É difícil escrever sobre um filme como Rosie. Digamos desde o início o essencial: trata-se de uma obra ruim. Muito, muito ruim. Ao crítico, seria fácil elencar as coisas que não funcionam neste projeto, da dificuldade de posicionar a câmera e enquadrar ao trabalho com luz, direção de atores e as inverossimilhanças do roteiro. Um texto inteiro poderia ser dedicado aos exemplos de montagem, às fragilidades e equívocos típicos do amadorismo.
No entanto, a que serviria este exercício? Talvez seja mais interessante compreender o que ele representa, neste momento, dentro de um festival do porte de Toronto. Em primeiro lugar, vale lembrar uma rápida sinopse: esta comédia dramática gira em torno de Frédèrique (Mélanie Bray), a vendedora de uma loja de produtos eróticos, vivendo em grave dificuldade financeira e sem perspectivas de melhoria num futuro próximo. Certo dia, a sobrinha Rosie (Keris Hope Hill), que mal conhecia, lhe é entregue contra a vontade própria pelos serviços sociais. Sem dinheiro nem instinto materno, a heroína se vê numa encruzilhada.
Não restam dúvidas de que a adulta perdida na vida reencontra seu rumo e estabilidade através da maternidade forçada — algo que o projeto vende, ironicamente, como um olhar progressista e acolhedor. O longa-metragem se inspira numa trajetória onde o afeto coincide com certo conformismo e previsibilidade. Por isso, ao invés de provocar o espectador ou fornecer algum tipo de reflexão, prefere acariciá-lo com uma mensagem de tolerância e respeito às diferenças, defendendo que todos podemos formar uma família para além dos laços de sangue.
Isso decorre do fato que o projeto mira numa representatividade de todas as minorias reunidas, precisando dar as mãos para sobreviverem. Fred é uma mulher autônoma; os dois melhores amigos são drag queens que se prostituem; Rosie é uma garota indígena; e o melhor amigo encontrado por ela será um homem indígena, em situação de rua, passando os dias deitado confortavelmente numa calçada da cidade. Dois homens disparam gritos homofóbicos na rua; o pai de Flo (Constant Bernard) o trata mal devido às performances em drag queen.
O projeto oferece um exercício de idealização da marginalidade e romantização das dificuldades de vida.
A diretora Gail Maurice aborda o preconceito social em sua faceta mais evidente: os xingamentos, a prostituição, a exclusão parental. No entanto, estes elementos são maquiados, coloridos para não chocar o espectador. Assim, depois de uma agressão verbal, Flo e Mo (Alex Trahan) apenas riem; depois do desprezo paterno, Flo aparece no funeral vestido de drag e faz um discurso firme, sem contestação. Nenhum deles possui relacionamentos amorosos, o rapaz vivendo na rua parece estar muito bem, obrigado; e depois de ser despejada de um apartamento pequeno por não pagar o aluguel, a heroína decide alugar outro imóvel ainda melhor para recomeçar. Sabe-se lá como poderá pagar pelo custo adicional.
Ora, as reinvenções de si próprio ocorrem de maneira mágica, otimista, baseada unicamente na força de vontade. Rosie consiste na garota de melhor comportamento do mundo, além de exímia negociadora de quadros, posto que este talento convém à narrativa. Chegando ao parque, existe uma moça simpática tocando música; os concursos passam a dar resposta positiva, assim como as entrevistas de emprego. A partir do momento que Fred aceita ser mãe, a vida se acerta magicamente para ela — vide a aparição conveniente do novo apartamento, e a ajuda igualmente materna da moça com o violão. Deus (ou o filme, no caso) ajuda aquele que aceita ter filhos e cuidar de pequenas garotinhas órfãs.
Em termos de representatividade política, Rosie defende uma forma antiquada de ativismo. Segundo este raciocínio, quanto mais formas de exclusão forem citadas, melhor, sobretudo com a imposição de um final feliz abrupto e repentino. O projeto parece dizer: calma, uma hora tudo dará certo. Mais cedo ou mais tarde, você encontrará seu lar, seu grupo, sua família, e será aceito. De que maneira este processo ocorre parece não interessar tanto à narrativa, avessa a investigações sociais. O problema de aparência insuperável é resolvido com facilidade, porque a comédia estima que está na hora de interromper os conflitos e se encerrar.
Assim, o filme canadense não se retrata o mundo que vivemos, mas aqueles em que poderíamos viver. O projeto oferece um exercício de idealização da marginalidade e romantização das dificuldades de vida. Foi expulso do apartamento? Sem problemas, a porta dos fundos permanece aberta para continuar entrando e pegando seus pertences. Perdeu o emprego por abandono do cargo? Não se preocupe, outro surgirá na próxima esquina. A direção demonstra menos interesse em compreender as complexas causas da desigualdade social do que em conceber um mundo onde não existam mais. E se a gente se amasse e deixasse o preconceito de lado?
Em contrapartida, seria absurdo se virar contra o filme. Todo realizador, experiente ou iniciante, tem o direito de se expressar da maneira que bem lhe convier. Isso inclui a liberdade de experimentar formas que podem resultar em filmes ruins — que, para os curadores de festivais, talvez não sejam tão ruins assim. O Festival de Toronto pode ter se encantado com a pequena produção, ou talvez tê-la escolhido para valorizar a cinematografia nacional, e ainda por conter uma representatividade indígena e LGBTQIA+ que parece importante aos bem-intencionados curadores.
Ora, a seleção do filme, ao lado de obras muito mais potentes no discurso sobre o preconceito (Victim), diversidade sexual e de gênero (Casa Susanna, Carvão, The Origin of Evil) e de passagem à fase adulta (Riceboy Sleeps, The Fabelmans) desperta a impressão de um olhar tão tolerante quanto pouco assertivo na forma de cinema e de visão de mundo defendida pelo festival. Nas mesmas salas de cinema, lado a lado, convivem filmes dizendo que superaremos a desigualdade via política (Victim), via revolução comunitária (Carvão), ou então apenas através de sorrisos e persistência (Rosie).