June e John (2025)

Carpe Diem à la Bresson

título original (ano)
June and John (2025)
país
França
gênero
Romance, Comédia, Fantasia
duração
92 minutos
direção
Luc Besson
elenco
Luke Stanton Eddy, Matilda Price, Dean Testerman, Ryan Shoos, Marceline Orallo, Don Scribner, Claire Montgomery
visto em
Cinemas

John (Luke Stanton Eddy) atravessa um período de crise. Embora a sinopse aponte para uma vida “monótona”, há eventos até demais acontecendo ao pobre rapaz: seu carro é guinchado, os pneus são furados, ele perde a carteira no táxi, tropeça e cai na rua, é insultado pelo chefe, e preso por policiais. Trata-se da esperada sequência de catástrofes visando representar um homem em situação de adversidade (emprego ruim, sem dinheiro, nem namorada). Até o momento em que o destino literalmente lhe oferece a solução imediata a todos os problemas: um amor à primeira vista. Avistada de relance no metrô, June (Matilda Price) pede ao triste herói que ligue para ela, embora não deixe o número. Que engraçado e adorável!

Ora, June proporciona amor incondicional, sexo instantâneo, dinheiro farto, e a sugestão de mandar o chefe às favas. Não se prenda a estes problemas, seja livre! Ela afirma ter somente 72 horas de vida (porque assim pressentiu num sonho), e arrasta o protagonista a fugir com ela rumo a lugar nenhum. Basta querer! Basta ter coragem! Com uma arma empunhada na cabeça, este anjo o força a ser feliz. Juntos, eles correm na praia ao pôr do sol, decidem se casar em Las Vegas, mergulham na piscina de um casarão e roubam um carro para percorrer estradas país afora. Absolutamente nenhum clichê do cinema indie e do road movie norte-americanos escapa a Besson em sua produção francesa falada em inglês.

June e John resulta num desastre total — uma proposta inacreditavelmente amadora para um cineasta de tamanha experiência.

Talvez algumas sensibilidades abraçassem esta premissa tão desgastada de maneira razoável. Richard Curtis (Questão de Tempo, Simplesmente Amor) investiria no aspecto romântico e voluntariamente idealista da proposta. Já Ridley Scott converteu a partida de duas figuras solitárias num enfrentamento do sistema em Thelma e Louise — no qual este novo longa-metragem é claramente inspirado. Ora, Besson está muito longe deste tipo de abordagens, que demandam sutileza e construção gradativa de psicologias e tons. Ele trabalha com figuras estáticas: John é o loser por excelência, numa caricatura da vida adulta tediosa, enquanto June é a empolgação interminável, numa caricatura da vivacidade infantil.

Além disso, o cineasta parece acreditar na profundidade desta singela iniciativa. Ele começa sua trama com sonhos de suicídio, e aparenta refletir, à sua maneira, acerca do estado das coisas. Os Estados Unidos descritos no início são marcados por pessoas em situação de rua, policiais perseguindo homens negros pelas avenidas, e empresas ensinando homens a não abusarem sexualmente de mulheres. As pessoas vestem máscaras no metrô, o que sugere um retrato dos tempos de Covid, ainda que os personagens estejam estranhamente imunes ao vírus. Afinal, para a trama fictícia, o coronavírus existe ou não? 

O longa-metragem também ameaça desenhar uma paródia do mundo corporativo no terço inicial, até esta ideia ser descartada por completo. Nenhum destes indícios de reflexão social se mantém por mais de alguns minutos devido à rígida estrutura de três atos bastante distintos: 1. O tédio do real, 2. Os prazeres da fuga, 3. O enfrentamento da morte. June e John jamais decide se pretende dialogar com nossa realidade palpável, ou constituir um grande sonho (a garota se assemelha, em diversos momentos, a uma alucinação do herói). Enquanto isso, pianos caem do céu para provar que tudo pode acontecer. Surpreende que o projeto deseje ser sério, profundo, questionador.

Isso se traduz em diálogos constrangedores, proferidos pela fada-madrinha June em estado de quase-delírio. “Como está a sua vida? O que você faria por amor?”, ela pergunta. “O futuro é um lugar desconhecido onde tudo é possível”, profetiza. “Você é um balão de ar quente preso ao chão”, ela critica (e dá-lhe imagens de balões de ar quente para ilustrar a tese). Diante das maravilhas da natureza, a jovem chora: “Que sorte é ser um pássaro! Ver o pôr do sol na praia, voar pelo azul infinito!”. Adivinha o que o casal fará em seguida? Embora a comicidade e o realismo fantástico justifiquem algumas concessões ao naturalismo, diversas interações beiram o ridículo, graças à convicção sepulcral deste imaginário, típico da autoajuda de banca de jornal.

O fato de ser filmado com um telefone celular poderia despertar interesse, caso a baixa qualidade da captação fosse assumida e explorada com propósito estético. Em Tangerina (2015), Sean Baker utilizava a imagem “marginal” para representar figuras marginais, aproveitando um senso de urgência e de mobilidade que apenas o celular permitiria. Em Distúrbio (2018), Steve Soderbergh utilizava o celular enquanto imagem escondida, e possivelmente imaginária, de uma mulher cuja saúde mental era questionada pelos personagens e pelo espectador. 

Ora, Besson nunca explora a seu favor as características específicas da filmagem caseira. O diretor de fotografia Tobias Deml simplesmente deixa passar os tons alaranjados e amarelados da filmagem (não seria possível uma correção de cor?) e a pixelização em cenas noturnas. Diversas cenas são muito pobres em termos de enquadramento, composição e movimentação de câmera — e nada disso estaria condicionado à presença do celular em cena. Os surtos iniciais de John e as passagens do diretor abusivo da empresa transparecem tamanha pobreza estética que as sequências soam mal concebidas e desenvolvidas — em outras palavras, filmadas às pressas, de qualquer maneira. A aula de natação na piscina beira o constrangimento devido às escolhas de fotografia e montagem.

Por isso, as atuações se mostram fracas, menos por inaptidão do elenco do que pela dificuldade de determinar um tom a seguir. Cada ator pertence a um universo diferente: o chefe de Dean Testerman vive numa história em quadrinhos; o amigo machista encarnado por Ryan Shoos pertence às comédias masculinas dos anos 1980 e 1990, e a condessa de Claire Montgomery ostenta o cinismo típico das séries de comédia contemporâneas (trata-se da melhor personagem do filme, aliás). Por isso, quando June sai de uma loja de vestidos, não sabemos se a prostituta vivida por Marceline Orallo irá ajudá-la ou assaltá-la — nem a atriz, ou o diretor, parecem saber ao certo o que fazer com estas cenas. O “sequestro” de John na empresa motiva embaraço semelhante: os atores deveriam levar a agressão a sério? Atuar como numa comédia pastelão? Ninguém sabe.

June e John resulta num desastre total — uma proposta inacreditavelmente amadora para um cineasta de tamanha experiência, e descontrolada demais para alguém com décadas de trabalho enquanto produtor. Filma-se com iPhone uma trama de décadas atrás; fala-se dos tempos de Covid, mas com medo de incluí-la na trama; contratam-se atores desconhecidos a quem não se permite criar uma única cena capaz de escapar aos piores clichês do romance, do road movie, do filme de aventuras. (Nem precisa dizer que a atriz fica nua em mais de uma oportunidade, enquanto o rapaz estará sempre vestido). June e John soa velho demais para o ano de 2025, além de inconsequente demais, em sua filmagem de-qualquer-jeito, para honrar os cânones do gênero.

June e John (2025)
2
Nota 2/10

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