“Esse sou eu, e a minha história começa aqui”. Esta comédia parte de uma narração explicativa, em primeira pessoa, para auxiliar o espectador. A generosa voz off de Sebastian (Sebastian Maniscalco) descreve ponto a ponto sua personalidade, suas origens, seus laços afetivos. Apresenta o pai, o trabalho do homem idoso como cabeleireiro, a perda recente da mãe. Mapas são utilizados para situar a Itália na Europa, e a Sicília dentro do país (resgatando, inclusive, a analogia da bota ao citar a geografia italiana).
As obras originais da Netflix, especialmente as comédias românticas adolescentes estreladas por Lana Condor, Noah Centineo e Joey King ajudaram a popularizar esta forma didática, quase infantil, de comunicação com o público. Nada é descoberto ou pressentido pelo espectador. Ao contrário, toda informação relevante será apresentada de maneira clara, numa espécie de carta confessional do protagonista-narrador. A apresentação de cenários, objetos e personagens na banda sonora é acompanhada da devida imagem destes elementos em tela. Surge uma forma de cinema show and tell, ou “mostre e conte”, como fazem as crianças norte-americanas na escola primária.
Meu Pai É um Perigo vai além nessa estratégia. A diretora Laura Terruso, que já dirigiu estes filmes teen-explicativos para a Netflix (Dançarina Imperfeita, 2020), permite que a voz-guia introduza os principais conflitos e repita cenas recém-mostradas. Ao revelar a namorada Ellie (Leslie Bibb), Sebastian explica: “Ela é o oposto de mim”, por ter crescido numa família rica. Está posto o dilema central do rapaz de origem popular. Imediatamente após gritar com o pai e ficar nu em frente aos sogros, o narrador retorna para dizer: “Ontem, eu gritei com meu pai e mostrei as bolas a todos”. Ora, caro filme, nós, espectadores, sabemos disso, porque acabamos de assistir a estas cenas. Será que a direção supõe um espectador distraído com o telefone celular?
Na primeira metade, a mecânica se resume ao choque entre opostos comicamente exagerados. Mas quando tudo parecia perdido, o filme melhora consideravelmente.
As lições de vida, bastante simples, serão repetidas e mastigadas: “Eu me concentrei tanto em agradar à família de Ellie que perdi o foco no que vim fazer aqui”, reflete Sebastian, a respeito da viagem com os futuros sogros ricos. Os criadores supõem um espectador muito, muito ignorante, com capacidades cognitivas limitadíssimas. Ao invés de nos ajudar, o discurso paternalista nos pega pela mão e impede qualquer forma de reflexão por conta própria. Assim, esmiúça exatamente o que devemos pensar, quando nos emocionar, e quando ficar empolgados. O espectador é colocado em postura de total passividade.
Na primeira metade da narrativa, a mecânica se resume ao choque entre opostos comicamente exagerados. Por um lado, há a família riquíssima, munida de helicópteros, vivendo em mansões por onde circulam belos pavões. Por outro lado, existe a casa modesta dos Maniscalco, a vida no salão de beleza, os gestos menos refinados de se borrifar de colônia antes de dormir. Os primeiros são elegantes, e os segundos, grosseiros. Os burgueses carregam um sorriso nos lábios, ao contrário das reclamações frequentes do pai rabugento (Robert De Niro).
O embate entre tranquilos e neuróticos aproxima o resultado da dinâmica quase obrigatória em comédias populares da Globo Filmes, por exemplo. O espectador deve reconhecer a premissa do humor físico e dos objetos voando em direção a testículos: aqui, há bolas de tênis atingindo a virilha dos jogadores; protagonistas cujo calção de banho cai durante uma manobra aquática, e o pênis esfregado contra o vidro por trás do se encontram os familiares. Todos ficam assombrados, enojados, traumatizados diante da genitália — é curiosa a maneira como a comédia infantiliza nossa relação com a nudez.
Quando tudo parecia perdido, o filme melhora consideravelmente. Na segunda metade, as palhaçadas se atenuam, e o ritmo se tranquiliza. O narrador-professor se faz menos presente, e a diretora compreende, enfim, que possui em mãos um material humano de potencial. Neste instante, o confronto Romeu pobre versus Julieta rica é deixado em segundo plano, para que o reencontro de pai e filho assuma a dianteira. O único relacionamento dotado de alguma nuance se encontra, de fato, entre os Maniscalco. O pai amargurado se torna participativo até demais, revelando alguns segredos perversos. Enfim, um ator do porte de De Niro ganha algum material a trabalhar.
Logo, o projeto se fortalece ao compreender que a única relação de amor de relevância neste cenário modesto se situa entre pai e filho. Trata-se de dois homens de gerações diferentes, sustentando pontos de vista (políticos e morais) opostos entre a preservação das raízes estrangeiras e a assimilação de um consumismo à americana. O fato que a família rica seja relativamente progressista e acolhedora, ao invés de um poço trumpista de rejeição às minorias, também permite se afastar das polaridades óbvias para buscar outra forma de enfrentamento.
A esperteza da metade final reside no fato de manter as regras esperadas da comédia romântica, embora transferidas ao laço de pai e filho. Após a inevitável briga entre as diferenças, o grande discurso de perdão, revelando o amor guardado esse tempo inteiro, ocorre entre os Maniscalcos, ao invés da garota. São estes homens que dormem juntos durante todo o filme, e que aceitam tacitamente esconder o assassinato de um pássaro em nome da convivência pacífica. A única forma de intimidade e sensibilidade se transmite na dupla.
Os homens permitem se mostrar frágeis, sentimentais, patéticos — Sebastian chora demais, e quando a namorada sugere uma relação sexual, o rapaz rapidamente se esquiva. Já a esposa burguesa possui um alto cargo na política, ao contrário do marido paspalhão. Na trinca de filhos abastados, os dois rapazes se mostram inúteis e tolos, ao contrário das iniciativas pragmáticas de Ellie. Isso ainda é pouco, no interior de cinema tão castrador e paternalista (o termo é divertido). No entanto, ele salva o início desastroso para oferecer, no final, uma comédia relativamente acima da média. Ainda revela um De Niro despojado, aceitando parodiar a si mesmo, vestido de presente de Natal e fazendo a “dança do passarinho”.