Em 25 de agosto, chega aos cinemas brasileiros a adaptação de uma história real: Assalto na Paulista, dirigido por Flávio Frederico a partir do roteiro de Mariana Pamplona. A dupla se inspira no caso da quadrilha que conseguiu se infiltrar num banco Itaú durante a noite paulistana e roubar 170 cofres, arrecadando o valor aproximado de R$ 10 milhões. A partir desta premissa, criam a história de Rubens (Eriberto Leão), o violento líder do grupo, e de Leônia (Bianca Bin), sua protegida, que foge de uma infância violenta.
Adriano Bolshi, Dani Nefussi, Kauê Telloli, Luciano Riso e Jefferson Brasil completam o elenco da obra inspirada nos grandes filmes de assalto, porém incorporando traços de faroeste e road movie, segundo os criadores. O Meio Amargo conversou em exclusividade com os dois:
Para quem conhece o trabalho de vocês com os documentários Em Busca de Iara, Rumo e Em Um Mundo Interior, Assalto na Paulista parece uma proposta bem diferente. O que interessou vocês nessa proposta?
Mariana Pamplona: Boca (201) foi o nosso primeiro longa-metragem de ficção juntos, e agora, Assalto na Paulista é o segundo longa de ficção. Foram muitos anos batalhando pela grana. Para a gente, sempre foi mais fácil o caminho do documentário, porque já temos um reconhecimento, um nome. A própria estrutura do documentário foi mais fácil de seguir, e também gostamos muito disso. Sempre foi algo natural de fazer. A ficção é diferente: tem uma questão de grana que é muito difícil aqui no Brasil. Assalto na Paulista foi uma ideia que o Flávio trouxe. No começo, fiquei muito reticente de fazer. Passei a pesquisar a história verdadeira, e já fiz a proposta de partir para a ficção. Em Boca, tentei ser fiel ao livro, mas com Assalto na Paulista, sabia que precisaria ficcionar bastante. Peguei algumas coisas reais, como a logística da entrada no banco, o sistema utilizado para se infiltrar, etc. Mas os personagens, a narrativa, os elementos de road movie e de faroeste vieram num fluxo, numa história inventada. Decidimos nos focar no Rubens e na Leônia. É um heist movie, um filme de assalto, mas, ao mesmo tempo, ele tem uma linha narrativa do drama. Tem a história do encontro entre os dois, e elementos importantes da vida de cada um. É um filme híbrido, e nem funciona como protótipo de um assalto bem-sucedido: quase todo mundo se dá mal ali.
Flávio Frederico: Como cineasta, eu sempre tive fases, mas nunca pensei em ter uma marca registrada. Nunca pensei que meus filmes seriam reconhecidos por tal traço único; sempre gostei de pular entre gêneros. Até a minha produção de curtas é mais homogênea. Mas o meu primeiro longa-metragem foi Urbânia (2001), um doc drama que estreou em Roterdã. Foi por aí que eu entrei no documentário. Quando começamos a fazer filmes juntos, com a Mariana, fizemos o Caparaó (2006), que ganhou o É Tudo Verdade. A Mariana também gosta de experimentar novos gêneros na criação. No Boca, buscamos uma obra com qualidades artísticas, mas que pudesse se comunicar com um público amplo. A gente gosta do gênero policial. Os documentários tomaram um caminho próprio, e demorou bastante para a gente conseguir fazer Assalto na Paulista. A Mariana colocou essa condição: não podia ser apenas um filme de assalto, era preciso criar outros elementos. As coisas inacreditáveis da logística do assalto foram as reais: as pessoas podem achar improvável, mas é como aconteceu. Mas tudo foi ficcionado para ultrapassar o filme de gênero e entrar no drama de personagens. Mesmo dentro do heist movie, tem uma pegada dramática. É muito mais Um Dia de Cão do que O Plano Perfeito.
