É difícil dizer que as antologias de curtas-metragens de terror tenham gerado resultados particularmente empolgantes até agora. Em geral, destacam-se poucos filmes num conjunto fragilmente colado pela montagem. Surgem boas ideias esporádicas, cercadas por um grupo de obras que tentam (às vezes, exageradamente) chamar atenção a si mesmas no interior do coletivo múltiplo. As obras nem sempre cooperam e dialogam umas com as outras, podendo inclusive anular seus efeitos ou gerar certa forma de anestesia — quando tudo é intenso e chocante, nada realmente o é.
Entretanto, trata-se de projetos baratos, simples em termos de produção, e cuja estrutura surge a posteriori, na mesa de edição. O senso de liberdade dos fragmentos se alia a algo próximo da aleatoriedade. Logo, ganha-se em liberdade criativa e na possibilidade de explorar com orgulho o aspecto caseiro; e perde-se no desenvolvimento narrativo e no discurso. Não é difícil perceber que as peças foram criadas por artistas sem comunicação entre si. Podemos falar numa experiência mais bem-sucedida enquanto sessão de curtas-metragens do que na idealização de um longa coeso.
Neste contexto, a chegada de mais um episódio da franquia V/H/S desperta pouca animação prévia. O formato do digital antigo, especialmente com a linguagem do found footage (a imagem supostamente real, encontrada após a morte de quem as gravou) parece ter se esgotado décadas atrás. O que o estilo de 1999, na virada do milênio, poderia trazer de relevante ao cinema de 2022? O que teríamos a aprender, ou resgatar, da época de um cinema menos computadorizado, mais caseiro e artesanal?
No que diz respeito ao uso do found footage na narrativa, V/H/S 99 apresenta um problema visível na vasta maioria de produções do gênero. Os autores não conseguem criar motivos minimamente plausíveis para os personagens continuarem gravando enquanto estão sendo atacados por criaturas ferozes. Aqui, um personagem tem a perna quebrada em dois, porém continua segurando a câmera, apontando, filmando. Outra garota se afoga no interior do caixão cheio de água onde foi enterrada viva. Entretanto, segue filmando o próprio desespero.
O Mal surge com objetivo preciso, pedagógico, na função de um pai autoritário ou de uma criatura divina implacável.
O imperativo de forçar pessoas em perigo a registrarem sua decadência física e psicológica consiste num gesto perverso desta linguagem. Em termos narrativos, soa apenas conveniente: alguém precisaria estar filmando para as imagens existirem. Ora, as histórias de fantasmas e investigações sobrenaturais costumam explicar melhor a necessidade de registrar o fenômeno raramente visto. No caso da materialidade evidente e incontestável de um monstro, a vontade de gravar algo para a posteridade soa improvável, em oposição à necessidade mais urgente de sobreviver.
Curiosamente, as seis histórias partem de uma estrutura semelhante: os protagonistas malvados ou de caráter questionável exploram outras pessoas, seja num trote da universidade, num programa de televisão ou na câmera secreta instalada na casa da vizinha bonita. Eles parecem aproveitar a diversão da desgraça alheia, até uma criatura gigantesca e gosmenta surgir para puni-los por seus atos. A resposta aos sucessivos abusos se encontra na pena de morte: os heróis, sobretudo adolescentes irresponsáveis, recebem a pena capital por suas ações.
Logo, podemos falar numa instância moral do horror. Ele surge com objetivo preciso, pedagógico, na função de um pai autoritário ou de uma criatura divina implacável. O demônio, a Medusa, a criatura com tentáculos que irrompe da barriga de uma mulher obesa têm como função disciplinar os humanos abusivos. O perdão inexiste, pois os personagens mereceram a punição. Trata-se de figuras que buscaram, por si mesmas, o despertar do horror contra si próprios. Caso tivessem se comportado, os adversários nem sequer apareceriam — ao contrário do que ocorre com fantasmas em mansões e com demônios possuindo garotinhas virginais em histórias de possessão.
Esteticamente, V/H/S 99 relembra a resistência de um terror assumidamente grosseiro, caseiro, tosco, trash e gore, em sua forma mais orgulhosa. Em oposição ao “terror elevado” de A Bruxa (2015), Hereditário (2018) e das produções da Blumhouse, os criadores lembram a importância de um cinema de horror de raízes punk rock, existindo como revolta a este cinema endinheirado e concebido para agradar às premiações e ao bom senso. Há um gesto radical nesta forma de criação que acredita na textura granulada, no som abafado, na ideia democrática de que qualquer um, em seus porões, poderia realizar um filme. O ato de criação não poderia ser restrito aos estúdios poderosos.
O projeto encontra seus melhores momentos quando visto pela perspectiva do gesto de afronta. Dentro de um festival de cinema como Toronto, ao lado de outros filmes de horror muito mais refinados e cerebrais (Venus, Pearl), se assemelha tanto a uma traquinagem quanto a um lembrete da existência, e das possíveis qualidades, do cinema em modo faça-você-mesmo. Por isso, o retorno aos tempos de MTV, de Jackass e de American Pie (três referências fundamentais neste caso) evoca o saudosismo dos tempos em que as imagens caseiras aspiravam à sala de cinema e ao status de arte, ao invés do TikTok e demais redes sociais.
Ao longo das tramas de visita ao inferno, ritual de bruxas e ataque de fantasmas roqueiras, os efeitos visuais são claramente falsos, e a maquiagem deixa a desejar. Isso ocorre em particular no episódio Ozzy’s Dungeon, que parodia o aspecto grosseiro dos programas de auditório conhecidos por explorar as esperanças dos pobres (em moldes Luciano Huck). Em contrapartida, esta deficiência se torna tão explícita, e assumida como escolha estética, que corresponde ao conceito dos criadores. A ideia de utilizar a pequena animação de bonecos de guerra para costurar as demais, desenvolvendo-se gradualmente na função de vinhetas de transição, também constitui um bom achado dos produtores.
O resultado se perde na intervenção excessiva da pós-produção. Há ranhuras, chiados e cortes “errados” demais. O material bruto já possuía bastante força (para o bem ou para o mal), dispensando uma forma tão intrusiva de montagem e fragmentação destas narrativas, picotadas em si mesmas. V/H/S 99 produz a sensação de se assistir a flashes de terror juvenil e saudosista, parte engraçado porque exagerado, parte criativo porque isento de responsabilidade econômica aos criadores, e da vontade de agradar. Dificilmente será lembrado, ou marcará o espectador por muito tempo depois da sessão — e tampouco parece ter intenções desta natureza. Aqui, o cinema de horror se encontra no esgoto, e está muito contente com isso.