À primeira vista, este documentário desperta uma impressão ambígua. Através de uma captação digital de baixa qualidade, a indiana Sreemoyee Singh revela sua paixão pela poesia iraniana, a descoberta da poeta feminista Forough Farrokhzad, os estudos de língua farsi, a paixão pela música. A diretora se coloca em cena como uma fã de Jafar Panahi, Mohsen Makhmalbaf e Abbas Kiarostami, ou ainda uma mera aprendiz que teria viajado ao país próximo na intenção de aprender mais sobre a sétima arte.
Esta humildade parece diminuir sua posição, colocando-se hierarquicamente abaixo do tema escolhido. Ela se sente pequena próximo aos ídolos que aceitam conversar com ela — em especial, Jafar Panahi, que burla a proibição de entrevistas para conduzi-la aos quatro cantos de Teerã, durante dias. A jovem tenta conversar com Kiarostami, mas enquanto espera uma resposta, recebe a notícia do falecimento do autor. Há uma postura de cinefilia, algo que raramente ajuda a obter um ponto de vista aprofundado. Afinal, a admiração costuma produzir obras romantizadas e idealizadas, ao invés de estudos de caso.
No entanto, And, Towards Happy Alleys começa a mostrar que o pressuposto da aluna de cinema face aos professores constitui uma autoficcionalização, mais do que uma condição real. Singh sabe muito bem o que faz, e propõe uma costura nada amadora entre poesia farsi, tradição cinematográfica iraniana, censura ao cinema e opressão ao corpo feminino. Na curta duração de 75 minutos, consegue aproximar estes temas de maneira livre, porém coesa. A narrativa propõe um mosaico da sociedade iraniana, onde a bela liberdade da arte se opõe aos laços castradores do regime.
É louvável que a obra se inicie com duas formas diferentes de apreciar a poesia de Forough Farrokhzad: via leitura, através de trechos selecionados e apresentados em letreiros; e via som, por meio de uma narração em off. A descoberta audiovisual do trabalho desta artista ocorre por sua arte, em detrimento de sua morte ou sua vida pessoal. Após tantos filmes sobre artistas que não apreciavam de fato a produção dos personagens (vide Ingeborg Bachmann: Journey Into the Desert e Art College 1994), chega um documentário capaz de entender que a memória da poetisa passa, necessariamente, pela apreciação de seus escritos.
Singh propõe uma costura entre poesia farsi, tradição cinematográfica iraniana, censura ao cinema e opressão ao corpo feminino.
A memória, precisamente, constitui o tema central do filme, além de ser a palavra repetida o maior número de vezes ao longo das entrevistas. Singh, enquanto personagem, coloca-se em cena, tanto conversando quanto cantando aos colegas, e afirma querer “produzir memória para trazer para casa”. Por isso, dialoga com cineastas, visita sets de filmagem, reencontra atrizes mirins dos filmes de Farhadi, visita a rua onde mulheres protestaram sem véu contra o governo iraniano, até serem presas. A ideia de “turismo” por Teerã se prova nada inocente, pelo contrário: trata-se de um passeio político-cultural através das contradições de um país que, apesar da repressão, segue produzindo arte de altíssimo nível, há diversas gerações.
A opressão se torna um tema recorrente ao longa da trama, ainda que pelas frestas. Mina Mohammadkhani, atriz mirim de O Espelho (1997), fica chocada ao encontrar Jafar Panahi, artista condenado à prisão domiciliar, dirigindo pela cidade. “Mas você pode vir até aqui?”. Quando ele faz um movimento para lhe beijar a bochecha, a mulher se afasta, assustada: “E se tiver polícia em frente?”. O próprio Panahi confessa sua tentativa de suicídio, após a prisão. Já Mohammad Shirvani percebe que, cada vez que começa a discutir erotismo e sexualidade em sua entrevista, o vizinho liga uma serra elétrica extremamente ruidosa, que interrompe a fala. Há uma noção de perigo, uma ameaça de serem observados por todos os cantos.
Isso não impede que And, Towards Happy Alleys possua um ritmo bastante agradável, até muito divertido. A leveza se deve sobretudo à capacidade da diretora em ressignificar as cenas enquanto acontecem, incorporando o acaso de maneira dramaticamente frutífera. Por exemplo, enquanto um personagem canta uma música, outros começam a cortar uma árvore atrás dele. A sequência se torna a conjunção entre ambos, com pedaços de madeira caindo sobre o chapéu do músico.
Ao visitar uma loja de óculos com Farhadi, o vendedor pede que a indiana revele seu conhecimento de música farsi, e cante para eles. Assim, o cineasta prova óculos escuros enquanto a cantoria toma conta do ambiente. O diretor fecha as portas da loja, supostamente para “melhorar a qualidade do som”. Adiante, admite que tinha medo de ver pessoas se reunindo na porta da loja, num grupo grande — algo proibido por lei. A experiência se alterna a todo momento entre a alegria e o medo. Esta montanha-russa de sentimentos garante uma comunicação ímpar com o público, a quem se solicita que simpatize e tema pelas mesmas situações.
A discussão se estende à pressão suplementar exercida sobre a aparência das mulheres. Diversos políticos e artistas enxergam uma violência de Estado apenas nas prisões arbitrárias e na obrigação de cobrir o corpo e os cabelos em público. Singh sugere que a obsessão pela bela aparência das filhas e esposas representa uma violência análoga. Em consequência, aprende que Teerã constitui “a meca da rinoplastia”, e reúne-se com mulheres que sofrem pressão para adequarem seus rostos ao padrão exigido socialmente — não por acaso, a única parte do corpo que permanece visível em público.
É verdade que nenhum destes tópicos se aprofunda a ponto de trazer revelações ou reflexões particularmente complexas. A montagem salta com rapidez entre uma ideia e outra, e se sai melhor na capacidade de associação do que na profundidade da análise. Mesmo assim, forma um rico panorama do Irã, por um ponto de vista assumidamente estrangeiro e admirador. A cineasta reserva para a cena final um dos melhores instantes do longa-metragem, quando sua função, enquanto personagem, se junta à poesia num símbolo da liberdade feminina.
De maneira quase espontânea, como a maioria das cenas do filme, encontra a pequena sequência capaz de condensar seus principais temas e centros de interesse, de modo divertido e dramático; belo e politicamente incisivo. A maneira de filmar pode parecer simples, com alguns problemas de montagem e som aqui e acolá. No entanto, ele jamais será ingênuo, nem pueril. Existe um precioso refinamento do olhar neste encontro entre culturas.