Subject (2022)

As más pesquisadoras

título original (ano)
Subject (2022)
país
EUA
linguagem
Documentário
duração
93 minutos
direção
Jennifer Teixeira, Camilla Hall
visto em
Festival É Tudo Verdade 2023

É muito interessante que Subject se articule como um projeto de pesquisa audiovisual, além de obra de arte autônoma. As diretoras Camilla Hall e Jennifer Tiexiera partem da hipótese que os documentários exercem uma influência profunda nas pessoas retratadas, investigando se o impacto seria positivo ou negativo. A tese se articula de maneira ampla, visando todo o tipo de documentário, de todas as épocas, efetuado em qualquer parte do mundo. Parte-se deste princípio tão singelo quanto grandiloquente: documentários transformam a vida de seus “sujeitos”, conforme cita o título.

No entanto, visto pela estrutura acadêmica que o longa-metragem procura ter, ele se revela uma pesquisa bastante problemática em termos de metodologia, foco, objetivos e corpo de obras escolhidas. Em primeiro lugar, a obra começa explicando ao espectador o que seria um documentário, quais seriam seus objetivos e sua linguagem. Em outras palavras, mira-se num espectador sem a mínima familiaridade com esta forma de audiovisual. A escolha soa contraproducente: por que pessoas com interesse nulo em documentários assistiriam a um documentário sobre documentários?

Em seguida, a introdução lança teses fortes, porém difíceis de provar. Documentários exerceriam um “efeito concreto no mundo”, no sentido de alertar espectadores a respeito de problemas e, assim, transformar sociedades. Eles teriam um forte “potencial emocional”, superando aquele da ficção, por se aproximar mais do real. “É isso que os documentários fazem: contam histórias que inspiram os outros”, afirma uma das falas. O efeito também seria de ordem moral. Além disso, no século XXI, esta linguagem teria vivenciado um verdadeiro boom de bilheteria, por motivos que as criadoras não sabem explicar, e nem se esforçam para elucidar. 

Não há base para sustentar nenhuma das afirmativas levantadas pelas autoras. […] Mesmo a aproximação com os protagonistas de documentários populares se revela problemática.

Utiliza-se a bilheteria de três grandes sucessos (incluindo A Marcha dos Pinguins e Tiros em Columbine) para sustenta a ideia de que documentários teriam se tornado extremamente populares, com rendas excepcionais. Ora, nenhuma dessas informações pode ser provada, ou sequer argumentada, sem o suporte de materiais, dados, números, estatísticas. Subject articula-se inteiramente num perigoso “achismo”, típico da época de redes sociais, quando impressões pessoais se transformam em fatos, sem a pesquisa necessária para validá-las. 

Como provar o impacto dos documentários no mundo? Sua capacidade de fazer sociedades evoluírem? É possível citar dois, três casos locais em que mudanças foram percebidas. Mas o que dizer de centenas de casos em que nenhuma transformação significativa aconteceu? Como dissociar a influência de um filme de outros fatores, como as políticas locais? Não há base para sustentar nenhuma das afirmativas levantadas pelas autoras do filme, que seguem lançando novas hipóteses: os documentários ajudariam a aprimorar o sistema judicial ao apontar falhas; reforçariam a autoestima dos participantes, etc.

Em paralelo, falta foco à seleção de filmes. Conforme os entrevistados, num formato tradicional e pouco inspirado de talking heads, discutem documentários em geral, a montagem apela a uma sequência aleatória de títulos. Desfilam imagens de quaisquer obras documentais, sem critério de nenhuma espécie: filmes recentes e antigos, americanos e europeus, sobre crimes ou histórias de amor, famílias, guerras ou pinguins. As cineastas decidem que Sundance seria a meca mundial dos documentários, ignorando festivais exclusivos a esta linguagem, como o IDFA, por exemplo. 

No que diz respeito aos subtemas, levantam-se questionamentos fundamentais: os entrevistados deveriam ser pagos, assim como atores de ficções? O termo “sujeito” se sustentaria eticamente? Os diretores podem ser considerados responsáveis pelos efeitos de seus filmes na vida dos indivíduos retratados? Por este motivo, toma-se a precaução justificável de não entrevistar os diretores das dezenas de filmes citados — considerando que, ao fazerem os filmes, já se expressaram através de sua arte. Falam apenas as pessoas retratadas, especialistas em documentários e diretores de filmes não mencionados.

Mesmo neste caso, a aproximação com os protagonistas de documentários populares se revela um tanto problemática. A obra se inicia com Margaret Ratfliff, filha de Michael Peterson, preso por ter supostamente assassinado a esposa, empurrando-a escada abaixo. O caso foi tema de The Staircase, e em seguida, de uma ficção homônima da HBO. Ela se diz traumatizada, no entanto, as diretoras pedem que reveja cenas do documentário de Jean-Xavier de Lestrade, que provocam novos choros em Ratliff. Se a abordagem era considerada abusiva antes, qual seria a lógica de repetir a exploração emocional em pessoas obviamente traumatizadas?

As autoras e a montagem preferem os filmes sobre crimes, que rendem falas mais polêmicas. The Staircase e Na Captura dos Friedmans se tornam prioritários em relação a histórias familiares comuns, por exemplo. Nos filmes menos “espetaculares”, as pessoas apenas afirmam que sim, as filmagens foram muito importantes em suas vidas. Então, a narrativa se dá por satisfeita e abandona a casa, para entrevistar outra pessoa, afirmando que em seu caso, igualmente, o impacto foi grande. E assim por diante. Não se extrai nenhuma informação relevante destes reencontros, para além da obviedade de os documentários terem exercido alguma forma, genérica, de consequência em suas trajetórias pessoais.

Assim, há pessoas que adoraram os projetos sobre suas vidas (caso da mãe de Os Irmãos Lobo), e outras que desaprovaram a sua imagem (caso dos familiares em Na Captura dos Friedmans). Alguns descobriram a paixão pelo cinema a partir da experiência, outros se inspiraram para investir na carreira do esporte. Alguns acreditam que entrevistados deveriam ser pagos, e outros defendem o contrário. Tudo se equivale. Adotando a postura de um jornalista iniciante, o ponto de vista observa ambos os lados, mas se priva de tirar uma conclusão, encontrar um denominador comum, ou afirmar seu próprio posicionamento após tantas interpretações distintas.

Subject é um projeto com tese e antítese, mas sem conclusão. Ele escuta pessoas sem saber ao certo o que pretende extrair destas conversas, nem como conduzi-las — razão pela qual os entrevistados se limitam a relembrar o fato de terem estado num filme. Por este motivo, os últimos trinta minutos se assemelham a um longuíssimo desfecho, adotando o estilo e trilha sonora típicos de uma conclusão, quando diversas ideias são jogadas às pressas, substituindo um apontamento real a partir destes encontros. O que Hall e Tiexiera extraíram a partir das entrevistas? Não sabemos.

É claro que a projeto poderia ser lido por outros ângulos, para além daquele da pesquisa. Entretanto, o filme condiciona o espectador para esta interpretação. Ele deseja ser considerado como uma peça de estudo metalinguística — o que provavelmente motivou sua escolha para a abertura do Festival É Tudo Verdade. Todos os questionamentos levantados ao longo da trama são pertinentes, cabendo deplorar apenas a abordagem ingênua e exploradora, no quesito sentimental (o choro constitui a primeira imagem do filme). Caso fosse, de fato, uma pesquisa acadêmica, seria reprovado no exame de qualificação.

Subject (2022)
2
Nota 2/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.