Mariana Pamplona: Um Dia de Cão foi uma inspiração grande para mim, principalmente para as sequências dentro do banco. O que mais me marcou, quando eu assisti ao filme finalizado, foi o calor terrível que eles sentiam. Gostei de ter colocado no Assalto a questão do ar condicionado que quebra, porque eles vão ficando acabados, suados. Isso também ajuda a marcar a passagem de tempo do assalto — no final, eles estão molhados. Mas eu adoro filme de gênero. Adoro filme de terror, amo Scorsese, amo filmes policiais. Escrevi a série Natureza Morta, que é uma mistura de história de serial killer com terror. Gosto de assistir e de fazer. Não quero fazer apenas isso, mas é algo que aprecio, e me parece natural. Gosto da linha narrativa que combina ação e drama. Não consigo fazer apenas um drama social: quando vou ver, já estou colocando um sequestro, um traço policial.
Em muitos filmes de assalto, dedica-se bastante tempo à estratégia de entrada no local, para o roubo acontecer mais tarde. Assalto na Paulista coloca o assalto no começo, para então voltar na história dos personagens em flashbacks. Por que escolheram essa estrutura?
Flávio Frederico: O heist movie ocupa metade do filme, por causa dos gêneros que transbordam. A gente queria fazer um filme épico, com referências do road movie, do western. Para a gente, isso era tão importante quanto o assalto. Por isso, chegamos ao assalto de maneira mais rápida. Depois que eles saem do banco, ainda tem um monte de filme pela frente! Para mim, foi muito legal filmar o assalto, mas também fazer um road movie e um western, que está presente em toda a trajetória do Rubens. Ele é um homem do interior, tem uma vingança pela frente, especialmente quando chega ao Paraguai.
Mariana Pamplona: Quando escrevi, fiquei pensando o que poderia acontecer nesse banco. É muito chato ficar apenas abrindo cofres. Por mais que a gente mostre as diferentes coisas dentro do cofre, pensei: o que pode tornar interessante ali dentro? Decidi que tudo precisaria dar errado ali dentro: eles matam uns aos outros, até tudo explodir, literalmente. É completamente imprevisível o que ocorre. A ideia inicial era que as coisas fossem crescendo. Eu também queria que tivesse um índio, um negro, uma lésbica, um gordo. Não foi à toa; queria que tivessem essas pessoas. Gosto muito de uma frase do filme: “Está todo mundo na mesma roubada”. O Rubens tem um componente de insatisfação, porque está com uma mulher de quem não gosta, e sempre amou a outra.
Flávio Frederico: Não podia ser só um filme de assalto tradicional. Aos poucos, fomos abrindo à história do Rubens e da Leônia. Não podia mais ser um típico heist movie. É muito maior do que isso. A Mariana desenvolveu vários dramas lá dentro, de que gosto muito, a exemplo do shit happens. Para mim, mais do que um heist movie, é um épico.
Vocês queriam que a gente se identificasse com os assaltantes e torcesse pelo sucesso da empreitada?
Mariana Pamplona: Quando crio os personagens, não fico pensando se quero que gostem deles ou não. Essa não é uma preocupação inicial. Penso mais em criar contradições e conflitos que as pessoas às vezes nem sabe que têm. Quero criar um personagem rico e multifacetado, não penso se ele é bom ou ruim, se vão se identificar ou não. Como o público convive o tempo inteiro com eles, é inevitável certa identificação. Mas não sei bem com qual personagem: alguns gostam da Leônia, outros implicam com o Rubens, ou vice-versa. Não me preocupo tanto com isso. Aqui, a polícia está praticamente fora da trama, em plano de fundo, de maneira meio incompetente e atrasada. Escolhi ficar com os bandidos, então talvez o público se identifique com eles.
Flávio Frederico: Acho inevitável. Nos filmes em que a linha narrativa segue os assaltantes, isso acaba acontecendo. Essa é a liberdade da ficção. A quadrilha nos permite brincar com um retrato diversificado do povo brasileiro. Fica a questão: será que todos eles teriam recorrido ao crime se o país não fosse tão desigual? Os cofres são o símbolo disso. Era importante não ter um olhar flat sobre nenhum personagem. Talvez a identificação aconteça, mas acho natural. Não é algo ingênuo: isso não se torna Robin Hood em nenhum momento.
