Hummingbirds (2023)

Da MTV ao TikTok

título original (ano)
Hummingbirds (2023)
país
EUA
Linguagem
Documentário
duração
78 minutos
direção
Silvia Del Carmen Castaños, Estefanía “Beba” Contreras
elenco
Silvia Del Carmen Castaños, Estefanía “Beba” Contreras
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Hummingbirds é dirigido por Silvia Del Carmen Castaños e Estefanía “Beba” Contreras, e estrelado por elas mesmas. As amigas inseparáveis apresentam uma versão levemente ficcionalizadas de si próprias: uma garota mexicana, esperando a permissão norte-americana para trabalhar no país vizinho; e outra nascida nos Estados Unidos, porém filha de mexicanos. Elas vivem em Laredo, Texas, cidade onde aparentemente há pouco a fazer para duas jovens adultas. 

Por isso, as garotas se deitam no carro de uma pessoa qualquer, e contam as estrelas; furtam itens de uma loja; frequentam o bingo com pessoas idosas; raspam o cabelo quando estão entediadas. Há um caráter perene de “querido diário” nesta produção onde os meios constituem os fins. A dupla nunca pretende transmitir uma mensagem específica, nem refletir em profundidade acerca da sensação de pertencimento ou estrangeirismo dos descendentes de mexicanos em solo americano. Elas querem se filmar, fazendo o que bem entendem, e torcendo para que esta espontaneidade e humildade se encarregue do discurso. 

O resultado possui um teor propício aos programas da saudosa MTV, estrelados por adolescentes que se introduziam no que viria a ser conhecido como os fenômenos de individualização e solidão do jovem contemporâneo. Há um caráter de Jackass, quando as protagonistas colocam o amigo gay num carrinho de supermercado e o arrastam pelas avenidas da cidade, ao lado dos carros. Mas a extinta emissora também se faz sentir pela estética das vinhetas, pela sensação de uma inconsequência divertida, de um hedonismo lúdico, próximo do infantil. Por isso, ambas compram óculos de sol engraçados para usar no bingo, entoam canções pop à atendente do drive thru e pregam peças na casa do vizinho conservador.

Silvia e Estefanía acreditam no valor de se filmarem da maneira mais espontânea possível, efetuando gestos corriqueiros. A expressão aleatória de si próprio aspira, em nossos tempos, à aura de verdade.

Trata-se de uma forma de rebeldia que se opõe a “tudo o que está aí”, sem saber ao certo contra quem reclamar, de quê, e o quê exigir em substituição à atual configuração das coisas. O protesto se torna um gesto retórico, uma busca por expurgo e senso de autossatisfação, ainda que nunca produza qualquer efeito prático. O comportamento obviamente contamina o projeto inteiro, de quem as protagonistas são indissociáveis: o filme a favor do aborto e dos direitos dos imigrantes jamais sabe ao certo contra quem se opor. Poderiam ir à câmara legislativa da cidade? Colocar pressão nos representantes locais? Nada disso. Elas brincam de correr pela rua, gritando “o último que chegar é republicano”. A quem interessar possa, não estamos contentes com a sociedade atual. Fica o aviso.

Esta linguagem MTV não tarda a se encontrar com uma ideologia TikTok, mais apropriada à década de 2020. Silvia e Estefanía acreditam no valor de se filmarem da maneira mais espontânea possível, efetuando gestos corriqueiros. A expressão aleatória de si próprio aspira, em nossos tempos, à aura de verdade. Quando os noticiários e a mídia tradicional adquiriram um caráter perverso de “fake news” e manipulação em massa, apenas o rosto de duas garotas, pulando num parque vazio e brincando com a areia do chão parece transmitir uma forma de realismo digna de crença.

Logo, a forma se converte em mensagem, e a presença “sem filtros” das cineastas, em sintoma de qualidade. Elas ocupam, sozinhas, a integralidade das cenas. Raramente se busca as mães, ou outros membros da comunidade hispânica. O amigo latino e gay também soa isolado. Apesar das risadas ininterruptas de ambas, paira um caráter triste nestas imagens. A dupla parece tentar se convencer, o tempo inteiro, de sua própria felicidade, apesar de viverem numa cidade que não as reconhece nem valoriza, em empregos ruins, sem laços amorosos duráveis para além da amizade uma com a outra. 

Neste sentido, praticam um cinema-selfie, uma arte em tempo de redes sociais, onde todos parecem mais felizes, mais bonitos, mais performáticos do que de fato são, quando a câmera se desliga. Hummingbirds transmite a utopia teen de um telefone celular que não desliga jamais, ou de uma live de 75 minutos para seus seguidores, garantindo bom engajamento e quantidade considerável de seguidores. O cinema caseiro e de baixo orçamento, em estilo faça-você-mesmo, se torna a extensão lógica deste procedimento, no qual, para alguém existir, precisa ser visto pelo maior número de pessoas, em suas roupas comuns, dentro de sua casa e na rua, cantando e fazendo danças virais.

As belezas do filme surgem no instante em que a alegria vendável se interrompe rapidamente, ou na pequena lacuna entre sequências isoladas. Quando Estefanía observa México no horizonte (mas a fotografia desfoca a imagem, restringindo a profundidade de campo), ou quando Silvia discute a situação de sua mãe, o espectador descobre algo que não pertence à performance, à sedução do espectador através da melhor imagem de si próprio. Nas raras vezes em que o autoteatro descansa, percebemos as excelentes personagens que elas poderiam ter sido sob o olhar de outra pessoa, para além de si próprias.

Ao final, o documentário-drama-comédia produziu aplausos extremamente calorosos no Festival de Berlim, onde venceu o prêmio principal da mostra Geração 14+, dedicada a histórias sobre a juventude. É preciso reconhecer que, apesar das limitações do discurso, esta forma de comunicação promoveu o engajamento eficaz com o espectador atual. Ao invés dos “grandes personagens” de documentários sobre a Guerra na Ucrânia ou a poesia iraniana militante, as duas jovens americanas-mexicanas se parecem muito com cada um de nós, pessoas comuns, que não lutam contra um sistema nem possuem qualidades particulares.

Este é o tempo de vitória do homem (ou da mulher) comum, que enfrenta as mesmas dificuldades financeiras, o mesmo tédio, a mesma vontade de ser visto e apreciado pelos outros. Na Berlinale, o público permaneceu, em peso, para o debate e o encontro com as cineastas — em quantidade muito superior aos debates nas salas vizinhas. Talvez Estefanía e Silvia sejam as verdadeiras heroínas desta geração, por levarem a imagem de si próprias, com seus defeitos e qualidades, ao maior número possível de pessoas. Para além de cineastas e jovens, tornam-se celebridades.

Hummingbirds (2023)
5
Nota 5/10

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