“Olha a que estou reduzido! Pobre de mim!”, dispara um dançarino, trabalhando como palhaço pelas ruas de Douala, em Camarões. “Eu não tenho sorte. Não aguento mais. Não sei o que fazer”, comenta Mambar Pierrette, costureira do vilarejo, falando sozinha, em voz alta. “Que país!”, ela mesma se queixa adiante, face à precariedade material dos vizinhos, amigos e familiares. “Deus vai me ajudar”, ela afirma sem real convicção a uma amiga, na igreja.
Mambar Pierrette pode ser considerada uma crônica desesperançosa da vida em Camarões. A diretora Rosine Mbakam se volta sobretudo às mulheres, provedoras do lar, precisando cuidar sozinhas dos filhos, porque os homens as abandonam e se recusam a contribuir à criação dos pequenos. Por esta razão, a costureira é descrita, na sequência inicial, enquanto trabalhadora incansável. Ela cuida da mãe idosa, dá atenção e carinho ao filho, cozinha, prepara novas roupas. Trata-se de uma mulher de ação.
Adepta do realismo social, a cineasta valoriza procedimentos e esforços, salientando a prática real pelas mãos da heroína. Isso implica na decisão de consagrar longas cenas à costura de mangas e zíperes; acompanhar o preparo de uma refeição, ingrediente por ingrediente; e retirar a água de casa durante uma inundação, balde por balde. A câmera permanece junto a estas pessoas em momentos difíceis, em registro de cumplicidade e solidariedade. Não resta dúvida quanto ao apoio total da direção a Mambar e às demais mulheres.
A estrutura privilegia a capacidade de se reerguer após cada provação, precisando solucionar os conflitos com a mesma facilidade que os cria. No papel principal, Pierrette Aboheu Njeuthat oferece uma atuação excelente.
Este posicionamento solidário se traduz numa espécie de parceria entre direção e personagens. A câmera nunca invade a intimidade em close-ups próximos demais, mas também evita abrir demais os enquadramentos, perdendo a heroína no meio da multidão. Imperam os planos de conjunto, as imagens cuidadosas da protagonista à máquina, ou sentada num bar com a melhor amiga. Quando Mambar cuida da mãe, a câmera permanece à batente da porta, hesitando entre entrar ou esperar no corredor. Na hora de uma agressão nas ruas, afasta-se e se posiciona na outra calçada, evitando espetacularizar a dor desta mulher em choros ou expressões faciais fortes.
Em outras palavras, nota-se um cuidado precioso para que a miséria se torne componente social e político, mas nunca uma diversão ou catarse para o espectador. Jamais somos convidados a chorar diante das desventuras em série que afligem a heroína e sua família. A costureira tampouco se apieda sobre a própria situação. Face ao abandono do lar, decide processar o marido na justiça, contrariando o machismo local. Diante da casa e ateliê inundados, arregaça as mangas e começa a limpeza. Esta não parece ser a primeira, nem a última vez que a personagem enfrenta dilemas semelhantes.
O roteiro corre o risco de encadear uma quantidade exagerada de problemas, como se buscasse convencer o espectador da dura vida em Camarões através do acúmulo de tragédias. Mambar é assaltada, perdendo todas as suas economias. Na mesma noite, a casa é inundada pela chuva torrencial. Na manhã seguinte, chega a vez de recuperar os objetos molhados do ateliê. Na hora de retomar o trabalho, a máquina de costura sumiu. E a eletricidade foi cortada por falta de pagamento.
Pelo menos, estes obstáculos são superados com rapidez, evitando pesar de maneira definitiva na trajetória de Mambar. A estrutura do drama privilegia a capacidade de se reerguer após cada provação, precisando solucionar os conflitos com a mesma facilidade que os cria. No papel principal, Pierrette Aboheu Njeuthat oferece uma atuação excelente, porque minimalista, um tanto séria e pragmática, e fugindo às armadilhas da chantagem emocional. Ela se torna um corpo presente, um olhar firme e seguro, que contesta clientes e disciplina os filhos com a imponência de quem jamais se coloca em dúvida.
Em termos de produção, o drama possui algumas deficiências claras, sobretudo no que diz respeito à direção de fotografia. Na incapacidade de iluminar ruas para as cenas externas, a diretora de fotografia Fiona Braillon deixa que os corpos praticamente se percam na escuridão dos becos e vielas. Voluntária ou não, esta escolha permite refletir a insegurança das mulheres (muito mais propensas a ataques em ruas sem postes de luz) e esconder o emocional impacto do assalto. A inundação à noite e a conversa no bar também contam um trabalho bastante simples em baixas luzes.
Entretanto, os recursos jamais prejudicam o resultado, que prioriza a luz natural das cenas diurnas, e demonstra bela capacidade de explorar poeticamente os espaços. Chamam atenção os enquadramentos com a manequim branca e esguia, muito diferente das mulheres locais; e a viela repleta de água por onde os habitantes atravessam aos saltos. Nota-se um controle precioso de mise en scène na excelente interação com o dançarino-palhaço, que vem ao ateliê retirar sua máscara, literalmente, e expor a tristeza à protagonista.
Mambar Pierrette impressiona pela capacidade orgânica de conjugar o machismo, o peso da religião, a precariedade econômica, as relações amorosas, maternas e filiais. Compreende-se que afetem umas às outras, e que não possam ser percebidas isoladamente. O drama ainda toma a curiosa liberdade de ocultar em imagens o marido infiel, para que o espectador nem o deteste, nem se identifique com ele. Não se trata de um homem específico, e sim do marido enquanto figura canônica de uma sociedade patriarcal. Há olhos apenas para as mulheres, num mundo inteiro delas, na posição de rainhas solitárias de um país abandonado — uma visão bela e melancólica do atual estado das coisas.