33º Cine Ceará: As mulheres se apoiam

O segundo dia de mostras competitivas no 33º Cine Ceará — Festival Ibero-Americano de Cinema foi marcado por duas obras voltadas às vivências de mulheres. Em ambos os casos, as heroínas encontram em outras figuras femininas a força para superar obstáculos.

O longa-metragem Alemanha, dirigido por María Zanetti, deriva de memórias de sua própria adolescência. Na trama, Lola é uma adolescente de 16 anos, a filha do meio de uma família de classe-média. Quando surge a oportunidade tão sonhada de estudar na Alemanha, vê os planos frustrados pelos problemas de saúde mental da irmã mais velha, que consomem toda a energia (e os recursos financeiros) dos pais.

Alemanha, de María Zanetti

Esta coming of age story, ou seja, história de passagem à fase adulta, é narrada inteiramente pela perspectiva da garota, ainda presa entre o comportamento infantil e a vontade de experimentar o sexo e as liberdades individuais. Ela aprende a formar um laço com a própria irmã, cujas crises teima em compreender, para descobrir uma maneira de estar no mundo.

Através deste doce drama argentino-espanhol, a cineasta efetua, em seu primeiro longa-metragem, a crônica de uma Argentina em crise financeira, sofrendo uma transformação entre gerações. Trata-se do segundo longa-metragem de estreia na mostra competitiva até agora: tanto Alemanha quanto A Mulher Selvagem foram as primeiras experiências dos realizadores neste formato.

No caso de Circuito, a sororidade se faz mais urgente, e literalmente necessária à sobrevivência. O curta-metragem brasileiro se foca nos últimos dias de trabalho de Niara (Marta Aurélia), policial prestes a se aposentar. Ela presencia a chegada na delegacia de uma mãe desamparada (Ana Luiza Rios), cujo marido foi assassinado. Mas percebe que a liderança masculina da instituição não tem a menor vontade de investigar o caso, que envolve nomes poderosos da região.

Circuito, de Leão Neto e Alan Sousa

Ao mesmo tempo, a policial sofre com a ausência da filha, com quem brigou no passado. Adota, simbolicamente, a cidadã em necessidade de algum apoio formal. Progressivamente, os diretores Leão Neto e Alan Sousa transformam o drama num suspense, até um acerto de contas violento com a autoridade masculina. Os cineastas enxergam, desta forma, uma possibilidade de renovação nas polícias através da perspectiva feminina. Valorizam os laços de afeto em detrimento daqueles de sangue — os homens praticamente inexistem, e quando estão presentes, revelam-se nocivos, para dizer o mínimo.

A segunda noite do Cine Ceará também foi marcada pela exibição especial do documentário Memórias da Chuva, dirigido por Wolney Oliveira, diretor-executivo do evento. O longa-metragem resgata a tragédia do Jaguaribara, cidade cearense inundada pelo então governador Tasso Jereissati, no intuito de construir a barragem Castanhão. Além da perda inestimável da cultura e história de uma cidade destruída, a grande transformação geopolítica surtiu poucos ganhos aos moradores.

Memórias da Chuva, de Wolney Oliveira

A sessão se tornou o ponto alto da noite, visto que uma quantidade expressiva de jaguaribenses se encontrava no Cineteatro São Luiz. Eles aplaudiam os depoimentos dos moradores, comentavam uns com os outros as lembranças de suas casas e vivências (“Minha casa era logo ali, tá vendo?”), e vaiavam os políticos prometendo “progresso” em detrimento da história de seu povo. O filme promoveu um expurgo coletivo raro, incluindo lágrimas e risadas. Ao final, os espectadores abraçavam Wolney Oliveira pelos corredores como quem reencontra um grande amigo.

Relembre da reportagem efetuada com o cineasta e os membros da equipe de Memórias da Chuva no Festival de Gramado, onde o documentário teve a sua primeira exibição:

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.