Certo dia, Louise (Marina Foïs) não consegue sair de seu carro. Aparentemente, há um ataque de pânico em curso, conforme os diálogos repetem adiante. No entanto, o diretor Didier Barcelo não demonstra nenhuma intenção de reproduzir a sensação da crise, de angústia, nem os sentimentos de vazio, de morte ou semelhantes. A atriz, contida como de costume, olha para baixo, permanece em silêncio e volta para o interior do carro. A crise está completa. Adiante, ela simplesmente declara: “Não consigo sair daqui”, em referência ao carro. E não sai mais.
Tudo Sob Descontrole solicita certa boa-vontade do público. Muitas comédias populares se esforçam para agradar, levando ao espectador aquilo que ele (supostamente) deseja ver. Aqui, em contrapartida, o criador mergulha numa jornada absurda, e pede que seu interlocutor faça o esforço de segui-lo, tolerá-lo e manifestar paciência com tamanhas esquisitices. “Eventualmente, tudo terá sentido”, nos promete cada cena ou reviravolta insana. Combinando o buddy movie, o road movie, o teatro do absurdo e a comédia de situações, a narrativa testa os limites de sua modesta premissa.
Logo, as guinadas improváveis se sucedem a cada cinco minutos. Um assaltante decide levar o carro de Louise. Ela se esconde no banco de trás, mas o ladrão não a vê. Descoberta a farsa, decidem seguir caminho juntos. Aceitam uma pessoa pedindo carona. Aceitam uma criança pequena desejando sentar no carro, por motivos desconhecidos. Aceitam o cortejo de uma comunidade de estrangeiros. O criador cogita inúmeras hipóteses de conflitos, num brainstorming frenético, incorporando todas as ideias na versão final.
Algumas escolhas decorrem diretamente dos lugares-comuns do road movie. O carro quebra no caminho, fica sem gasolina, é parado por policiais — assim como na maioria das narrativas semelhantes. Outros decorrem da vontade de introduzir um mundo de estranhamentos (e, portanto, de empolgação) na vida tediosa de Louise. A jovem “eletrossensível”, exigindo que o mundo desligue os celulares; o senhor idoso propondo sexo, e os mecânicos sugerindo o corte no teto do carro servem como intromissões forçadas na vida da enfermeira em carência de excitação.
Há um caráter paternalista, e típico dos contos de fada, na propensão a resolver dilemas duradouros ao longo de poucos dias, numa espécie de terapia de choque.
Em tempo, a comédia revela seu real interesse: aproximar duas pessoas solitárias, em diferentes instantes de crise e traumas pessoais. Eles seguem uma viagem onde nenhum dos dois pode abandonar o barco — ela, por continuar presa ao veículo; ele, porque acaba de cometer o roubo e visa praticar um homicídio na fronteira leste da França. Como de praxe no indie norte-americano, as figuras estranhas e inicialmente antagonistas descobrem uma simpatia inesperada uma pelo outra, ajudando-se a oferecendo uma amizade a fórceps.
É muito curioso este cinema de aparência singela, porém decidido a injetar felicidade aos heróis, mesmo que não queiram. Vai ser feliz, sim, e sem reclamações. Há um caráter paternalista, e típico dos contos de fada, na propensão a resolver dilemas crônicos no intervalo de poucos dias, numa espécie de terapia de choque. A mulher incapaz de refletir sobre o suicídio da mãe será obrigada a fazê-lo, com um revólver na cabeça. O jovem reticente à tese de responsabilidade do irmão na própria morte também será pressionado a elaborar esta possibilidade.
Neste sentido, o carro se torna veículo, mas também prisão, castigo, calabouço. Ambos permanecem no interior até que façam as pazes um com o outro, e consigo mesmos. Assim, dilui-se o caráter da leveza inconsequente, ligada à loucura e à ausência de rumos aos personagens. Louise e Paul (Benjamin Voisin) param onde querem, inventam mentiras, mudam os rumos. Eles colocam fitas de música, dançam. No entanto, encontram-se num divã improvisado, ao qual um psicanalista vem literalmente prestar ajuda terapêutica. Ao invés de levar a enfermeira ao mundo, é o mundo que vem até ela.
A experiência melhora a partir do segundo terço, quando a esperada amizade se concretiza, e o texto acalma a introdução frenética de encontros e gadgets (o cachorrinho que balança a cabeça, os potes para urinar). Progressivamente, ambos se revelam, compartilham o passado e suas dores. Confirma-se a hipótese pouco inventiva, porém verossímil, de que os dois possam ter muito mais em comum do que imaginavam, e que este espelhamento permitiria o crescimento de ambos. Há um outro de nós em cada anônimo pela rua — esta é a bela e simples ideia do projeto francês.
No elenco, os estilos se equilibram pela oposição, como de costume nos buddy movies e nas trajetórias policiais. Marina Foïs, experiente, minimiza gestos e expressões para não acentuar um texto humorístico por si próprio. Benjamin Voisin, enquanto elemento externo ao carro (conseguindo sair e voltar do “palco” quando deseja), encarna a figura do malandro, agressivo, impulsivo, ainda que bem-intencionado em muitas cenas. Os coadjuvantes, meros catalisadores para os protagonistas, contentam-se com a excentricidade que jamais poderia habitar os dois personagens principais — caso em que o filme se tornaria dificilmente suportável.
O desfecho transparece uma impressão ambígua. Por um lado, copia Thelma & Louise de modo que pende ao plágio, ao invés de homenagem. Por outro lado, deixa a impressão de que este tratado tragicômico sobre a saúde mental não sabe ao certo onde levar seus personagens, preferindo forçar a leveza até mesmo quando a gravidade se faz necessária. Alguns espectadores poderão enxergar uma incômoda romantização do suicídio. Mesmo assim, há sorrisos e trapalhadas suficientes para que a refeição desça como um modesto aperitivo.