O senso comum e parte da crítica de cinema propagam, ainda hoje, a ideia de que um bom filme infantil precisa ter: 1. Cores fortes; 2. Muita correria para não entediar as crianças; 3. Algum ensinamento de valores ao final. Julgando por estes preceitos, Minions 2: A Origem de Gru seria uma obra-prima da sétima arte, um modelo ideal de boa produção aos pequenos. Afinal, ele segue quase à risca o pressuposto de histrionismo, compreendido como dinâmica de cena.
A trama se inicia com uma perseguição pelas ruas da cidade. Carros e motocicletas vêm em direção à imagem (e, portanto, ao espectador), a trilha sonora capricha no teor de aventura, os ruídos despertam a impressão de esforço intenso de uma vilã fugindo da polícia. O diretor Kyle Balda parte do pressuposto clássico que agitação provoca atenção, como se o cinema chacoalhasse algum brinquedo brilhante diante das crianças. “Olhe para cá”, solicita a imagem a todo instante.
Em paralelo, o roteiro segue a estrutura de mini cenas independentes, semelhantes a esquetes autônomas, prevendo um público com dificuldade de concentração por períodos extensos. Há uma cena com um motoqueiro, que depois desaparece da trama. A viagem à Ásia, num local não especificado, tampouco surte qualquer efeito posterior. Os protagonistas fazem um passeio turístico por vários países de modo quase aleatório, pela diversão de fazê-lo. Decidem ir para São Francisco abruptamente, para que o filme possa vesti-los de hippies.
Os minions seguem na posição estranha de coadjuvantes de sua própria trama. Como atesta o subtítulo, a comédia ainda depende de Gru para se desenvolver, enquanto os ajudantes amarelos, sempre fiéis e prestativos, limitam-se a átomos ao redor deste núcleo. Uma vez afastados do chefe, tornam-se uma massa indistinta. Além da comunicação simplificada (a linguagem de sílabas infantilizadas, misturando espanhol, francês, inglês e alemão), são desprovidos de personalidades distintas ou objetivos particulares. Os vários minions, no fundo, resumem-se a um só.
Os minions seguem na posição estranha de coadjuvantes de sua própria trama. Como atesta o subtítulo, a comédia ainda depende de Gru para se desenvolver.
Isso não impede os roteiristas de imaginarem uma jornada envolvendo os poderes mágicos de um amuleto oriental, um objeto valioso e a briga interna entre vilões por status e pertencimento. É curioso que estes sujeitos malvados nunca sejam maus de fato: eles jamais promovem qualquer ação danosa e irreversível a pessoas indefesas, contentando-se com provocações singelas e roubos de joias que não pertenciam a ninguém. Até mesmo a propriedade privada é poupada dos gestos nocivos dos anti-heróis.
Na verdade, estas produções familiares partem do pressuposto que um vilão nada mais é do que um sujeito órfão, rejeitado socialmente, em busca de aceitação social. As atitudes perversas se resumem a sintomas de um trauma não-elaborado pelas vítimas. Cruella, Malévola e os filhos de vilões em Descendentes carregam o sentimento de incompletude. Este princípio desperta interesse por associar a delinquência à desigualdade e à luta de classes, embora atenue a complexidade psicológica das mesmas. A cartilha Disney sempre resumiu a complexidade psíquica de seus heróis à orfandade.
No entanto, Minions 2 faz parte da Illumination Studios, um criador de ambições artísticas mais modestas, visando um público ainda menor e menos exigente do que aquele das produções da Pixar. O humor desta sequência privilegia sequências de flatulência, um sujeito com cheiro de repolho, duas ou três imagens com as bundas dos minions. A nudez é ridicularizada, o corpo já se reveste de pudores. A graça provém da sensação de inadequação: rimos do fato que uma mulher baixa e corpulenta seja uma mestre do kung-fu, ou que os atrapalhados seres amarelos possam partir em defesa do amado Gru, sequestrado por um vilão ainda mais poderoso. Rimos do fato que minorias possam comandar a ação e demonstrar força.
A dublagem brasileira, apesar de muito competente, perde as escolhas de elenco interessantes por si próprias. No original, Jean-Claude van Damme, Dolph Lundgren e Danny Trejo ridicularizam os personagens de ação, enquanto Michelle Yeoh satiriza o imaginário das lutas orientais, e Taraji P. Henson parodia pela enésima vez a mulher negra, forte e briguenta. O grau de autoparódia se perde na versão nacionalizada, que pelo menos respeita a premissa de colocar artistas negros para dar a voz a personagens negros.
Os melhores momentos da produção decorrem da institucionalização do crime. É claro que roubos e organizações mafiosas organizam-se sob sigilo, no entanto, o roteiro imagina a contratação de vilões por meio de entrevistas de emprego, anúncios em jornal, além de um quartel-general intitulado Criminal Records, cujo letreiro luminoso se enxerga à distância. Eles depositam o dinheiro dos crimes, vejam só, no Banco do Mal. Apesar de, no fundo, serem grandes bondosos em busca de autoafirmação e reconhecimento, eles permitem imaginar uma curiosa ilegalidade legalizada.
Em contrapartida, o filme investe numa enésima representação estereotipada da cultura chinesa. A narrativa aglutina o treinamento improvável de Kung Fu Panda (2008) com a transformação involuntária em animais de Red: Crescer É uma Fera (2022), investindo na percepção de um orientalismo festivo e folclórico. A China é substituída por uma grande Chinatown com dragões reais e imaginários voando pelos ares, enquanto a cultura se reduz a comidas e lutas. Sob a forma de homenagem, os Estados Unidos reduzem e caricaturam a cultura alheia. No entanto, o motivo desta inclusão se justifica: o projeto, a exemplo de dezenas de obras americanas recentes, visa ampliar as bilheterias no gigantesco mercado chinês.
Mas isso importará pouco a quem buscar mero escapismo, um tanto previsível em sua origem. Alguém acreditava que Gru, ou os minions, correriam risco real de morte? Ou então que os ajudantes se virariam contra o chefe, seguiriam outros vilões, ou se tornariam os líderes de seu próprio movimento? Claro que não. As aventuras barulhentas e coloridas da Illumination Studios giram, pulam e correm para então se acalmarem e terminarem exatamente onde começaram.
Caso alguém ainda não tenha compreendido, Gru verbaliza o ensinamento final: “Você me ensinou o que importa: não dá para fazer nada sozinho. Encontre a sua tribo”, ignorando a relação hierárquica e o comportamento abusivo de Gru com seus ajudantes. Supor que façam parte da mesma tribo seria tão ingênuo quanto acreditar que patroas e empregadas domésticas possam ser melhores amigas, em igual situação de poder e de classe. Ora, o significado mais potente dos minions ainda se refere à política brasileira, onde sujeitos vestidos de amarelo se dedicam a vangloriar um vilão atrapalhado e desqualificado, pouco importando os atos nocivos que este homem venha a praticar. A idolatria se converte em profissão de fé.