No Adamant (2022)

Modesto engajamento

título original (ano)
Sur l’Adamant (2022)
país
França, Japão
linguagem
Documentário
duração
109 minutos
direção
Nicolas Philibert
visto em
73º Festival de Cinema de Berlim

Poucos moradores de Paris o sabem, porém, a cidade acolhe, entre os diversos barcos que ocupam a beira do Rio Sena, uma instituição psiquiátrica flutuante. O Adamant é um centro de acolhimento diurno (ou seja, onde ninguém dorme), que recebe pacientes com graus moderados de transtornos psíquicos, em busca de alguma forma de interação social. No local, subvencionado pela prefeitura, encontra ateliês de dança, música, expressão corporal, além de cineclubes e demais atividades.

O diretor Nicolas Philibert adentra este espaço na postura de um amigo, ou talvez de um passante interessado na curiosa estrutura do barco. Em oposição ao pesquisador, ao sociólogo ou psicólogo, não aparenta possuir opiniões nem pensamentos a priori a respeito do serviço. Por isso, limita-se a observar os beneficiários do programa e os coordenadores das atividades, em suas interações diárias. A câmera segue as reuniões de pauta, os cigarros fumados à beira da janela, os itens vendidos na lojinha e a contabilidade dos magros lucros.

Seria incorreto chamar esta abordagem de cinema direto, ou cinema de observação. Trata-se de uma linguagem distinta, entre outros, devido ao fato que o diretor se coloca em cena. Philibert jamais aparece em imagens, no entanto, a montagem revela as perguntas lançadas pelo diretor aos personagens, assim como as trocas a partir de respostas. “Você tem uma namorada, Nicolas?”, pergunta uma frequentadora assídua do espaço. “Você tem carro, Érik?”, dispara ao operador de som, Érik Ménard. 

A pretensa objetividade de documentários fatuais desaparece nessa relação cordial, e surpreendentemente horizontal para um projeto a respeito da saúde mental. Um dos principais méritos de On the Adamant reside na capacidade de observar pessoas com graus variados de inabilidade social sem qualquer exotismo, fetiche nem espetacularização da diferença. Nenhuma doença ou patologia será nomeada, evitando assim que os participantes sejam limitados à condição de representantes de uma síndrome qualquer. 

Ignora-se o histórico médico, as relações familiares, e o passado em geral. […] Para a mise en scène, o único personagem digno de investigação é o próprio Adamant. