Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados possui a aparência de um filme de férias. As imagens aproveitam a luz do sol no campo, sugerindo dias sempre quentes, com cores vivas e fortes. As belas paisagens se estendem a perder de vista, e a protagonista Maria (Marlene Burow) tem poucas ou nenhum tarefa a efetuar ao longo de seus dias morosos. A textura da película sugere volume, um mundo palpável, realista. Na cena inicial, a garota é vista empapada de suor na sua cama enquanto lê um romance — mas o líquido ao redor dos olhos não poderia corresponder a lágrimas?
De certa maneira, existe um aspecto de Madame Bovary nesta heroína trágica. Acolhida como filha pela família do namorado, ela para de ir à escola, e desiste de acompanhar o rapaz em suas viagens. Prefere passar o dia devorando histórias de amor, lânguida, na cama. À noite, faz sexo com seu querido Johannes (Cedric Eich), um sujeito bom, mas um tanto inofensivo e previsível. Assim como Bovary, o desejo pelo romanesco a leva ao envolvimento proibido com sujeitos agressivos, mais velhos, de reputação questionável. O Rodolphe de Flaubert chama-se aqui Henner (Felix Kramer).
A partir do livro homônimo de Daniela Krien, a diretora Emily Atef concebe uma mulher enigmática, que se deixa levar pelas circunstâncias, de maneira espontânea. Apesar de introvertida, e de poucas palavras, ela embarca na provocação do vizinho, 23 anos mais velho do que ela. Depois de um episódio de assédio, decide testar até onde o homem estaria disposto a ir. O caso lhe fornece a excitação e o senso de risco que jamais encontraria na casa aconchegante e tediosa do namorado. Entre levar uma vida em banho-maria e se arriscar a perder tudo numa história intensa, embarca na segunda opção.
O longa-metragem carrega os vícios e virtudes típicos das adaptações literárias. Por um lado, dedica tempo considerável a construir a personalidade da mulher, evitando julgá-la moralmente por seus afetos e atitudes. Pelo menos uma dezena de figuras ao redor (a mãe no vilarejo vizinho, a mãe de Johannes, o avô atento, a avó conservadora) ganham momentos para desenvolver seu ponto de vista político e social. Pode-se comemorar uma galeria tão complexa de coadjuvantes, que não se limitam a orbitar em torno de Maria — cada um possui seus conflitos próprios.
Um Dia Nossos Segredos Serão Revelados é uma cilada, um destes filmes que caminha com confiança pela linha tênue entre o respeitável e o ridículo.
Por outro lado, a narrativa se arrasta consideravelmente, e diversos instantes soam incorporados apenas para representar passagens do romance, embora soem acessórios e superficiais no filme (a viagem da avó à Alemanha recém-unificada, a chegada mal explicada do filho distante). O jogo de atração e repulsa entre Maria e Henner se materializa em pelo menos seis encontros diferentes, todos eles culminando no casal arrancando as roupas e fazendo sexo bruto na mesma cama, através dos mesmos movimentos e ângulos. Ainda que o jogo de poder se inverta múltiplas vezes entre ele e ela, a representação imagética se repete. A montagem seria beneficiada com uma abordagem mais enxuta.
Nas cenas de sexo, Atef e o diretor de som Kai Tebbel optam por aumentar a intensidade dos ruídos e gemidos. Assim, o dedo deslizando sobre o vestido provoca um barulho altíssimo, e as constantes tomadas de posição brutais de Henner (que agarra a menina, vira-a de costas de modo abrupto, arranca as calcinhas antes de penetrá-la) sustenta a construção sonora de uma violência alarmante. Em outras palavras, existe um clima profundamente solene nesta história de amores profundos e infinitos, como se fazia antigamente. “Eu quase morri!”, reclama a garota, tendo passado alguns poucos dias longe do amor de sua vida.
Talvez os nossos tempos cínicos não permitam mais tamanha romantização, nem a crença séria no amor de perdição. De qualquer modo, na sala de cinema do Festival de Berlim, dezenas de críticos — sobretudo os alemães — riam de maneira jocosa, ridicularizando as cenas e os gestos suaves, poéticos (um lencinho umedecido que ele oferece à amada, para limpar o sangue da menstruação pós-coito). A sensibilidade contemporânea pediria alguma espécie de distanciamento através do humor, do absurdo, do horror. Ora, Atef adere a esta aventura com um torpor saudosista, evitando qualquer forma de renovação.
Esta fé cênica na profundidade do romance provoca as maiores qualidades e defeitos da trama. É louvável encontrar uma cineasta que acredite tanto nesta abordagem que fuja às modernizações, ao enxugamento da trama longa, à introdução de elementos de conflito que não venham de Maria, Johannes ou Henner. Cada vez que o marido pronuncia algo como “Nossa, você demorou bastante na casa da sua mãe!”, o espectador ciente do relacionamento escondido cai na risada. Ora, nada na direção permite enxergar a cena com qualquer postura diferente do respeito.
A cineasta dirige a jovem Marlene Burow de modo a obter um corpo disponível e um olhar desafetado, tal qual uma tela em branco onde o espectador pode projetar o sentimento que lhe convier. “Faça de mim o que quiser”, avisa a menina no enésimo encontro com o amante. O rosto está impassível. Ela não se contorce de prazer, não chora, não se desespera. Em geral, percorre as planícies gramadas com os mesmos vestidos, o cabelo preso em tranças, o olhar de menina. Assim, não se torna vítima nem mártir — ainda que o espectador afeito ao bovarismo consiga antever o prenúncio da morte. Que não seja imortal, posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure…
Por sua vez, Felix Kramer se esforça para compor com seriedade este homem desafiador, a um passo da caricatura. O sujeito fanático por literatura, apreciados de citações extraídas de romances clássicos, também é bruto, violento, habitando uma casa imunda e velha. A direção de fotografia adora captar as unhas longas e repletas de terra do homem que joga Maria com força contra a cama e diz: “Lembre-se: eu sou assim”. Novas risadas do público pela sala. E o que dizer de Cedric Eich, encarregado do jovem traído gentil, ou seja, o Charles Bovary da trama?
Não há alternativas muito fáceis aqui. Someday We’ll Tell Each Other Everything (título internacional) é uma cilada, um destes filmes que caminha com confiança pela linha tênue entre o respeitável e o ridículo. A produção transparece um grau de profissionalismo e de sofisticação que evita o patético, a impressão de algo tosco ou mal feito. No entanto, leva-se muitíssimo a sério, mesmo diante de frivolidades e absurdos, a ponto de soar anacrônico, desconectado dos públicos atuais. Ele será considerado corajoso ou leviano pelos mesmos motivos.