Um homem estrangeiro (Bishop Black) chega a uma casa de classe média-alta. Pai, mãe, filho, filha e empregada doméstica acolhem o sujeito misterioso, que se torna o foco de atenção de todos. Aos poucos, são seduzidos por sua presença, descobrindo desejos proibidos pela moral cristã. O hóspede vai embora, porém o quinteto sofre com o declínio do núcleo familiar após a passagem deste anjo do mal. A premissa de Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, é retomada por Bruce LaBruce em The Visitor, sua homenagem-refilmagem do clássico italiano.
Desta vez, no entanto, encontramo-nos numa forma de cinema bastante diferente. Câmera na mão, iluminação natural, som captado diretamente do dispositivo. O aspecto sombrio do drama original cede espaço ao pastiche assumido, no qual as subversões precisam ser escancaradas enquanto tais, com orgulho e rebeldia dignos de um adolescente. Pasolini havia criado uma metáfora cifrada das hipocrisias sociais. Já o norte-americano escancara seus significados ao limite da obviedade, e dificilmente chocará qualquer espectador que já conheça alguma de suas obras.
Isso porque a iniciativa parte de um ativismo cômodo. Parodia Teorema, mas também ridiculariza o pornô gay, ataca a extrema-direita e seu discurso xenofóbico, enquanto aproveita um estilo mambembe e caseiro de realização que havia se consolidado no imaginário norte-americano através de John Waters, muitas décadas atrás. Não apenas as referências, mas também a linguagem se tornam facilmente reconhecíveis. Se antes o corpo era um túmulo profanado, agora ele se converte numa festa: da primeira à última cena, os personagens fazem sexo, gritam e ficam nus pelo prazer de fazê-lo.
Pasolini havia criado uma metáfora cifrada das hipocrisias sociais. Já o norte-americano escancara seus significados ao limite da obviedade.
Enquanto isso, letreiros multicoloridos piscam em intervalos curtos. Às vezes, limitam-se a descrever os protagonistas de cada segmento, tal qual um intertítulo: “A mãe”, “O filho”. Adiante, efetuam pequenos comentários a respeito da própria narrativa, apontando o Complexo de Édipo do filho penetrando o pai, ou o instinto materno da mulher em relação ao desconhecido. Além disso, as cartelas emitem gritos de ordem e frases de efeito: “Deem uma chance à paz do cu!”, “Abram as fronteiras, abram as pernas”, “Por uma revolução erótica”.
Estas frases correspondem ao recurso menos instigante do projeto, pela incapacidade de traçar a mínima reflexão a partir destes temas. O fato de um homem nu e musculoso caminhar diante de um letreiro “Capitalismo” não expressa nenhuma ideia a respeito do impacto deste regime nos corpos, na sexualidade, no mundo. Os gritos pró-anarquismo e pró-revolução ignoram o mundo ao qual se opõem, de qual maneira tal revolução seria feita, e quais objetivos visam, face à inconformidade com as regras sociais. Basta a população mundial gozar livremente, e o capitalismo desaparece? O que entraria em seu lugar? Como se atingiria tal libertação universal? Mistério.
O problema é que, apesar de seu humor escrachado, LaBruce aparenta levar a sério este discurso profundo como um biscoito da sorte. Há um abismo separando os gestos de ridicularizar as convenções e de criticá-las. Não basta dividir a tela em quatro, trazer flashes piscantes e uma cena de sexo dentro de uma gigantesca sacola de loja para representar o consumismo contemporâneo. A este propósito, para um diretor que se firmou com produções pornográficas gays, as cenas de sexo se mostram particularmente mal filmadas, iluminadas e editadas. Nem se subverte o fetiche do pornô, nem se aposta no sexo “comum” entre corpos médios.
Isso porque The Visitor constitui uma obra fetichista a respeito do fetichismo. Ela estuda o tema, porém também desfruta da excitação proporcionada pela nudez e pelos pênis eretos. Como falar em desconstrução do consumo e da objetificação quando se elege sobretudo corpos idealizados e lambuzados de gel, em performances eróticas grandiloquentes, sob luz neon? LaBruce parece não saber ao certo o que deseja transmitir através destes encontros sexuais, para além do desejo de filmá-los e assistir a eles. O cineasta aparenta ser o consumidor número um de sua própria obra.
Outro questionamento fundamental diz respeito à raça do “visitante”: um homem negro, musculoso, nu desde a primeira cena. Ele será filmado em detalhes, de perto, enquanto urina, ejacula ou recebe sexo oral dos familiares, até o orgasmo. Quando é tomado pelo transe erótico, ostenta uma lente branca nos olhos que o converte num zumbi, ou uma criatura animalesca — característica delicada de atribuir à negritude. O cineasta reforça o imaginário ultrassexualizado de homens negros.
Mas o fato de assumi-lo o redime de responsabilidade por esta representação? Caso eu objetifique alguém, mas o reconheça em linguagem e discurso, isento-me de cobranças de ordem ética e moral graças à malícia metalinguística? No final, o protagonista declara que não quer ser interpretado enquanto o negro dos sonhos de todos, e sim um porta-voz revolução pansexual visando o esclarecimento político através do gozo. Trata-se de um discurso contraditório, para dizer o mínimo, em relação às imagens que antecedem o palavreado pseudomilitante.
Quanto à releitura de Teorema, LaBruce reproduz a estrutura narrativa, na ordem exata dos familiares, e alude a passagens do drama italiano: a timidez do garoto na cama, durante a noite; a empregada que levanta a saia após um instante de desejo sexual; o pai com as pernas erguidas sobre os ombros do hóspede. Entretanto, associações de ordem estética e política estão ausentes. Pasolini comunicava-se a partir de um rigor estético e um poder da sugestão que passa longe do equivalente norte-americano. O filme original estimava que o espectador deveria projetar seus desejos nas lacunas da trama. Já a homenagem deixa margem nula à imaginação, pois tudo está dito, visto, externalizado.
LaBruce tem razão quando declara que todo filme pornô possui uma carga política, e que podemos elaborar discursos provocadores a partir do sexo explícito. No entanto, seria preciso pensar na pornografia enquanto linguagem e discurso, ao invés de somente colar sexo + slogans publicitários. De que maneira a imagem seria provocadora em si? Qual seria uma linguagem anticapitalista? De que maneira o sexo assumido e orgulhoso valorizaria todos os corpos convidados para tal revolução? Ou apenas homens padronizados e musculosos participam à descolonização dos afetos? Como estas pautas cruzam questões de raça, gênero e classe social? Ainda existe um longo caminho conceitual a percorrer.