Embora o nome do protagonista estampe o título, talvez o verdadeiro protagonista deste projeto seja a direção de fotografia, assinada por Ximena Amann. Nada desperta tanto a atenção nesta obra quanto a obsessão das criadoras pelo trabalho em baixas luzes. Para dizer de maneira bem clara, Sujo é um filme escuro. Escuríssimo, aliás — nem filmes de terror passam tanto tempo mergulhados nas sombras. Os personagens vivem exclusivamente nos minutos antes do nascer do sol, ou no entardecer e na madrugada. Constituem silhuetas perdidas pelas montanhas mexicanas, no início, e fantasmas perambulando pelas noites da Cidade do México, em seguida.
Mesmo as poucas cenas durante o dia são curiosamente escuras. Amann trabalha com uma iluminação difusa, dessaturada, esforçando-se para enquadrar os personagens encobertos por objetos ou dentro do casebre de Nemesia (Yadira Pérez), para se abrigarem da luz. Para além de fatores narrativos (Sujo e seus dois melhores amigos crescem em lares sem eletricidade), as diretoras Astrid Rondero e Fernanda Valadez demonstram um prazer vaidoso de composição, como se estivessem pintando um quadro repleto de contornos e contraluzes dispersos na paisagem.
Estas escolhas determinam nossa relação com o filme e os personagens. Demoramos muito a enxergar o rosto do menino, seja na fase infantil (parte 1 e 2 desta trama dividida em episódios), ou na fase adolescente (partes 3 e 4). Não entendemos ao certo o que o garoto sente e pensa quando permanece trancado no interior de um carro sozinho, a madrugada inteira, ou quando percebe a ausência do pai, assassinado pelos cartéis de drogas. A câmera demora para se aproximar dele e, quando o faz, garante que as luzes escondam suas expressões.
Este retrato etéreo da criminalidade corre o risco de apenas reforçar o imaginário estereotipado da miséria mexicana, como os gringos adoram ver.
Mesmo adiante, já em fase escolar, o garoto ainda se resume a um estudo de caso, um exemplo de infância condenada pela violência, ao invés de uma subjetividade única. As autoras desejam abordar a violência no país através das bordas, ou seja, a maneira como os familiares de criminosos são afetados pelas atitudes dos patriarcas. No entanto, desconhecemos o interesse repentino de Sujo pela filosofia, sua permissividade moral (o garoto tão correto passa a roubar sem pensar duas vezes), a proximidade com as garotas, a maneira como reage à solidão na capital. Passamos mais de duas horas com um protagonista que desconhecemos.
Na ausência de um mergulho na psicologia, restam símbolos externos e concretos, que interessam mais à direção. O carro onde o menino ficou trancado será sua única herança, e também elemento para tentar resgatar a autonomia e ideal de virilidade. (A direção de fotografia adora filmar cenas através do para-brisa do veículo). Os membros da gangue são tatuados no peito e barriga com o número de sua hierarquia no crime. A tia que o abriga durante tantos anos possui um nome incomum, Nemesia, que significa, em suas palavras, “vingança”. O roteiro não é necessariamente sutil neste aspecto.
Resta uma discussão a respeito de natureza versus criação, ou seja, o quanto da personalidade de um indivíduo seria determinada pelos genes, e o quanto dependeria da cultura. O filho de um sicário teria a oportunidade de escapar à marginalidade, estudar e se tornar um cidadão comum? O letreiro final dedica o drama aos “órfãos deste país em chamas”. Antes disso, entrega-se a um discurso meio fatalista, meio esperançoso, ainda que por meio de recursos mágicos e improváveis — Sujo encontra uma professora gentil, atenciosa, que aceita ser roubada e continua encorajando o aluno. Rondero e Valadez retornam ao ideal da educação milagrosa, e aos professores romanticamente transformadores, como de costume em tantos filmes e novelas dos anos 1980 e 1990.
O problema deste discurso é a dependência do acaso, da sorte. Ainda bem, para Sujo, que aparece o anjo Susan (Sandra Lorenzano) em sua vida. Todos os demais precisam esperar a chegada de deus ex macchina para salvá-los, pelo visto. O discurso demonstra reflexão insuficiente, tanto para compreender as origens da violência urbana e rural que pretende denunciar, quanto para apontar saídas coletivas e estruturais ao problema. Aparentemente, o Estado e os governos pouco têm a ver com a desigualdade social — a solução residiria na bondade individual e espontânea dos cidadãos. Neste sentido, o longa-metragem transmite certa descrença na política.
Entretanto, estes debates soam secundários face à sobrecarga estetizante, de natureza discretamente fantástica. Nemesia passeia em câmera lenta por uma mata seca; uma chave abre as portas para o céu; uma névoa espessa toma conta dos corredores da escola. Estes fragmentos pouco incorporam à narrativa, nem mesmo se conectam entre si, porém possuem uma aparência chamativa, elegante, ostensiva. Este retrato etéreo da criminalidade corre o risco de apenas reforçar o imaginário estereotipado da miséria mexicana, como os gringos adoram ver. Não por acaso, os Estados Unidos aprovaram — vide o prêmio máximo no Festival de Sundance.