Depois de uma primeira noite forte na mostra competitiva brasileira de curtas-metragens, a segunda noite desta seção no 32º Cine Ceará – Festival Ibero-Americano de Cinema se mostrou irregular. Entre os três curtas-metragens apresentados, apenas um realmente encantou o público em Fortaleza pela busca formal e linguística. No entanto, os mais pretensiosos eram os outros dois.
O documentário baiano Contragolpe (2022), de Victor Uchôa, parte de um questionamento importante: por que tantos boxeadores brasileiros de destaque vêm da Bahia e, mais especificamente, de Salvador? O que justifica a concentração de mais de metade das medalhas olímpicas no Estado, e de 60% da equipe nacional de boxe formada por baianos? O cineasta busca inspiração em Jubiabá, de Jorge Amado, relembrando a tradição do esporte no Estado.
É curioso que as cenas estejam mais interessadas no olhar da plateia do que nos lutadores, ou nas lutas propriamente ditas. A imagem salta do preto e branco ao colorido, e de volta ao preto e branco. Há inúmeros cortes, desfoques variados para brincar com a profundidade de campo, trilha sonora encorajadora, lutadoras fingindo que estão golpeando a câmera (que se esquiva), planos de detalhe nas cordas do ringue, etc. Estes recursos remetem à publicidade, ou ao vídeo institucional em defesa do esporte e dos projetos sociais nas comunidades pobres.
Quanto à pergunta lançada no início (por que a Bahia?), as hipóteses oferecidas se provam insuficientes. Ao invés de procurar respostas do lado da política e da cultura (há mais investimentos em esporte no Estado do que nos demais? O boxe seria passado de pai para filho em Salvador?), a obra prefere uma leitura essencialista, sugerindo que o povo negro, de tanto brigar para se impor socialmente, seria mais apto ao esporte de combate. Além disso, os baianos teriam tamanho sucesso na modalidade por serem persistentes, fortes, aguerridos. Ora, os vizinhos seriam desprovidos destas qualidades? Por que outros Estados com forte concentração de população negra não teriam um desempenho equivalente no boxe? O discurso se encerra onde havia começado: na constatação de que existem, sem dúvida, ótimos lutadores nesta parte do país.
Em seguida, o diretor Rafael Toledo, do mineiro Cemitério de Flores (2022), subiu aos palcos do Cineteatro São Luiz munido de um discurso forte: ele criticou os clichês dos filmes de terror, a superficialidade de histórias de casarões assombrados e florestas escuras, e disse que seu curta surgia em resposta a esta percepção. As expectativas, sem dúvida, aumentaram diante deste posicionamento — afinal, é preciso uma autoconfiança e uma firmeza impressionantes para se colocar à altura de tal afirmação.
O resultado, em contrapartida, foi muito mais modesto. Os clichês continuam lá: a grande casa para apenas duas pessoas no meio do mato; o terror instaurado pelo sangue que começa a jorrar; a cruz de uma pessoa morta suscitando a tensão, a curiosidade infantil a respeito da morte, convertida em cautionary tale. As partes naturalistas soam falsas, desde a figura do galerista excêntrico à mãe que deixa a filha pequena sozinha em casa, sem a vigilância de terceiros, passando por uma pintura simplíssima que adquire o status imediato de obra rebelde e original.
No entanto, nada chama mais a atenção do que o uso intrusivo e manipulador de trilha sonora de medo, indicando ao espectador que algo muito sombrio ocorre dentro da casa de pintora. Não fosse pela música alta, a maioria das cenas passaria por um drama melancólico a respeito de uma garotinha descobrindo a morte e os limites do seu corpo — na linha de Cría Cuervos e O Espírito da Colmeia, guardadas as proporções. De fato, é possível e desejável que os códigos do terror se renovem, posto que a arte é dinâmica. Entretanto, é preciso ter muito conhecimento e respeito à tradição para subvertê-la.
Curiosamente, o filme mais aterrorizante da noite veio daquele que não se pretendia um terror. O alagoano Infantaria (2022), de Laís Santos Araújo, trouxe a melhor experiência da noite através de uma pequena fábula sobre as diferenças culturais, biológicas e históricas entre homens e mulheres. Na casa dos protagonistas, a pequena Joana é fascinada pela ideia de crescer e sangrar como as adultas. Ela também quer beijar, ter uma grande festa de aniversário. Já o irmão Dudu, negligenciado no dia da festa da menina, busca representar a ordem nesta família sem pai presente.
O ambiente carrega uma aparência mista de fantasia multicolorida e realismo social, graças à fotografia excepcional de Wilssa Esser. Por um lado, os figurinos e cenários ostentam uma qualidade kitsch, enquanto lá fora, a placa de “zona militar”, como vigilância de homens adultos (e invisíveis à imagem), sugere o controle e o retorno à norma. Enquanto a mãe (a talentosa Ane Oliva) se equilibra entre os cuidados da casa, da comida e dos filhos, cada uma das crianças articula seus próprios planos para tomar o poder do lar.
Aqui, sim, o uso do sangue se faz orgânico e criativo, enquanto as sugestões (a ligação final) carregam uma potência superior a qualquer concretização em imagens. Depois de Elusão, Infantaria constitui o segundo grande filme da mostra competitiva de curtas. Fato curioso: esta é a terceira Joana de destaque do 32ª Cine Ceará, após as protagonistas de A Filha do Palhaço e O Acidente. A cantora Joanna também é citada, em A Filha do Palhaço. Nesta seleção, Joana se torna sinônimo de mulher forte e destemida.