Meu Pai É um Perigo (2023)

Outra história de amor

título original (ano)
About My Father (2023)
país
Estados Unidos
gênero
Comédia
Duração
89 minutos
direção
Laura Terruso
elenco
Sebastian Maniscalco, Robert De Niro, Leslie Bibb, Kim Cattrall, Leslie Bibb, David Rasche, Anders Holm, Brett Dier, André Wilkerson, Laura Ault, Carla Christina Contreras, Bruce Cooper, Arielle Prepetit
visto em
Cinemas

“Esse sou eu, e a minha história começa aqui”. Esta comédia parte de uma narração explicativa, em primeira pessoa, para auxiliar o espectador. A generosa voz off de Sebastian (Sebastian Maniscalco) descreve ponto a ponto sua personalidade, suas origens, seus laços afetivos. Apresenta o pai, o trabalho do homem idoso como cabeleireiro, a perda recente da mãe. Mapas são utilizados para situar a Itália na Europa, e a Sicília dentro do país (resgatando, inclusive, a analogia da bota ao citar a geografia italiana).

As obras originais da Netflix, especialmente as comédias românticas adolescentes estreladas por Lana Condor, Noah Centineo e Joey King ajudaram a popularizar esta forma didática, quase infantil, de comunicação com o público. Nada é descoberto ou pressentido pelo espectador. Ao contrário, toda informação relevante será apresentada de maneira clara, numa espécie de carta confessional do protagonista-narrador. A apresentação de cenários, objetos e personagens na banda sonora é acompanhada da devida imagem destes elementos em tela. Surge uma forma de cinema show and tell, ou “mostre e conte”, como fazem as crianças norte-americanas na escola primária.

Meu Pai É um Perigo vai além nessa estratégia. A diretora Laura Terruso, que já dirigiu estes filmes teen-explicativos para a Netflix (Dançarina Imperfeita, 2020), permite que a voz-guia introduza os principais conflitos e repita cenas recém-mostradas. Ao revelar a namorada Ellie (Leslie Bibb), Sebastian explica: “Ela é o oposto de mim”, por ter crescido numa família rica. Está posto o dilema central do rapaz de origem popular. Imediatamente após gritar com o pai e ficar nu em frente aos sogros, o narrador retorna para dizer: “Ontem, eu gritei com meu pai e mostrei as bolas a todos”. Ora, caro filme, nós, espectadores, sabemos disso, porque acabamos de assistir a estas cenas. Será que a direção supõe um espectador distraído com o telefone celular?

Na primeira metade, a mecânica se resume ao choque entre opostos comicamente exagerados. Mas quando tudo parecia perdido, o filme melhora consideravelmente.

As lições de vida, bastante simples, serão repetidas e mastigadas: “Eu me concentrei tanto em agradar à família de Ellie que perdi o foco no que vim fazer aqui”, reflete Sebastian, a respeito da viagem com os futuros sogros ricos. Os criadores supõem um espectador muito, muito ignorante, com capacidades cognitivas limitadíssimas. Ao invés de nos ajudar, o discurso paternalista nos pega pela mão e impede qualquer forma de reflexão por conta própria. Assim, esmiúça exatamente o que devemos pensar, quando nos emocionar, e quando ficar empolgados. O espectador é colocado em postura de total passividade.

Na primeira metade da narrativa, a mecânica se resume ao choque entre opostos comicamente exagerados. Por um lado, há a família riquíssima, munida de helicópteros, vivendo em mansões por onde circulam belos pavões. Por outro lado, existe a casa modesta dos Maniscalco, a vida no salão de beleza, os gestos menos refinados de se borrifar de colônia antes de dormir. Os primeiros são elegantes, e os segundos, grosseiros. Os burgueses carregam um sorriso nos lábios, ao contrário das reclamações frequentes do pai rabugento (Robert De Niro). 

O embate entre tranquilos e neuróticos aproxima o resultado da dinâmica quase obrigatória em comédias populares da Globo Filmes, por exemplo. O espectador deve reconhecer a premissa do humor físico e dos objetos voando em direção a testículos: aqui, há bolas de tênis atingindo a virilha dos jogadores; protagonistas cujo calção de banho cai durante uma manobra aquática, e o pênis esfregado contra o vidro por trás do se encontram os familiares. Todos ficam assombrados, enojados, traumatizados diante da genitália — é curiosa a maneira como a comédia infantiliza nossa relação com a nudez. 

Quando tudo parecia perdido, o filme melhora consideravelmente. Na segunda metade, as palhaçadas se atenuam, e o ritmo se tranquiliza. O narrador-professor se faz menos presente, e a diretora compreende, enfim, que possui em mãos um material humano de potencial. Neste instante, o confronto Romeu pobre versus Julieta rica é deixado em segundo plano, para que o reencontro de pai e filho assuma a dianteira. O único relacionamento dotado de alguma nuance se encontra, de fato, entre os Maniscalco. O pai amargurado se torna participativo até demais, revelando alguns segredos perversos. Enfim, um ator do porte de De Niro ganha algum material a trabalhar.

Logo, o projeto se fortalece ao compreender que a única relação de amor de relevância neste cenário modesto se situa entre pai e filho. Trata-se de dois homens de gerações diferentes, sustentando pontos de vista (políticos e morais) opostos entre a preservação das raízes estrangeiras e a assimilação de um consumismo à americana. O fato que a família rica seja relativamente progressista e acolhedora, ao invés de um poço trumpista de rejeição às minorias, também permite se afastar das polaridades óbvias para buscar outra forma de enfrentamento.

A esperteza da metade final reside no fato de manter as regras esperadas da comédia romântica, embora transferidas ao laço de pai e filho. Após a inevitável briga entre as diferenças, o grande discurso de perdão, revelando o amor guardado esse tempo inteiro, ocorre entre os Maniscalcos, ao invés da garota. São estes homens que dormem juntos durante todo o filme, e que aceitam tacitamente esconder o assassinato de um pássaro em nome da convivência pacífica. A única forma de intimidade e sensibilidade se transmite na dupla. 

Os homens permitem se mostrar frágeis, sentimentais, patéticos — Sebastian chora demais, e quando a namorada sugere uma relação sexual, o rapaz rapidamente se esquiva. Já a esposa burguesa possui um alto cargo na política, ao contrário do marido paspalhão. Na trinca de filhos abastados, os dois rapazes se mostram inúteis e tolos, ao contrário das iniciativas pragmáticas de Ellie. Isso ainda é pouco, no interior de cinema tão castrador e paternalista (o termo é divertido). No entanto, ele salva o início desastroso para oferecer, no final, uma comédia relativamente acima da média. Ainda revela um De Niro despojado, aceitando parodiar a si mesmo, vestido de presente de Natal e fazendo a “dança do passarinho”.

Meu Pai É um Perigo (2023)
5
Nota 5/10

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