The Visitor (2024)

"Abram as fronteiras, abram as pernas"

título original (ano)
The Visitor (2024)
país
Reino Unido
gênero
Terror, Fantasia, Erótico
duração
101 minutos
direção
Bruce LaBruce
elenco
Bishop Black, Macklin Kowal, Amy Kingsmill, Kurtis Lincoln, Ray Filar, Luca Federici
visto em
74º Festival de Cinema de Berlim (2024)

Um homem estrangeiro (Bishop Black) chega a uma casa de classe média-alta. Pai, mãe, filho, filha e empregada doméstica acolhem o sujeito misterioso, que se torna o foco de atenção de todos. Aos poucos, são seduzidos por sua presença, descobrindo desejos proibidos pela moral cristã. O hóspede vai embora, porém o quinteto sofre com o declínio do núcleo familiar após a passagem deste anjo do mal. A premissa de Teorema (1968), de Pier Paolo Pasolini, é retomada por Bruce LaBruce em The Visitor, sua homenagem-refilmagem do clássico italiano.

Desta vez, no entanto, encontramo-nos numa forma de cinema bastante diferente. Câmera na mão, iluminação natural, som captado diretamente do dispositivo. O aspecto sombrio do drama original cede espaço ao pastiche assumido, no qual as subversões precisam ser escancaradas enquanto tais, com orgulho e rebeldia dignos de um adolescente. Pasolini havia criado uma metáfora cifrada das hipocrisias sociais. Já o norte-americano escancara seus significados ao limite da obviedade, e dificilmente chocará qualquer espectador que já conheça alguma de suas obras.

Isso porque a iniciativa parte de um ativismo cômodo. Parodia Teorema, mas também ridiculariza o pornô gay, ataca a extrema-direita e seu discurso xenofóbico, enquanto aproveita um estilo mambembe e caseiro de realização que havia se consolidado no imaginário norte-americano através de John Waters, muitas décadas atrás. Não apenas as referências, mas também a linguagem se tornam facilmente reconhecíveis. Se antes o corpo era um túmulo profanado, agora ele se converte numa festa: da primeira à última cena, os personagens fazem sexo, gritam e ficam nus pelo prazer de fazê-lo.

Pasolini havia criado uma metáfora cifrada das hipocrisias sociais. Já o norte-americano escancara seus significados ao limite da obviedade.

Enquanto isso, letreiros multicoloridos piscam em intervalos curtos. Às vezes, limitam-se a descrever os protagonistas de cada segmento, tal qual um intertítulo: “A mãe”, “O filho”. Adiante, efetuam pequenos comentários a respeito da própria narrativa, apontando o Complexo de Édipo do filho penetrando o pai, ou o instinto materno da mulher em relação ao desconhecido. Além disso, as cartelas emitem gritos de ordem e frases de efeito: “Deem uma chance à paz do cu!”, “Abram as fronteiras, abram as pernas”, “Por uma revolução erótica”.

Estas frases correspondem ao recurso menos instigante do projeto, pela incapacidade de traçar a mínima reflexão a partir destes temas. O fato de um homem nu e musculoso caminhar diante de um letreiro “Capitalismo” não expressa nenhuma ideia a respeito do impacto deste regime nos corpos, na sexualidade, no mundo. Os gritos pró-anarquismo e pró-revolução ignoram o mundo ao qual se opõem, de qual maneira tal revolução seria feita, e quais objetivos visam, face à inconformidade com as regras sociais. Basta a população mundial gozar livremente, e o capitalismo desaparece? O que entraria em seu lugar? Como se atingiria tal libertação universal? Mistério.

O problema é que, apesar de seu humor escrachado, LaBruce aparenta levar a sério este discurso profundo como um biscoito da sorte. Há um abismo separando os gestos de ridicularizar as convenções e de criticá-las. Não basta dividir a tela em quatro, trazer flashes piscantes e uma cena de sexo dentro de uma gigantesca sacola de loja para representar o consumismo contemporâneo. A este propósito, para um diretor que se firmou com produções pornográficas gays, as cenas de sexo se mostram particularmente mal filmadas, iluminadas e editadas. Nem se subverte o fetiche do pornô, nem se aposta no sexo “comum” entre corpos médios.

Isso porque The Visitor constitui uma obra fetichista a respeito do fetichismo. Ela estuda o tema, porém também desfruta da excitação proporcionada pela nudez e pelos pênis eretos. Como falar em desconstrução do consumo e da objetificação quando se elege sobretudo corpos idealizados e lambuzados de gel, em performances eróticas grandiloquentes, sob luz neon? LaBruce parece não saber ao certo o que deseja transmitir através destes encontros sexuais, para além do desejo de filmá-los e assistir a eles. O cineasta aparenta ser o consumidor número um de sua própria obra.

Outro questionamento fundamental diz respeito à raça do “visitante”: um homem negro, musculoso, nu desde a primeira cena. Ele será filmado em detalhes, de perto, enquanto urina, ejacula ou recebe sexo oral dos familiares, até o orgasmo. Quando é tomado pelo transe erótico, ostenta uma lente branca nos olhos que o converte num zumbi, ou uma criatura animalesca — característica delicada de atribuir à negritude. O cineasta reforça o imaginário ultrassexualizado de homens negros. 

Mas o fato de assumi-lo o redime de responsabilidade por esta representação? Caso eu objetifique alguém, mas o reconheça em linguagem e discurso, isento-me de cobranças de ordem ética e moral graças à malícia metalinguística? No final, o protagonista declara que não quer ser interpretado enquanto o negro dos sonhos de todos, e sim um porta-voz revolução pansexual visando o esclarecimento político através do gozo. Trata-se de um discurso contraditório, para dizer o mínimo, em relação às imagens que antecedem o palavreado pseudomilitante.

Quanto à releitura de Teorema, LaBruce reproduz a estrutura narrativa, na ordem exata dos familiares, e alude a passagens do drama italiano: a timidez do garoto na cama, durante a noite; a empregada que levanta a saia após um instante de desejo sexual; o pai com as pernas erguidas sobre os ombros do hóspede. Entretanto, associações de ordem estética e política estão ausentes. Pasolini comunicava-se a partir de um rigor estético e um poder da sugestão que passa longe do equivalente norte-americano. O filme original estimava que o espectador deveria projetar seus desejos nas lacunas da trama. Já a homenagem deixa margem nula à imaginação, pois tudo está dito, visto, externalizado.

LaBruce tem razão quando declara que todo filme pornô possui uma carga política, e que podemos elaborar discursos provocadores a partir do sexo explícito. No entanto, seria preciso pensar na pornografia enquanto linguagem e discurso, ao invés de somente colar sexo + slogans publicitários. De que maneira a imagem seria provocadora em si? Qual seria uma linguagem anticapitalista? De que maneira o sexo assumido e orgulhoso valorizaria todos os corpos convidados para tal revolução? Ou apenas homens padronizados e musculosos participam à descolonização dos afetos? Como estas pautas cruzam questões de raça, gênero e classe social? Ainda existe um longo caminho conceitual a percorrer.

The Visitor (2024)
4
Nota 4/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.