O Paciente (2022)

Dois homens partidos

título original (ano)
The Patient (2022)
país
EUA
gênero
Drama, Suspense
duração
10 x 30 minutos
direção
Chris Long, Kevin Bray, Gwyneth Horder-Payton
elenco
Steve Carell, Domhnall Gleeson, Laura Niemi, Andrew Leeds, Linda Emond, Amy Handelman, Alex Rich, Renata Friedman, David Alan Grier, Emily Davis, Josh Covitt, Michael Dempsey, Lance Guest
visto em
Star+

Certo dia, um psicólogo é sequestrado pelo paciente. O terapeuta acorda no porão de uma casa, preso a uma corrente, e obrigado a manter as sessões com o jovem que deseja toda a atenção toda para si. O motivo: o sequestrador possui uma compulsão incontrolável por matar, e busca a todo preço se conter para não praticar um novo assassinato. Assustado, o sujeito encarcerado precisa evitar outras mortes enquanto sobrevive no cárcere e utiliza sua inteligência para se libertar.

Julgando pela sinopse, O Paciente se prestaria a um intenso suspense de ação, um thriller policial sangrento, com o psicoterapeuta Alan Strauss (Steve Carell) utilizando uma malícia impressionante para virar a mesa contra Sam Fortner (Domhnall Gleeson). Podemos pensar na fuga espetacular de Rua Cloverfield, 10 (2016), nos planos de luta e revanche em Fragmentado (2016), na malícia e na perversidade de um cativeiro tecnológico em Ex_Machina: Instinto Artificial (2014, também estrelado por Gleeson), na relação de amor e ódio com o prisioneiro em Louca Obsessão (1990), além de em dezenas de tramas semelhantes, que colocam a inteligência da presa contra a brutalidade do agressor, sempre pendendo em favor da vítima.

Ora, a principal surpresa diante da série da FX (exibida no Brasil pela plataforma Star+) consiste no desinteresse pelo espetáculo. Os criadores Joel Fields e Joseph Weisberg evitam a todo preço reforçar as dificuldades, exacerbar a esperteza de um ou a monstruosidade do outro. Saem de cena os instantes de quase-fuga, sabotados no último minuto; as lutas brutais com o carcereiro descobrindo, atônito, que sua presa ainda possui a intenção de se libertar apesar da “amizade” forjada entre ambos; a chegada inesperada do vizinho ou de um policial patrulheiro a quem se grita por ajuda, sem sucesso; e inúmeras outras passagens obrigatórias do subgênero. 

O projeto não pretende fazer seu espectador saltar da cadeira, pelo contrário. Ele privilegia o drama ao suspense, e o espelhamento entre os dois homens à oposição entre eles. Conforme segue com a terapia forçada, Alan reavalia sua própria vida. Tendo perdido recentemente a esposa, reflete a respeito do distanciamento com o filho, tornado um judeu ortodoxo, de sua relação com a religião e do alcance da prática clínica. Ele é o verdadeiro protagonista da jornada, que domina o ponto de vista, e luta menos para fugir do que para acreditar na própria capacidade de revidar contra seu agressor.

O projeto estima que, quanto mais discretas forem as conquistas de cada um, mais humano será o resultado. Os assassinatos em série nunca foram tão singelos e minimalistas.

A direção aplica entre eles uma dinâmica de extremos que se atraem rumo a um meio-termo atenuado. Alan é calmo, sensato, racional. Possui a fala doce, as palavras bem escolhidas, e visa entender o lado do outro, de maneira quase excessivamente profissional (mesmo com membros da família). Sam, por sua vez, representa a pulsão desenfreada, descontrolada, entre o infantil e o violento. Ele nunca se converte no serial killer malvado, pelo contrário, manifesta culpa por cada ação, e tenta agradar ao terapeuta, seguindo seus conselhos. É claro que, para os dois homens com problemas paternos, a convivência forçada reproduz uma relação simbólica de pai e filho.

O confronto entre a dupla central é bem explorado em diálogos, e nos conflitos sutis, que raramente se transformam em reviravoltas propriamente ditas. Os dois atores demonstram controle de seus personagens, atenuando os exageros típicos de cada persona (o matador, a vítima desesperada) e comprovando o lado humano, terno, que pode surgir de uma premissa de agressão. É interessante que o roteiro permita a Alan realizar o trabalho de luto enquanto se encontra preso, graças à proximidade com a morte (de si próprio, e das vítimas ao redor). 

