Pearl (2022)

"Mas eu sou uma estrela!"

título (ano)
Pearl (2022)
país
EUA
gênero
Terror
duração
101 minutos
direção
Ti West
elenco
Mia Goth, David Corenswet, Emma Jenkins-Purro, Alistair Sewell, Matthew Sunderland, Tandi Wright
visto em
Festival de Toronto 2022

Pearl chega aos cinemas cercado de expectativas. Apenas seis meses após a estreia internacional de X: A Marca da Morte (2022), esta história de origem é apresentada nos festivais de cinema. O diretor Ti West e a atriz e co-roteirista Mia Goth retornam ao comando da narrativa, assim como as equipes técnicas e criativas. Após a narrativa a respeito de um massacre ocorrido nos anos 1970, os autores imaginam a juventude da senhora de X, tentando compreender de onde teriam surgido os seus impulsos sexuais e homicidas que, na trama anterior, eram intimamente associados.

Logo, as conexões com o longa-metragem anterior são óbvias, da mesma maneira que as comparações são inevitáveis. Se o cineasta operava anteriormente na chave dos slashers clássicos, com um grupo de jovens sendo executados a facadas e machadadas, desta vez a referência cinéfila provém dos melodramas norte-americanos. Partindo da mesma saída de um galpão, que iniciava a história precedente, a imagem se abre a um scope elegante e ostensivo, com imagens profundamente saturadas e coloridas (o Technicolor vem à mente), embaladas por temas musicais evocando aventura e conquista do sonho.

A ideia de uma trilogia centrada nos mesmos personagens, porém proveniente de estilos e estéticas distintas soa tentadora. Assim, figuras e cenários conhecidos adquirem novos significados, texturas e formas de imagem. Ti West certamente não é um diretor convencional de filmes de terror, do tipo que intensifica as mortes e sustos enquanto minimiza a complexidade psicológica por trás da matança. Há uma verdadeira pesquisa estética por trás destas produções, concebidas para dialogarem com instantes distintos da história norte-americana e seus conflitos a longo do século XX. Se a referência anterior se encontrava na Guerra do Vietnã, desta vez a fonte provém do final da Primeira Guerra Mundial, em 1918.

É interessante que os autores mirem nas ideologias do “faça você mesmo” e da “terra dos corajosos e livres” para representar uma forma de histeria coletiva beirando a insanidade.

A jovem Pearl (Mia Goth) é descrita, desta vez, enquanto uma sonhadora desesperada, para quem a fuga da pequena fazenda familiar representa a única maneira de concretizar seus objetivos. No caso, ela se imagina uma grande estrela do cinema, responsável por números de dança em obras populares do cinema mudo. Por um lado, existe a tradição, a família e a propriedade, insistindo que a fazendeira siga os caminhos traçados por seus pais, e “faça o melhor com aquilo que tem”. Por outro lado, resta o desejo do escapismo, de forma espetacular, romantizada: ela se imagina convertida na maior estrela do país.

Obviamente, o sonho americano da heroína encontra dificuldades, o que testa a paciência da garota. É interessante que os autores mirem nas ideologias do “faça você mesmo” e da “terra dos corajosos e livres” para representar uma forma de histeria coletiva beirando a insanidade. Quanto mais obstinada Pearl se torna, mais agressivas e violentas são as suas ações, elaboradas em nome do “direito” de ser famosa e adorada. A personagem guarda alguma semelhança com divas histriônicas da sétima arte como Blanche de Uma Rua Chamada Pecado (1952), a estrela abandonada de O que Terá Acontecido a Baby Jane? (1962) e sobretudo Annie Wilkes de Louca Obsessão (1960).

Em outras palavras, os mesmos elementos percebidos enquanto essência do americanismo e do sucesso da nação são convertidos em doença mental e ameaça à vida em sociedade. Afinal, para ser a melhor, Pearl precisa eliminar as concorrentes, assim como aqueles que se opõem à sua ascensão. Trata-se menos de uma questão de conquistar o sucesso por mérito e trabalho duro do que sequestrá-lo, custe o que custar. Politicamente, o diretor levanta uma mensagem radical por meio da extrapolação do self made man (ou woman, neste caso).

Quando o aspecto de horror se concretiza, infelizmente o resultado é menos impactante do que aquele produzido em X: A Marca da Morte. As cenas de mortes são raras, breves, e desta vez se oculta o delírio estético para representar o prazer da matança. O diretor prefere deixar a parte sanguinária fora de quadro, ou filmada com tamanha distância que não se percebem os detalhes. Os assassinatos se mostram menos criativos, incisivos e determinantes na trama — resta a impressão de que alguns personagens nem precisariam morrer, ou pelo menos não desta maneira, ao contrário da inevitabilidade e urgência da obra anterior.

Vale destacar igualmente a guinada no ponto de vista: antes, Ti West e sua equipe se concentravam no olhar da vítima, acentuando a surpresa de perceber que dois idosos pudessem ser realmente perigosos. Agora, a perspectiva se encontra junto à sociopata, o que oferece uma abordagem mais convencional, supervalorizando a loucura em detrimento dos motores de causa e consequência. Se a guerra do Vietnã servia de pano de fundo indispensável à compreensão da sociedade da época, aqui os ecos da Primeira Guerra se fazem discretos. O paralelo mais interessante reside no retrato da época em que as pessoas vestem máscaras devido a uma pandemia, o que obviamente dialoga com nossa sociedade da Covid-19.

Quanto ao erotismo deslocado e perverso, ele é atenuado até demais. Há uma cena empolgante envolvendo um espantalho na plantação. A possibilidade do prazer erótico com um rosto que representa a morte serve de prenúncio a uma forma de manifestação patológica da sexualidade. Ora, as sequências do tipo se interrompem por aí: as demais representações da pulsão sexual são ínfimas e, em geral, suprimidas pela montagem através de saltos temporais. O real prazer de associar o gore e o desejo sexual desaparecem desta jornada que privilegia a psicologia (interna) ao horror (externo).

Por isso, a sanguinolência é substituída por três (ou quatro, dependendo do ponto de vista) monólogos longuíssimos da personagem, face à mãe e à cunhada, por exemplo, explicando a sua necessidade de se tornar uma estrela. Nestes momentos, a câmera se fixa no rosto da atriz, num plano longo e sem cortes, deixando Goth expressar seu talento de manejar a voz, os diálogos, as pulsões letais de Pearl. Trata-se de um presente oferecido à talentosa atriz, que consegue segurar cinco minutos consecutivos de diálogos, sem perder a intensidade nem se tornar monótona.

Em contrapartida, o recurso jamais expressa o vigor visual e o deslumbramento de X. A única cena realmente inventiva, com a tela dividida em dois e espelhada, provocando um efeito caleidoscópico monstruoso, ocorre apenas no terço final da narrativa. Os créditos finais trazem mais um tour de force da atriz, entre o terror e a comédia, avisando que a trilogia possa enveredar pela autoparódia. Pearl funciona melhor enquanto suspense psicológico do que horror, deixando a impressão de uma obra muito menor do que sua antecessora, e até um tanto apressada em termos de conceito e execução. Haveria material farto para desenvolver a fantasmagoria de uma mente doentia para além destas mortes discretas. Afinal, a loucura exige uma estética à altura.

Assista à crítica em vídeo de X: A Marca da Morte:

Pearl (2022)
6
Nota 6/10

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