Mariana Pamplona: No assalto real, apenas sete pessoas prestaram queixa. Muitos dos bens roubados eram ilícitos. Fiquei imaginando: o que poderia ter nos cofres? Armas, joias? Numa cena, a personagem abre e descobre vários relógios de luxo. Ela pensa: “Esse cara aqui também é ladrão pra caralho”. É aquela frase: “O que é o crime de roubar um banco, perto de se fundar um?”. Mas a gente não explora tanto isso. Fica mais nas entrelinhas.
Os atores estão em registro muito bruto, intenso. Como chegaram nesse tom?
Flávio Frederico: É difícil colocar bandido no cinema. Ou é bandido de verdade, ou vira bandido de gibi. Quando você trabalha um filme de cotidiano, com família de classe média, em estilo mais flat, pode dar veracidade. Mas com bandido, é complicado. Aqui, o líder da quadrilha não vem do morro, é um cara do interior. Eu tinha que aprofundar mesmo. Na nossa colaboração, eu e a Mariana fomos evoluindo. Ela começou trabalhando como roteirista, já no Em Busca de Iara, foi roteirista, produtora e fez as entrevistas, então a partir de Em um Mundo Interior, ela também faz a direção comigo. Um dos aspectos que ela trabalhou comigo, neste filme, foi o elenco. Ela cuidou desde a seleção até o trabalho com eles em ensaios, além dos aspectos da direção de arte — figurino e maquiagem —, que fazem parte da construção do personagem. Além disso, trabalhamos com a Nara Sakarê, preparadora de atores. Ela faz uma preparação específica com todos os atores. Num dos últimos ensaios, quando a Nara estava sozinha com os atores, ela filmava num apartamento de verdade. O roteiro é somente uma parte da vida dos personagens. O que mais me encanta no cinema do John Cassavetes é você sentir que os personagens têm uma vida fora do filme. Noite de Estreia, quando termina, parece ter aberto o caminho para outro longa. Com a Nara, trabalhamos o que existe fora do filme. Os ensaios foram emocionantes: os atores estavam lá, de verdade, presentes em suas individualidades, e sem clichês.
Mariana Pamplona: Eu trabalho muito próxima com a Nara, temos uma parceria há muito tempo. Nos ensaios, ela não começa a trabalhar pelo texto: ela parte da vivência. Uma das primeiras coisas que ela disse foi: “Isso precisa ser uma quadrilha de verdade”. Então desenvolveram relações do cotidiano, pensaram qual era o relacionamento entre cada personagem, um com o outro. Ela grava vários vídeos ao longo do dia, e nos manda, para a gente ir calibrando. Aí dizemos: “Isso está meio exagerado”, “Não pode ser tão meloso”. É um trabalho em parceria. A verdade da quadrilha nasceu nos ensaios. Ela é super exigente: diz quando está falso, e começa tudo de novo se precisar.
Flávio Frederico: A gente é bem rigoroso na seleção. Os produtores de elenco não aguentam a gente! Eles ficavam extenuados. Neste caso, era preciso ver os personagens: alguns atores podem ser bons, mas não correspondem ao personagem. É preciso ter química, como nos filmes de casal. Quadrilha é a mesma coisa: precisa ter química entre os membros. O cofre foi filmado onde antes havia um cofre de verdade, numa sala autêntica, com uma porta de 1920, fabricada pela Panzer, que confeccionou os tanques dos alemães na Segunda Guerra. Tudo ali é muito verdadeiro. A gente passou dias ali, naquele lugar claustrofóbico. Foi muito intenso. Começamos por ali, para depois sair com a caravana louca num road movie. A produção do filme também foi uma espécie de road movie. A quadrilha já estava formada ali, por ter passado todos aqueles dias assaltando, arrombando cofres, passando por aqueles dramas juntos.