minions, no fundo, resumem-se a um só.

Os minions seguem na posição estranha de coadjuvantes de sua própria trama. Como atesta o subtítulo, a comédia ainda depende de Gru para se desenvolver.

Isso não impede os roteiristas de imaginarem uma jornada envolvendo os poderes mágicos de um amuleto oriental, um objeto valioso e a briga interna entre vilões por status e pertencimento. É curioso que estes sujeitos malvados nunca sejam maus de fato: eles jamais promovem qualquer ação danosa e irreversível a pessoas indefesas, contentando-se com provocações singelas e roubos de joias que não pertenciam a ninguém. Até mesmo a propriedade privada é poupada dos gestos nocivos dos anti-heróis.

Na verdade, estas produções familiares partem do pressuposto que um vilão nada mais é do que um sujeito órfão, rejeitado socialmente, em busca de aceitação social. As atitudes perversas se resumem a sintomas de um trauma não-elaborado pelas vítimas. Cruella, Malévola e os filhos de vilões em Descendentes carregam o sentimento de incompletude. Este princípio desperta interesse por associar a delinquência à desigualdade e à luta de classes, embora atenue a complexidade psicológica das mesmas. A cartilha Disney sempre resumiu a complexidade psíquica de seus heróis à orfandade.

No entanto, Minions 2 faz parte da Illumination Studios, um criador de ambições artísticas mais modestas, visando um público ainda menor e menos exigente do que aquele das produções da Pixar. O humor desta sequência privilegia sequências de flatulência, um sujeito com cheiro de repolho, duas ou três imagens com as bundas dos minions. A nudez é ridicularizada, o corpo já se reveste de pudores. A graça provém da sensação de inadequação: rimos do fato que uma mulher baixa e corpulenta seja uma mestre do kung-fu, ou que os atrapalhados seres amarelos possam partir em defesa do amado Gru, sequestrado por um vilão ainda mais poderoso. Rimos do fato que minorias possam comandar a ação e demonstrar força.

A dublagem brasileira, apesar de muito competente, perde as escolhas de elenco interessantes por si próprias. No original, Jean-Claude van Damme, Dolph Lundgren e Danny Trejo ridicularizam os personagens de ação, enquanto Michelle Yeoh satiriza o imaginário das lutas orientais, e Taraji P. Henson parodia pela enésima vez a mulher negra, forte e briguenta. O grau de autoparódia se perde na versão nacionalizada, que pelo menos respeita a premissa de colocar artistas negros para dar a voz a personagens negros. 

Os melhores momentos da produção decorrem da institucionalização do crime. É claro que roubos e organizações mafiosas organizam-se sob sigilo, no entanto, o roteiro imagina a contratação de vilões por meio de entrevistas de emprego, anúncios em jornal, além de um quartel-general intitulado Criminal Records, cujo letreiro luminoso se enxerga à distância. Eles depositam o dinheiro dos crimes, vejam só, no Banco do Mal. Apesar de, no fundo, serem grandes bondosos em busca de autoafirmação e reconhecimento, eles permitem imaginar uma curiosa ilegalidade legalizada. 

Em contrapartida, o filme investe numa enésima representação estereotipada da cultura chinesa. A narrativa aglutina o treinamento improvável de Kung Fu Panda (2008) com a transformação involuntária em animais de Red: Crescer É uma Fera (2022), investindo na percepção de um orientalismo festivo e folclórico. A China é substituída por uma grande Chinatown com dragões reais e imaginários voando pelos ares, enquanto a cultura se reduz a comidas e lutas. Sob a forma de homenagem, os Estados Unidos reduzem e caricaturam a cultura alheia. No entanto, o motivo desta inclusão se justifica: o projeto, a exemplo de dezenas de obras americanas recentes, visa ampliar as bilheterias no gigantesco mercado chinês.

Mas isso importará pouco a quem buscar mero escapismo, um tanto previsível em sua origem. Alguém acreditava que Gru, ou os minions, correriam risco real de morte? Ou então que os ajudantes se virariam contra o chefe, seguiriam outros vilões, ou se tornariam os líderes de seu próprio movimento? Claro que não. As aventuras barulhentas e coloridas da Illumination Studios giram, pulam e correm para então se acalmarem e terminarem exatamente onde começaram. 

Caso alguém ainda não tenha compreendido, Gru verbaliza o ensinamento final: “Você me ensinou o que importa: não dá para fazer nada sozinho. Encontre a sua tribo”, ignorando a relação hierárquica e o comportamento abusivo de Gru com seus ajudantes. Supor que façam parte da mesma tribo seria tão ingênuo quanto acreditar que patroas e empregadas domésticas possam ser melhores amigas, em igual situação de poder e de classe. Ora, o significado mais potente dos minions ainda se refere à política brasileira, onde sujeitos vestidos de amarelo se dedicam a vangloriar um vilão atrapalhado e desqualificado, pouco importando os atos nocivos que este homem venha a praticar. A idolatria se converte em profissão de fé.

Minions 2: A Origem de Gru (2022)
4
Nota 4/10

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