Lobisomem (2025)

O terror desencantado

título original (ano)
Wolf Man (2025)
país
EUA
gênero
Terror
duração
103 minutos
direção
Leigh Whannell
elenco
Christopher Abbott, Julia Garner, Matilda Firth, Sam Jaeger, Benedict Hardie, Ben Prendergast, Zac Chandler
visto em
Cinemas

“Às vezes você quer tanto que seus filhos não se traumatizem que você acaba sendo a coisa que os traumatiza”. A frase de Blake (Christopher Abbott) sintetiza este longa-metragem. Quando criança, o escritor foi criado por um pai controlador e obsessivo. A profunda violência do homem que lhe metia uma arma na mão e ensinava técnicas de sobrevivência constituiu o motivo que levou o protagonista a se afastar, rompendo laços com a figura paterna.

Trinta anos mais tarde, ele se vê em posição semelhante quando a filha pequena, Ginger (Matilda Firth), faz uma brincadeira perigosa ao lado de uma avenida. O sujeito repete que sua função na Terra seria de protegê-la e que, portanto, o risco da garota implicaria numa derrota pessoal para o protagonista. “Não é difícil morrer. É a coisa mais fácil do mundo”, Blake escutava do pai truculento. Aparentemente, nada ameaçava nenhum destes homens, e as crianças levavam vidas tranquilas. A paranoia da finitude e da fragilidade da vida era implementada por estas figuras paternas, que precisavam criar o problema para se oferecerem como solução.

De certo modo, o verdadeiro tema de Lobisomem é a masculinidade frágil. Blake não é mais o provedor de sua casa — a esposa Charlotte (Julia Garner), uma jornalista de sucesso, paga as contas. Por isso, ele não suporta vê-la atendendo chamadas de trabalho à mesa de jantar. O relacionamento entre ambos se encaminha para um divórcio, o que também sugere mínima ou nula intimidade entre ambos. Grady (Sam Jaeger), seu próprio pai solo, tampouco conseguia lidar com a tarefa de cuidar sozinho do menino. Na busca por uma reconstrução viril e potente de si próprios, os homens convertem-se em monstros.

Somem de cena o desespero e o senso de urgência, substituídos por certo fatalismo, um conformismo apaziguado. Meu marido virou monstro, vou fazer o quê? Paciência.

O lobisomem representa, portanto, este protetor-agressor, o herói-vilão. Blake ama tanto a sua garotinha que se transforma, literalmente, naquilo capaz de matá-la. Após ser atacado e contaminado, ele adquire a aparência do animal peludo, sanguinário. Inicialmente defensor da família, volta-se contra ela conforme perde a sua humanidade. Numa sociedade que considera os homens como verdadeiros guardas familiares, quem nos protegerá dos protetores? Muitas analogias com pais e maridos agressores, omissos ou abusivos podem ser estabelecidas através da figura bestial.

Em paralelo, convém sublinhar que o diretor Leigh Whannell concebe uma criatura triste, deprimida — um monstro involuntário, apesar de si. Blake se vê refém da transformação que lhe ocorre, e embora tente utilizá-la seu favor (revidando o ataque de outra fera na floresta), logo será devorado pela irracionalidade. O pai não escuta mais a esposa e a filha, passando a enxergá-las como um estranho espectro azulado com fogos digitais no lugar dos olhos. A humanidade das duas também se perde, em seu ponto de vista (raras vezes, no cinema de terror, enxergamos o mundo pelo olhar dos monstros). Os novos Nosferatu e Lobisomem não passam de homens frustrados (sexualmente, inclusive), solitários, marginalizados socialmente. Podem ser lidos como sintomas de uma época.

É uma pena que, diante de uma construção social e psicológica tão promissora, o filme demonstre um pudor incomum para o cineasta, para a Blumhouse e para os estúdios Universal. Estes últimos nunca tiveram medo de investir no trash, no improvável, no absurdo, no grotesco — vide Abigail, O Urso do Pó Branco, M3gan, Mergulho Noturno, Nós, A Caça e tantos outros. Ora, este projeto soa como uma tentativa polida e acanhada de um terror com medo de chocar, de se aprofundar em suas imagens e simbologias. Isso teria sido necessário para um ser brutal, grotesco — diferente da aparência nobre e burguesa dos vampiros, por exemplo.

