Setembro 5 (2024)

O terrorista era árabe

título original (ano)
September 5 (2024)
país
Alemanha, EUA
gênero
Suspense, Drama, Histórico
duração
95 minutos
direção
Tim Fehlbaum
elenco
John Magaro, Peter Sarsgaard, Leonie Benesch, Ben Chaplin, Zinedine Soualem, Georgina Rich, Corey Johnson, Marcus Rutherford, Benjamin Walker
visto em
Cinemas

O lançamento deste longa-metragem nos cinemas constitui, em primeiro lugar, um gesto simbólico. Enquanto se desenvolvem os conflitos em Gaza, quando Israel comete inúmeros crimes de guerra contra palestinos, o projeto resgata um episódio marcante da história recente, quando terroristas árabes assassinaram atletas de Israel nos Jogos Olímpicos de 1972. Os fatos já foram tratados com a pompa de um grande blockbuster em Munique (2005), de Steven Spielberg, e retornam pelo ponto de vista de um cineasta suíço e seu roteirista alemão.

Portanto, não se espanta que diversos críticos e espectadores tenham enxergado Setembro 5 enquanto esforço para reposicionar Israel enquanto vítima do embate contemporâneo, ao invés de um Estado agressor. Ninguém duvida que, naquele instante específico, os civis israelenses foram alvo de um ato de terror que visava liberar prisioneiros palestinos. Ora, os tempos são outros, e as circunstâncias mudaram radicalmente no século XXI. Embora o Hamas tenha colocado em prática inúmeros atos de violência contra o povo israelense, na conta final, os principais alvos atuais são os civis palestinos — com destaque para crianças, mulheres, etc.

Por este aspecto inicial, a obra já deixa um gosto amargo, como se tentasse disfarçar o aspecto de peça de propaganda sionista. Mesmo assim, outros fatores dificultam a tarefa do espectador em abraçar a abordagem humana e política do diretor Tim Fehlbaum. Um dos principais elementos consiste na abordagem estética que tem dominado o cinema hollywoodiano, a respeito do mundo supostamente empolgante e frenético do jornalismo investigativo. Aaron Sorkin se tornou o principal expoente de uma linguagem trepidante, ultra fragmentada, que os votantes da Academia adoram identificar como “melhor montagem”. 

O timing da produção, o conceito estético e o ponto de vista já apontavam para óbvios questionamentos morais e políticos, que vão muito além da habilidade dos atores e demais profissionais envolvidos.

Isso se traduz numa câmera na mão, nervosa, que faz pequenos zoom-ins e zoom-outs em cada expressão angustiada, cada objeto colocado na mesa, cada ator coadjuvante que entra e sai dos cômodos. Por esta perspectiva, as pessoas falam muito, umas por cima das outras, em tom de ameaça. Dão ordens enquanto correm pelos corredores; exigem informações e medidas urgentes de algum funcionário; e atendem ligações telefônicas ininterruptas com grandes chefes, policiais ameaçadores, líderes perigosos. Ainda precisam enfrentar a concorrência de outras emissoras e trabalhar noite adentro — nenhum destes personagens possui vida social e afetiva.

Trata-se de um jornalismo filtrado pelo prisma do cinema de ação — algo que filmes e séries como The Newsroom, Spotlight: Segredos Revelados, Ela Disse e tantos outros ajudaram a consolidar. Os produtores e criadores estimam que, para tornar tantas conversas em escritórios interessantes ao espectador, é preciso multiplicar os pontos de vista, elevar o nível dos enfrentamentos, alternar entre focos simultâneos, além de chacoalhar a imagem sempre que possível — mesmo que seus personagens estejam devidamente parados atrás de uma mesa.

Por isso, antes mesmo de os terroristas invadirem a cidade olímpica e se instaurar a tensão de fato, a câmera já nos avisa, por meio do trabalho de fotografia, montagem e trilha sonora de suspense, que as coisas terminarão mal. Posto que a novidade deste filme, em relação a Munique, consiste no ponto de vista dos jornalistas da ABC, existe a necessidade de retratar aquele momento enquanto proeza inédita por parte dos repórteres. No final, os letreiros comemoram: “Esta é a primeira vez em que um ato terrorista foi transmitido na TV ao vivo”, como se o caráter inusitado (percebido enquanto ousadia, senso de iniciativa) fosse mais importante do que as vidas humanas perdidas no caso. O verdadeiro legado de 1972 seria, então, este posicionamento “corajoso” dos jornalistas? A leitura do filme enquanto peça de propaganda da ABC representa mais um motivo para recebê-lo com reticências.

Apesar dos pesares, Fehlbaum sabe como trabalhar as ferramentas estéticas deste jornalismo em curto-circuito. Dentro da linguagem proposta, ele desempenha um belo trabalho na direção de atores, na cadência veloz, nesta sensação estranha de enxergar a tudo e a todos, o tempo inteiro, sem compreender de fato o que está ocorrendo. Nunca vimos tanto, e nunca entendemos tão pouco. Esta sensação se agrava pelo fato de o olhar continuar preso à sala de transmissão da emissora, evitando se deslocar ao prédio onde ocorreram as intimidações dos terroristas. 

Assim, diz-se que uma pessoa foi morta; sugere-se que os adversários possam fugir rumo ao aeroporto, visando a escapatória pelo Egito; especula-se que os reféns tenham sido liberados. No entanto, nunca acompanhamos a representação destes fatos diante de nossos olhos, apenas um grupo de pessoas em salas escuras e sem janelas, ansiosas quanto à melhor maneira de responder, em termos jornalísticos, ao que está acontecendo. Discussões éticas propostas pelo roteiro despertam interesse: a cobertura estaria atrapalhando o papel da polícia; estaria atribuindo um viés sensacionalista ao sofrimento alheio? Entretanto, estes temas não serão devidamente aprofundados a seguir.

O elenco se mostra bastante coeso — característica fundamental em um filme coral, com vários protagonistas. Ninguém se sobressai positiva ou negativamente. O diretor certamente sabe como calibrar o elenco, ainda que alguns personagens sejam utilizados enquanto meas culpas de suas culturas e origens. A tradutora alemã (Leonie Benesch) insiste na vergonha e arrependimento de seus conterrâneos pelo Holocausto; e o técnico francês de origem argelina (Zinedine Soualem) serve sobretudo ao discurso simplista e pseudo-conciliador de que “nem todo árabe é terrorista”. Deste modo, os criadores estimam se blindar contra críticas pelo posicionamento político e o ponto de vista norte-americano.

Resta uma obra competente naquilo que se propõe, ainda que os problemas decorram exatamente desta proposta inicial. Em outras palavras, o timing da produção, o conceito estético e o ponto de vista já apontavam para óbvios questionamentos morais e políticos, que vão muito além da habilidade dos atores, fotógrafos, montadores, diretores de arte e demais profissionais envolvidos. Sem nomes populares à frente do elenco (o que não diminui em nada o valor do belo trabalho de John Magaro e Peter Sarsgaard, é claro), Setembro 5 dificilmente se tornará uma empreitada memorável no cinema recente, para além do acolhimento modesto na temporada de premiações.

Setembro 5 (2024)
5
Nota 5/10

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