Todo o conflito de Max (Ruaridh Mollica) é apresentado na cena inicial. O jovem de 25 anos se encontra com um homem mais velho. Está visivelmente desconfortável, embora os dois façam sexo em seguida. O rapaz, chamado pelos clientes de Sebastian, pega o dinheiro e vai embora. Ao chegar em casa, escreve um novo capítulo de seu livro, citando em detalhes a interação daquela noite. O protagonista está escrevendo uma obra a respeito da prostituição em tempos de Internet e, por isso, decide se prostituir.
A premissa não é nova. Inúmeros dramas e suspenses partem de motivações semelhantes, às vezes com mulheres no papel principal (A Casa dos Prazeres, Elas, etc.). A especificidade de um relacionamento entre homens, e do agenciamento online, talvez conferisse algum ineditismo, caso o diretor Mikko Mäkelä estivesse realmente interessado em mergulhar nos meandros do Grindr, Scruff e sites de encontros com garotos de programa.
Ora, o cineasta deixa claro que a motivação de seu herói é “nobre”: ele se prostitui somente para escrever um livro melhor, mais complexo e realista. De certo modo, ele se sacrifica em nome da arte. O autor finlandês manifesta diversos focos que renderiam excelentes discussões, caso aprofundados. Ele questiona, a princípio, a necessidade de viver uma realidade para retratá-la. Apenas autores queer deveriam abordar realidades queer? Para escrever a respeito da prostituição, é necessário ter se prostituído? Em última medida, toda escrita seria um gesto necessariamente autobiográfico? O belo questionamento deontológico se interrompe a seguir.
O drama não sabe muito bem o que dizer a respeito da prostituição: deseja apresentar um olhar empoderado aos trabalhadores do sexo, embora solicite a Ruaridh Mollica que sobrecarregue, ao limite da caricatura, a timidez e ingenuidade do herói.
Em seguida, sugere que esta experiência se converteria numa obsessão para Max/Sebastian. Com cores soturnas e trilha sonora de suspense, insinua que o jovem perde o controle da realidade conforme mergulha no “submundo” da prostituição. Ele subitamente se mostra irresponsável no trabalho, desprezando oportunidades de promoção para privilegiar um novo encontro via aplicativo. Descreve-se o escritor como contaminado pelo prazer hedonista, sendo devidamente punido por isso. Esta camada beira o sensacionalismo e o moralismo, estimando que a profissão constituiria um caminho perigoso e, possivelmente, sem volta.
Ora, para a nossa surpresa, Mäkelä também deseja afirmar que o trabalho do sexo seria um emprego idêntico a qualquer outro, e igualmente digno. Afirma que seus representantes devem ostentar com orgulho seus atos e que, sendo adultos, agindo com consentimento, podem estampar seu ofício com um sorriso nos lábios. É curioso que este desfecho chegue de maneira tão abrupta, após 90 minutos de dúvidas, medos, angústias e arrependimentos por parte de Max. O roteiro, escrito unicamente pelo cineasta, transparece a impressão incômoda de um trabalho a várias mãos, quando se percebe sensibilidades e intenções excessivas, e incompatíveis entre si.
Além disso, o texto possui extrema autoconsciência das críticas que pode receber. Conforme o livro de Max avança, os retornos da editora soam como autocríticas, ou confissões autocondescendentes do cineasta a respeito de sua obra. “Por que Sebastian manifesta tanta culpa ao se prostituir, se você defende que a prostituição seria motivo de orgulho?”. “A chegada de um homem mais velho torna os rumos românticos demais”, “Você não é obrigado a fazer um drama trágico sobre jovens que se prostituem, mas tinha me prometido uma descrição crua a respeito”. Mäkelä decide se antecipar aos críticos, embutindo as reflexões nos diálogos. Estima que a autoconsciência a respeito das possíveis falhas o redima de responsabilidade pelas mesmas.
Por isso, o projeto soa perdido. Parte de ótimos pontos de partida, porém, não desenvolve nenhum deles. Em especial, não sabe muito bem o que dizer a respeito da prostituição: deseja apresentar um olhar empoderado aos trabalhadores do sexo, embora solicite a Ruaridh Mollica que sobrecarregue, ao limite da caricatura, a timidez e ingenuidade do herói. Começa sugerindo que o livro de Max seria importantíssimo, apenas para dispensá-lo a seguir. Esquece a obsessão da subtrama noturna; e minimiza o papel das redes sociais e aplicativos, numa trama que pretendia analisá-los.
Além disso, o drama sustenta que a vida de garotos de programa seria muito mais do que sexo e encontros, embora não consiga descrever minimamente as relações familiares e de amizade do protagonista. O fim de semana com a mãe se limita a diálogos úteis para o conflito do protagonista (com o conselho para o jovem não se expor tanto nas redes), enquanto a melhor amiga surge apenas para escutar, apoiar e dar a réplica a Max. Jamais investigamos a subjetividade de Amna (Hiftu Quasem) para além da função conveniente de melhor-amiga-do-personagem-gay.
Esteticamente, Sebastian manifesta a aparência convencional do “drama europeu de qualidade”. A direção de fotografia protocolar de Iikka Salminen se foca nos rostos, sempre com o fundo desfocado com flares azulados da cidade, ou um contraluz de lâmpadas amareladas no quarto de hotel. A insistência no rosto do ator principal prejudica a obra, visto que ele possui variação ínfima, apoiando-se na introversão excessiva e falas gaguejadas. Ao receber um enésimo chamado para programas em seu celular, ainda se mostra atormentado, como se fosse a primeira vez.
Pelo menos, o drama retrata o sexo de maneira mais frontal e naturalista do que a média dos projetos do gênero. Ainda evita cuidadosamente a nudez masculina através da escolha de ângulos e de objetos escondendo o pênis (o tradicional lençol cobrindo o corpo pós-coito). Mesmo assim, dá um passo adiante rumo a desmistificar o corpo enquanto elemento inerentemente pornográfico.
Apesar de suas falhas e indecisões conceituais, a presença de Sebastian no circuito comercial brasileiro é motivo de comemoração. A distribuidora Imovision tem investido em diversas obras queer, algumas mais ousadas e afrontosas (Parque de Diversões, O Visitante), outras mais fracas. Nem todas podem ser obras-primas, é claro — nenhum gênero possui aproveitamento máximo. Espera-se que, na exploração de qualquer tema ou gênero, algumas iniciativas sejam mais bem-sucedidas que outras. Mas a simples ocupação destas narrativas em nosso circuito comercial contribui à visibilidade e naturalização do tema, dos corpos e das subjetividades LGBTQIA+.