O cineasta adota uma atitude comum neste tipo de narrativas, revelando o adversário gradativamente. Primeiro, limita a criatura a um vulto à distância. Depois, ela se torna uma respiração ofegante e ameaçadora, fora de quadro. Adiante, sua mão veloz agarra a vítima e a puxa para além do enquadramento. Demoramos a enxergar o lobisomem, de fato. A anunciada transformação de Blake em fera ocorre cena após cena, com novos traços (os dentes, os pêlos, as unhas, a estranha maquiagem sem poros) sendo adicionados no decorrer da noite.

No entanto, os instantes são curiosamente desprovidos de tensão, ou de senso de consequência. Um sujeito morre diante da família, porém, ninguém aparenta realmente traumatizado por aquela figura. Diante da transformação do marido, Charlotte soa apenas melancólica, descrevendo-o como “doente” e disposta a esperar até a manhã seguinte para buscar um tratamento. A grande Julia Garner é dirigida de maneira fleumática, ausente, como se a autodestruição do esposo lhe conviesse, de certo modo. 

Somem de cena o desespero e o senso de urgência, substituídos por certo fatalismo, um conformismo apaziguado. Meu marido virou monstro, vou fazer o quê? Paciência. Ao ver o pai sangrando abundantemente, Ginger vai dormir. Ameaçada mortalmente por Blake, a esposa apenas o encara, indiferente ao resultado deste embate — talvez morra, mas que diferença faz? Com algum esforço, seria possível igualmente comparar o estado de espírito destas figuras a uma representação psíquica da depressão profunda, traduzida em indiferença pela própria vida. 

Blake deseja muito proteger a filha; Charlotte não se preocupa o suficiente. Ambos estão em desequilíbrio em relação ao registro saudável de cuidados com uma criança. Uma revelação final, graças a uma tatuagem conveniente e risível (quem tatua o próprio sobrenome no antebraço?) apenas reforça a previsibilidade da trama, que obviamente avançava nesta direção. “Cada homem mata aquilo que ama”, cantava Jeanne Moreau em Querelle. A canção vem à mente, neste lamento sobre homens tristes e feras que provocam a própria destruição. Whannell pretende transformar sua releitura da fábula monstruosa numa tragédia grega.

É uma pena que lhe faltem, para tal, o vigor, o pathos, o senso de catástrofe necessário à empreitada. O lobisomem poderia ser grandioso, assustador, perverso, entretanto, resume-se a um cão de olhos tristes, dotado das feições piedosas e assustadas de Christopher Abbott, face ao olhar vidrado de Julia Garner. O longa-metragem nem possui a coragem de ser um filme sangrento, extremo e perturbador, nem se converte numa obra polida, que efetuaria uso elegante da linguagem cinematográfica — o emprego da fotografia e do som, neste caso, se mostra meramente funcional.

Por fim, resta a impressão de que ninguém acreditava de fato neste filme. Lobisomem soa como um filme envergonhado, uma obra que fracassou em alguma etapa da concepção, e hoje chega aos cinemas com mínimo esforço de divulgação, torcendo para passar despercebida até o esquecimento (ou a incorporação numa plataforma de streaming, o que dá no mesmo). Está longe de ser um filme péssimo, até porque, em geral, filmes péssimos tentam algum caminho extremo, ousado, arriscado. Aqui, o espectador encontra uma experiência razoavelmente competente, ainda que sem investimento pessoal, nem dedicação verdadeira. Os produtores e a equipe retomam o monstro agressivo, de dentes afiados, para então admirá-lo com certa piedade, mesmo desinteresse. Em algum momento de sua criação, o filme se desencantou com seu próprio objeto de estudo.

Lobisomem (2025)
6
Nota 6/10

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