Esquema de Risco: Operação Fortune (2023)

Heróis ruins também salvam o mundo

título original (ano)
Operation Fortune: Ruse de Guerre (2023)
país
EUA, China, Turquia
gênero
Ação, Comédia
duração
114 minutos
direção
Guy Ritchie
elenco
Jason Statham, Aubrey Plaza, Hugh Grant, Josh Hartnett, Bugzy Malone, Cary Elwes, Eddie Marsan, Tim Seyfi, Peter Ferdinando, Lourdes Fablers, Sam Douglas, Oliver Maltman, Max Beesley
visto em
Cinemas

Aparentemente, existe uma grande arma perigosa chamada Maçaneta. Traficantes de armamentos podem ter se apoderado do objeto, que ninguém sabe ao certo em que consiste, nem para quê serviria. Talvez esteja nas mãos do governo; ou de um grupo de bandidos. Logo, é preciso conversar com um bilionário, fanático por um ator de ação, e amigo de dois jovens gênios da tecnologia. 

É necessário se reunir no cruzeiro dele, e depois viajar para uma ilha no fim de semana, no intuito de pegar o código dos cofres. E também geolocalizar códigos específicos. E invadir a casa de um magnata ucraniano para roubar dados. E fingir ser um assalto comum. Há tiros, bazucas, explosões.

Poucos elementos em Esquema de Risco: Operação Fortune seguem uma lógica muito precisa. É possível que, antes da metade da trama, o espectador esteja se perguntando: “Quem é esta pessoa mesmo? Por que estão ali? O que pretendem fazer, na verdade?”. Isso se deve ao fato que a narrativa nunca se leva a sério, nem pretende trazer alguma visão complexa acerca do mundo, do banditismo ou do terrorismo. 

O diretor Guy Ritche trabalha com um imaginário vago do banditismo, digno do faz-de-conta infantil. Seria possível interpretar este projeto como uma paródia dos filmes internacionais de espionagem, à la James Bond, ao invés de uma obra de suspense e ação propriamente dita. Nesta configuração incluem-se as perseguições entre meia dúzia de países, as reuniões secretas, as lutas pelas ruas de cenários exóticos e paradisíacos, os carrões e festas de luxo.

Entretanto, os personagens são descritos por suas falhas, ao invés de qualidades: o líder, Orson Fortune (Jason Statham), é apresentado ao espectador como agorafóbico e claustrofóbico — características que jamais se manifestam a seguir. A especialista em tecnologia Sarah Fidel (Aubrey Plaza) seria talentosa, mas pouco confiável. O assistente de informática e rastreamento (Bugzy Malone) consiste na segunda escolha da equipe, porque o primeiro teria sido contratado pela equipe adversária. O ator de ação (Josh Hartnett) revela-se, na verdade, um sujeito canastrão e covarde.

Atinge-se um tipo de humor autorreferencial, sem pender ao absurdo, nem ao ridículo. O projeto ainda pretende funcionar como filme de ação.

Esta seria uma espécie de equipe B do mundo da espionagem, precisando salvar o mundo (é claro) contra bandidos ucranianos e árabes (como sempre), que tentam reunir armas de destruição em massa para arruinar o mercado financeiro e provocar o caos (a única motivação concebível neste subgênero). Estes criminosos o fazem porque são profundamente malvados, possuem cicatrizes no rosto, sotaques estrangeiros, vestem-se com roupas escuras e basicamente encarnam uma moral nociva, obscura. Estamos próximos do raciocínio cartunesco.

A este propósito, é saudável que os atores abracem a galhofa com prazer, porém sem se esforçarem em excesso. Esquema de Risco passa longe das comédias preocupadas demais em agradar o público, do tipo que inclui uma piada a cada dez segundos, além de cortes velozes e mil referências pop. É saudável encontrar Guy Ritchie num filme que prefere o embate cênico às cenas de ação. Aqui, os ladrões trocam mais xingamentos do que tiros: Statham possui poucas cenas de luta, embora brigue verbalmente com Aubrey Plaza uma dezena de vezes.

Os diálogos ridicularizam o mundo do entretenimento, a vaidade dos bilionários, os gênios do Vale do Silício, a esperteza dos serviços de inteligência nacionais. No fundo, ninguém é realmente bom naquilo que faz, e os sucessos ocorrem por sorte, ou por equívoco (desejava-se fazer uma coisa, mas outra acabou ocorrendo em seu favor), por desatenção de terceiros, etc. Atinge-se um tipo de humor autorreferencial, sem pender ao absurdo, nem ao ridículo. O projeto ainda pretende funcionar como filme de ação.

Por um lado, este teor debochado e inconsequente se aproxima da infantilização. Há piadas de pênis e escroto, sugestões engraçadas sobre o bromance entre o ator famoso e o bilionário, referências a Busca Implacável através do “conjunto particular de habilidades”. Os cenários são fantasiosos, abertamente falsos, caso do avião particular, com visível aparência de cenário, e das telas verdes durante o cruzeiro. No aeroporto, a presença de cadáveres jogados pelo chão não levanta suspeitas, nem interfere no funcionamento do local.

Por outro lado, Ritchie aproveita a sátira para efetuar algumas sequências memoráveis, e discretamente subversivas dentro da lógica do gênero. A abertura traz uma perseguição frenética, incluindo tiros e bombas, porém sem os ruídos correspondentes — o som direto é substituído pelos passos de um oficial caminhando, para entregar o relatório deste mesmo ataque ao superior, num momento futuro. 

Rumo ao clímax, um enfrentamento noturno articula cenas de um colorido profundo e único: três cenários, de cores vermelha, verde e azul, alternam-se via montagem. Há um cineasta preocupado em alguns arroubos estéticos, em meio aos cenários kitsch e à avalanche de stablishing shots (os planos aéreos de cada país) encarregados de fornecer mera contextualização. 

No elenco, Statham comprova a habilidade de transitar entre a ação e a comédia, mas talvez a principal surpresa venha de Aubrey Plaza. A talentosa atriz não efetua o mínimo esforço para se converter na femme fatale esperada do cinema de ação. Pelo contrário, o projeto se adequa a ela, incorporando seu estilo sarcástico e humor do incômodo. Diversos diálogos soam improvisados, ou pelo menos modificados graças à atriz. 

Em contrapartida, o grande Eddie Marsan é desperdiçado na produção que não lhe fornece o mínimo material com que trabalhar. Já Tim Seyfi, excelente ator turco, se vê preso pela enésima vez à figura genérica de um terrorista estrangeiro. Ritchie ridiculariza as regras do cinema de ação, mas nunca as subverte de fato. Quando veremos um terrorista norte-americano nestas produções?

A narrativa se encerra com o apelo a uma sequência, quando a busca implacável desta equipe de heróis improváveis deve se estender ao mundo do cinema. O tema do audiovisual se anunciava em plano de fundo na história, mas a continuação pode aderir ainda mais à autoparódia, espécie de ridicularização de si própria. Assim, converteria a iniciativa numa sátira de si própria logo no segundo filme (numa lógica semelhante àquela de Entre Facas e Segredos e Glass Onion, por exemplo). 

Tudo dependerá da bilheteria desta produção de médio porte, que custou US$ 50 milhões e ainda não estreou no mercado norte-americano até a data de redação deste texto.

Esquema de Risco: Operação Fortune (2023)
6
Nota 6/10

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