Goliath representa um cinema intensamente formalista. Isso significa que o cineasta Adilkhan Yerzhanov demonstra um prazer notável em calcular os enquadramentos, a profundidade de campo, a luz, os lentos movimentos de câmera. O trabalho da direção se aproxima bastante daquela da direção de fotografia, no sentido que a matéria modelada pelos criadores reside sobretudo na textura da imagem, na criação dos espaços, volumes e tempos.
Os personagens chegam depois nesta equação. Isso não significa que sejam pouco importantes, mas é evidente que são solicitados pelo criador a pararem no terço exato do quadro, posarem no canto onde são indicados, de modo que a luz reflita melhor, e não bloqueiem a visão de outro personagem ao fundo. Criam-se imagens como quem elabora pinturas, ou melhor, ensaios fotográficos: embora se encontre em locações reais, a céu aberto, o cazaque aparenta ajustar os refletores de um estúdio e posicionar seus modelos diante de um fundo colorido.
Esta escolha dispensa qualquer valor inerente: há excelentes filmes formalistas, propostos por grandes cineastas e pensadores da imagem (digamos, Stanley Kubrick), assim como existem gestos egocêntricos partindo de autores vaidosos e rebeldes (digamos, Alejandro González Iñárritu e Gaspar Noé). Ao mesmo tempo, pode-se citar preciosos criadores de um cinema naturalista e espontâneo (Naomi Kawase, por exemplo), e outros para quem o realismo implica em desleixo e aleatoriedade. Em outras palavras, nenhuma linguagem carrega valor em si.
A reflexão serve a pensar as escolhas específicas do longa-metragem cazaque que, felizmente, sabe fazer bom uso da astúcia da direção. O projeto se inspira em gêneros cristalizados no imaginário da cinefilia ocidental: os suspenses de máfia, na primeira metade, e os faroestes, na segunda metade. Ele se apropria destes códigos para ilustrar a ascensão de grupos milicianos num vilarejo, proporcionando um misto de proteção e terror, de benesses e controle sobre as ações dos habitantes. Assim, oferece-se casa e comida em troca de silêncio quanto às transações criminosas organizadas pelo grupo.
Apesar do controle intenso da imagem, o diretor nunca se mostra exagerado. Ele prefere um minimalismo sugestivo, do tipo que acredita na capacidade do espectador em compreender metáforas.
É curioso que uma forma de cinema tão propensa ao pop (pelo menos, em nosso imaginário contemporâneo e ocidental) se encontre com planos longuíssimos, imagens fixas, valorizando os espaços infinitos das planícies locais, e a solidão de pequenos insurgentes no território vasto. Pela forma, sozinha, Yerzhanov sugere a pequenez de Arzu (Berik Aitzhanov) em meio ao ambiente, a solidão que vive nas pequenas casas isoladas, e o poder do chefe Poshaev (Daniyar Alshinov) quando surge no horizonte, com seus capangas e carros luxuosos. Ergue-se um imaginário, uma ambientação de poderes, ao invés de descrevê-la via diálogos.
A imagem segue contando uma história que o roteiro evita descrever por si mesmo. A maneira soturna como o pobre herói dá banho na filha pequena transmite o estado de luto, a resiliência e a raiva contida no sujeito cuja esposa foi assassinada pelos milicianos. Adiante, uma viúva em busca de afeto apenas levanta o queixo lentamente, em contraluz, e percebemos seu interesse amoroso por Arzu. Sentado na mesa de uma cantina local, o protagonista percebe carros vindo no horizonte, e através de um microscópico movimento de câmera, notamos a gravidade da situação.
Isso significa que, apesar do controle intenso da imagem, o diretor nunca se mostra exagerado, rocambolesco. Ele prefere um minimalismo sugestivo, do tipo que acredita na capacidade do espectador em compreender metáforas e lentas gradações da tensão. Poucos autores operam o plano fixo com tamanha desenvoltura: aqui, a imagem parada nunca se confunde com tempo morto, pelo contrário: existe uma infinidade de conflitos ocorrendo dentro de cada quadro, e às vezes, em camadas diferentes da profundidade de campo. Em paralelo, o espaço extracampo se enriquece pela sugestão de sons e perigos.
Quando a câmera decide se movimentar, ela o faz com cuidado, lentamente, até percorrer vários metros rumo à entrada de uma casa onde a gangue de Poshaev procura pela próxima vítima. Há uma tensão interessante na aparência de contemplação e naturalidade para retratar mortes e ameaças. Muitos cineastas prefeririam a estética da urgência, com a câmera tremida na mão, a trilha sonora intensa. Yerzhanov valoriza o silêncio, a espera, o indício de que tal coadjuvante possa estar entrando em casa a qualquer momento, para se encontrar sob uma rajada de balas.
O elenco é coordenado para atenuar maniqueísmos e facilidades de composição. Há diferentes personalidades e posicionamentos políticos no grupo (em relação à venda de drogas, ou às estratégias de ataque), enquanto o próprio Arzu se mostra ambivalente quanto ao plano de ação. Inicialmente, mostra-se abatido e conivente, depois, empoderado pelo auxílio dos algozes de sua esposa e, por fim, possivelmente vingativo. O filme evita antecipar ao espectador o que pode ocorrer.
Em consequência, descobrimos grandes eventos somente quando se encontram, abruptamente, diante dos nossos olhos — uma característica mais propensa ao naturalismo do que ao formalismo, digamos. Por trás das luzes impecáveis, das composições de aparência renascentista e dos corpos ocupando partes exatas do quadro, existe a vontade de valorizar a tomada de poder de um homem comum, deficiente, face a uma corporação gigantesca. As palavras de Maquiavel interrompem a narrativa com frequência para nos avisar sobre as regras perversas do poder: “Existem dois métodos de luta: pela lei e pela força”.
Goliath se inicia como um ótimo filme de máfia, para abraçar, paulatinamente, as regras do faroeste. Entram em cena os cavalos, a planície cazaque, a poeira levantada pelo percurso do justiceiro território adentro, até o inevitável duelo ao pôr do sol. A trilha sonora surge em instantes pontuais e raros, como forma de concessão ao gênero adorado pelo diretor. Yerzhanov sabe homenagear o cinema clássico e estrangeiro, sem deixar de efetuar um retrato potente de seu próprio país, demonstrando um posicionamento político firme e questionador. Trata-se de um interessante estudo sobre o poder dos homens, das estruturas e das imagens.