Há muitos pacientes nesta série: Sam, é claro, mas também o próprio Alan, quando começa a ter sessões imaginárias com o antigo analista, já morto; Candace Fortner (Linda Emond), mãe de Sam, que nunca superou a agressão pelo marido, e escuta com atenção as palavras do analista; e mesmo outros personagens inesperados que adentram a casa e têm suas dores ouvidas. Somos todos pessoas partidas, fazendo o melhor que podemos, e carregando nossos traumas familiares pelo resto da vida adulta, sugere o protagonista, numa proposta refletida pela galeria inteira de personagens.

Entretanto, a ideia de dos sujeitos conversando no mesmo porão, dia após dia, soa redutora demais para uma minissérie em dez capítulos. O que os diretores poderiam trazer para inserir alguma dinâmica às interações? Em primeiro lugar, o espaço se expande. Começamos apenas no porão (amplo, claro, com muitas janelas e portas), quando a câmera se mantém presa, de maneira claustrofóbica, ao corpo acorrentado. Em seguida, mostram-sem outros cômodos da casa, as ruas da vizinhança, o trabalho de Sam, a vida de Alan em flashback. Pela realidade ou pelos devaneios, a imagem encontra maneiras de escapar do cativeiro, muito antes do profissional sequestrado.

Em seguida, multiplicam-se os personagens. Partindo da dupla central, introduz-se a mãe de Sam, sua ex-esposa, os desafetos, os patrões e os colegas de trabalho, enquanto Alan ganha uma versão detalhada de cada membro da família. Até a busca pelo pai desaparecido recebe espaço na trama, contanto que detetives jamais sejam envolvidos, e que se descarte qualquer possibilidade de investigação — esta nunca se torna uma série policial. Aos poucos, a questão será menos como a vítima sairá do porão do que quando: a libertação soa inevitável para o homem que luta com armas do intelecto e do afeto, ao invés de socos e chutes.

Estes recursos poderiam ser ampliados caso os diretores demonstrassem maior domínio da mise en scène em espaços fechados. Chris Long, Kevin Bray e Gwyneth Horder-Payton repetem inúmeros enquadramentos, pontos de vista e maneiras de filmar o paciente e o terapeuta olhando-se, frente a frente, sentados. A montagem alterna entre planos próximos e abertos; entre imagens de profundidade infinita e outras com fundo desfocado, quase a esmo, sem real distinção semântica provocada por estas escolhas. O foco na cama e na poltrona impede que se explore as paredes, as portas, as imagens e sons vindos da escada. Horder-Payton realiza os melhores episódios da temporada, entretanto, de modo geral, a direção soa burocrática.

O Paciente sustenta a impressão de uma narrativa literalmente marrom-bege-cinzenta, com poucas metáforas, simbologias ou cenas de grande potência para se destacarem da linearidade da trama. Os objetos são os mesmos, assim como as roupas, os olhares, os tipos de interação. Recentemente, os filmes de terror têm criado verdadeiros quebra-cabeças no subsolo das casas (vide O Telefone Preto e Noites Brutais), mas aqui o porão será apenas o porão, e a cama, apenas uma cama. Nada se reinventa, se transforma, se desenvolve. O trabalho de passagem de tempo é inexpressivo (quantos dias Alan permanece preso?), enquanto se valoriza pouco a geografia da casa e das redondezas.

Ao menos, restará a coragem de oferecer um final anticlimático, diferente de tudo aquilo que se esperaria em termos de recompensa emocional. Os autores ousam frustrar expectativas numa conclusão verossímil, porém amarga. O projeto se revela uma série de psicopatas tristes e terapeutas melancólicos. Compreende-se um audiovisual “adulto” pela recusa do espetáculo fácil, da tensão acessória. Trata-se apenas de dois homens deprimidos, fazendo o que podem diante de sua culpa e sua inabilidade social — e às vezes, eles conseguem fazer muito pouco. Estima-se que, quanto mais discretas forem as conquistas de cada um, mais humano será o resultado. Assassinatos em série nunca foram tão singelos e minimalistas quanto estes aqui.

O Paciente (2022)
6
Nota 6/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.