Kunta Leonardo da Cruz dança. Diante do pôr do sol, enxergamos apenas a silhueta do rapaz, com os pés fincados na natureza, executando uma coreografia. Antes mesmo da primeira palavra emitida pelo dançarino, ou da descrição de terceiros a respeito de seu percurso, o espectador tem a oportunidade de vê-lo em atividade durante alguns minutos. O documentário encontra um belo início ao perceber que a dança, por si própria, carrega significado e descreve seu protagonista melhor do que qualquer palavra o faria.
Em seguida, o personagem se aproxima do público através das ferramentas convencionais do cinema-reportagem: ele se apresenta, descreve as aulas com crianças, a condição de quilombola, de assentado e LGBTQIA+, lutando para garantir a visibilidade da cultura negra em meios tradicionalmente brancos como as universidades brasileiras. Este contato ocorre em partes via voz off, sobreposta a registros do corpo em movimento, e em partes no formato padrão da entrevista concedida diretamente à câmera.
Upa, Neguinho! (2022) articula-se quase inteiramente nesta fronteira entre um cinema de poesia e a aproximação literal do discurso político. Caso multiplicasse as performances e criasse uma estética apropriada à representação mítica dos orixás, talvez alcançasse um teor próximo do excelente Cavalo (2021), para quem a estética carrega o significado político em si mesma. Caso abandonasse as danças e se ativesse às falas de especialistas e artistas, ficaria ao lado do cinema jornalístico, para quem a dança e a cultura negra se limitariam a objetos de estudo.
Felizmente, o diretor Douglas Carvalho dos Santos compreende a importância de conferir voz e protagonismo a Kunta Leonardo da Cruz. É ele quem guia o espectador e a câmera pelas divisões do Quilombo Paiol de Telha, quem presta esclarecimentos históricos e sociais acerca desta dança (e de sua diferença em relação a rituais) e que demonstra os passos diretamente à imagem. Em algumas cenas, o artista conversa com amigos, e a equipe cinematográfica se posiciona logo ao lado, sem disfarçar, absorvendo cada palavra.
Os instantes de apresentação coreográfica possuem qualidade variada. Perto de árvores, no campo ou sobre o palco teatral, com fundo preto, a dança se desenvolve da melhor maneira — seja plenamente inserida na natureza, algo condizente com o modo de vida do artista, seja nos moldes formais do dispositivo cênico. No entanto, a dança no apartamento, com os móveis afastados, provoca certo incômodo. A própria câmera hesita quanto a onde olhar, deslizando dos pés à cabeça, ao torso, e correndo aos pés novamente.
Upa, Neguinho! articula-se quase inteiramente na fronteira entre um cinema de poesia e a aproximação literal do discurso político.
O olhar gostaria de estar ao mesmo tempo à distância, para vê-lo por inteiro, e perto demais, para admirar cada contração dos músculos e dedos, porém não consegue. Existe uma indefinição conceitual diante do corpo do protagonista, algo que diminui o impacto de seus gestos. De mesma maneira, os ensinamentos didáticos na sala de estar, para aluno nenhum, provocam uma artificialidade incômoda: por que não acompanhar a aula comum do professor com seus alunos?
Seja por conflitos de produção ou pudor da direção, muitos elementos são retratados apenas em terceira pessoa. Fala-se de uma grande comunidade quilombola, embora não a vejamos nas cenas. Menciona-se o carinho com os alunos, também ausente nas cenas. O preconceito na universidade, e a compreensão de uma arte pressuposta como branca, também se concretizariam caso a câmera simplesmente penetrasse o ambiente universitário e testemunhasse uma aula. Falta imergir nos espaços e nos núcleos mencionados indiretamente.
A ampliação do olhar e das ambições cinematográficas faria bem ao projeto, que limita as conversas entre profundos conhecedores dos orixás, dos quilombos e das danças de matriz africana. Eles dialogam entre si sobre temas que dominam, apenas para informar o espectador. Deste modo, despertam a impressão de uma comunicação retórica, encenada. Todos em cena têm muito a dizer, e o expressam com uma paixão notável. No entanto, a possível conversa com familiares, ou com colegas de universidade fora deste âmbito traria algum relevo, discordância ou compreensão distinta a partir do tema. Aqui, todos dizem praticamente a mesma coisa, concordando entre si e reafirmando a fala alheia. Ora, a compreensão do tema é tão consensual assim?
Outro ponto de destaque diz respeito ao formato do média-metragem. Upa, Neguinho! possui 53 minutos, duração que escapa ao teto máximo permitido ao curta, e ao mínimo exigido de um longa-metragem. Trata-se do escopo mais difícil de inserir em festivais de cinema, e por extensão, também comercialmente, o que diminui a visibilidade deste bom material. Caso estivesse disposto a expandir a visão social, o cineasta certamente obteria um material valioso para converter o resultado num longa.
Ora, é possível sugerir, em oposição, que nenhum média-metragem seja obrigado a alterar seu formato devido às restrições do circuito. O documentário cumpre bem os seus objetivos no tempo proposto, e fornece um retrato satisfatório de seu personagem, além de uma pequena introdução das danças, religiões e da cultura negra. O projeto não se aprofunda, mas jamais aparenta visar um tratado sociológico à altura das falas de Leo. O filme tampouco é obrigado a se estender e se desenvolver.
No intuito de fornecer um contato inicial com uma cultura que se supõe distante daquela do espectador médio, a projeção terá cumprido o seu papel. Trata-se de um cinema mais valioso pelo humanismo, abraçando os personagens com evidente empatia e respeito, do que complexo em sua compreensão dos quilombos. Isso já é um mérito considerável.