Sebastian (2024)

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título original (ano)
Sebastian (2024)
país
Reino Unido, Finlândia, Bélgica
gênero
Drama
duração
110 minutos
direção
Mikko Mäkelä
elenco
Ruaridh Mollica, Hiftu Quasem, Jonathan Hyde, Ingvar Sigurdsson, Dylan Brady, Pedro Minas, Leanne Best, Lara Rossi
visto em
Cinemas

Todo o conflito de Max (Ruaridh Mollica) é apresentado na cena inicial. O jovem de 25 anos se encontra com um homem mais velho. Está visivelmente desconfortável, embora os dois façam sexo em seguida. O rapaz, chamado pelos clientes de Sebastian, pega o dinheiro e vai embora. Ao chegar em casa, escreve um novo capítulo de seu livro, citando em detalhes a interação daquela noite. O protagonista está escrevendo uma obra a respeito da prostituição em tempos de Internet e, por isso, decide se prostituir.

A premissa não é nova. Inúmeros dramas e suspenses partem de motivações semelhantes, às vezes com mulheres no papel principal (A Casa dos Prazeres, Elas, etc.). A especificidade de um relacionamento entre homens, e do agenciamento online, talvez conferisse algum ineditismo, caso o diretor Mikko Mäkelä estivesse realmente interessado em mergulhar nos meandros do Grindr, Scruff e sites de encontros com garotos de programa. 

Ora, o cineasta deixa claro que a motivação de seu herói é “nobre”: ele se prostitui somente para escrever um livro melhor, mais complexo e realista. De certo modo, ele se sacrifica em nome da arte. O autor finlandês manifesta diversos focos que renderiam excelentes discussões, caso aprofundados. Ele questiona, a princípio, a necessidade de viver uma realidade para retratá-la. Apenas autores queer deveriam abordar realidades queer? Para escrever a respeito da prostituição, é necessário ter se prostituído? Em última medida, toda escrita seria um gesto necessariamente autobiográfico? O belo questionamento deontológico se interrompe a seguir.

O drama não sabe muito bem o que dizer a respeito da prostituição: deseja apresentar um olhar empoderado aos trabalhadores do sexo, embora solicite a Ruaridh Mollica que sobrecarregue, ao limite da caricatura, a timidez e ingenuidade do herói.

Em seguida, sugere que esta experiência se converteria numa obsessão para Max/Sebastian. Com cores soturnas e trilha sonora de suspense, insinua que o jovem perde o controle da realidade conforme mergulha no “submundo” da prostituição. Ele subitamente se mostra irresponsável no trabalho, desprezando oportunidades de promoção para privilegiar um novo encontro via aplicativo. Descreve-se o escritor como contaminado pelo prazer hedonista, sendo devidamente punido por isso. Esta camada beira o sensacionalismo e o moralismo, estimando que a profissão constituiria um caminho perigoso e, possivelmente, sem volta.

Ora, para a nossa surpresa, Mäkelä também deseja afirmar que o trabalho do sexo seria um emprego idêntico a qualquer outro, e igualmente digno. Afirma que seus representantes devem ostentar com orgulho seus atos e que, sendo adultos, agindo com consentimento, podem estampar seu ofício com um sorriso nos lábios. É curioso que este desfecho chegue de maneira tão abrupta, após 90 minutos de dúvidas, medos, angústias e arrependimentos por parte de Max. O roteiro, escrito unicamente pelo cineasta, transparece a impressão incômoda de um trabalho a várias mãos, quando se percebe sensibilidades e intenções excessivas, e incompatíveis entre si.

Além disso, o texto possui extrema autoconsciência das críticas que pode receber. Conforme o livro de Max avança, os retornos da editora soam como autocríticas, ou confissões autocondescendentes do cineasta a respeito de sua obra. “Por que Sebastian manifesta tanta culpa ao se prostituir, se você defende que a prostituição seria motivo de orgulho?”. “A chegada de um homem mais velho torna os rumos românticos demais”, “Você não é obrigado a fazer um drama trágico sobre jovens que se prostituem, mas tinha me prometido uma descrição crua a respeito”. Mäkelä decide se antecipar aos críticos, embutindo as reflexões nos diálogos. Estima que a autoconsciência a respeito das possíveis falhas o redima de responsabilidade pelas mesmas. 

Por isso, o projeto soa perdido. Parte de ótimos pontos de partida, porém, não desenvolve nenhum deles. Em especial, não sabe muito bem o que dizer a respeito da prostituição: deseja apresentar um olhar empoderado aos trabalhadores do sexo, embora solicite a Ruaridh Mollica que sobrecarregue, ao limite da caricatura, a timidez e ingenuidade do herói. Começa sugerindo que o livro de Max seria importantíssimo, apenas para dispensá-lo a seguir. Esquece a obsessão da subtrama noturna; e minimiza o papel das redes sociais e aplicativos, numa trama que pretendia analisá-los. 

Além disso, o drama sustenta que a vida de garotos de programa seria muito mais do que sexo e encontros, embora não consiga descrever minimamente as relações familiares e de amizade do protagonista. O fim de semana com a mãe se limita a diálogos úteis para o conflito do protagonista (com o conselho para o jovem não se expor tanto nas redes), enquanto a melhor amiga surge apenas para escutar, apoiar e dar a réplica a Max. Jamais investigamos a subjetividade de Amna (Hiftu Quasem) para além da função conveniente de melhor-amiga-do-personagem-gay.

Esteticamente, Sebastian manifesta a aparência convencional do “drama europeu de qualidade”. A direção de fotografia protocolar de Iikka Salminen se foca nos rostos, sempre com o fundo desfocado com flares azulados da cidade, ou um contraluz de lâmpadas amareladas no quarto de hotel. A insistência no rosto do ator principal prejudica a obra, visto que ele possui variação ínfima, apoiando-se na introversão excessiva e falas gaguejadas. Ao receber um enésimo chamado para programas em seu celular, ainda se mostra atormentado, como se fosse a primeira vez. 

Pelo menos, o drama retrata o sexo de maneira mais frontal e naturalista do que a média dos projetos do gênero. Ainda evita cuidadosamente a nudez masculina através da escolha de ângulos e de objetos escondendo o pênis (o tradicional lençol cobrindo o corpo pós-coito). Mesmo assim, dá um passo adiante rumo a desmistificar o corpo enquanto elemento inerentemente pornográfico.

Apesar de suas falhas e indecisões conceituais, a presença de Sebastian no circuito comercial brasileiro é motivo de comemoração. A distribuidora Imovision tem investido em diversas obras queer, algumas mais ousadas e afrontosas (Parque de Diversões, O Visitante), outras mais fracas. Nem todas podem ser obras-primas, é claro — nenhum gênero possui aproveitamento máximo. Espera-se que, na exploração de qualquer tema ou gênero, algumas iniciativas sejam mais bem-sucedidas que outras. Mas a simples ocupação destas narrativas em nosso circuito comercial contribui à visibilidade e naturalização do tema, dos corpos e das subjetividades LGBTQIA+. 

Sebastian (2024)
5
Nota 5/10

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