Migrantes do Nordeste, vivendo no Sudeste, elencam os elementos de que têm saudade em suas regiões de origem. Lembram as brincadeiras de infância, o hábito de comer formigas, as frutas preferidas, as músicas que escutavam, a educação fornecida pelos pais. Resgatam os namoricos, evocam as anedotas mais divertidas ou improváveis. Transmitem, em linha geral, a saudade daqueles bons tempos que não voltam mais.
O documentário procura constituir uma homenagem a estas pessoas que, mesmo distantes, ainda carregam o sertão e sua cultura consigo. Trata-se de cidadãos comuns, de idades variadas, sendo homens e mulheres, brancos e negros. Apesar das diferenças, pronunciam-se em uníssono: o grupo ostenta tom homogeneamente saudoso pela terra que deixaram por necessidade, não por falta de apreciação. Multiplicam-se os sorrisos nostálgicos e o teor de afeto compartilhado e generalizado.
No entanto, os criadores demonstram interesse nulo em compreender os deslocamentos enquanto fenômeno político, econômico, histórico. Que momento propiciou mais partidas do Nordeste? Como a situação se transformou ao longo do tempo? Alguma política permitiu retornos? De que maneira estes fluxos modificam as culturas e a formação social de cada região? Nenhuma investigação sociológica existe em Jovem que Desceu do Norte. Interessam somente as pequenas memórias, as lembranças cotidianas.
O documentário romantiza o passado e idealiza o sertão utópico. Quanto mais se afasta do realismo, graças à animação lúdica e aos sorrisos generalizados, mais se desconecta de uma representação do Brasil contemporâneo.
Por isso, todos os Estados deste sertão imaginário se equivalem, assim como todas as épocas. Os personagens, com o passar da narrativa, convertem-se num só — não um somatório de subjetividades diversas, mas um coro destinado a reforçar a percepção única e saudosa do migrante afável. Apesar do tom agradável das conversas (os personagens estão obviamente confortáveis diante das câmeras, por mérito da cineasta), elas transmitem uma compreensão superficial das experiências.
Descobre-se que a galeria de personagens teve infâncias duras, porém amorosas. Guardam lembranças positivas, apesar das dificuldades. Migraram por necessidade. Acostumaram-se às novas cidades onde estabeleceram residência, mas sempre guardarão uma ternura ímpar por suas raízes. Lembram-se com frequência daquelas terras, dos pais, da juventude. Trata-se de um senso comum a respeito dos fluxos migratórios; uma reiterada constatação do óbvio. Este poderia constituir o ponto de partida de uma obra destinada a aprofundar o debate, porém, neste caso, representa igualmente o ponto de chegada do discurso.
A estética provoca uma rápida sensação de esgotamento. Cada personagem é entrevistado num único enquadramento, durante somente uma conversa. Posto que a fala domina a narrativa — trata-se dos famosos talking heads, as cabeças falantes —, os mesmos sujeitos apresentados nos primeiros dez minutos se repetem até a conclusão. A animação lúdica, de teor infantil, limita-se à ilustração da fala, evitando provocar qualquer fricção ou provocação face ao conteúdo sonoro. Assim, passados os instantes iniciais, a linguagem não tem mais nada novo a apresentar, em termos de montagem ou ritmo, até a conclusão.
Resta a incômoda impressão de que os criadores careciam de material, e sobretudo de maior ousadia de linguagem, para sustentar um longa-metragem. A abordagem singela está longe de constituir um demérito (excelentes documentários como Novembro extraíram conteúdo complexo e instigante a partir da fala de sujeitos comuns), no entanto, o tratamento esbarra numa ingenuidade convertida em meio e finalidade. O afeto pode compor o discurso junto à reflexão, porém jamais se substituir a ele. Carinho e sorrisos constituem pouco para um tema de tamanha responsabilidade, tal qual a polaridade Nordeste-Sudeste, sobretudo no Brasil pós-Bolsonaro.
A abordagem também pode ser questionada por esta sugestão, há muito tempo superada nos estudos sociais, de uma inocência campestre, uma pureza das pessoas que vêm do campo, sempre tão generosas, tão afáveis, tão carinhosas, pois afastadas das megalópoles individualistas, que aniquilam os laços de uma comunidade unida. Desenha-se um elemento depreciativo, pois redutor, ao colocar cidadãos nordestinos em posição de passividade diante de fenômenos violentos como os deslocamentos forçados, a separação familiar, o peso físico e psicológico da miséria.
A certa altura, o roteiro ameaça investigar raízes da desigualdade de renda e de oportunidades, quando menciona, por alto, a memória do cangaço. Entretanto, o segmento soa curto e insuficiente, pois desconectado do resto da trama, quando as pessoas se limitam a falar de si próprias. Por isso, ao evocarem didaticamente Lampião e Maria Bonita, parecem não deter conhecimento suficiente para tal — uma personagem sugere, inclusive, a superação da pobreza graças ao amor formado entre ambos.
Por fim, Jovem que Desceu do Norte romantiza o passado e idealiza o sertão utópico. Quanto mais se afasta do realismo, graças à animação lúdica e aos sorrisos generalizados, mais se desconecta de uma representação do Brasil contemporâneo. Ora, a ternura não deveria ser avessa ao senso crítico, enquanto a homenagem a pessoas e regiões poderia se conjugar com a investigação acerca de causas e consequências das mudanças históricas.
Para amar estas pessoas, seria melhor tentar compreendê-las, sem se tornar refém das lembranças que tenham a contar. A passividade mais incômoda, ironicamente, seria aquela da direção, escutando as narrativas de terceiros de maneira tão atenta quanto pouco inquisidora. Através de uma imagem de baixo contraste, acadêmica e avessa a qualquer pretensão autoral, limita-se captar aquilo que tenham a dizer, deixando à montagem a tarefa de somente costurar as falas por afinidade temática. Há pouca construção, em termos cinematográficos e discursivos, a partir do material captado.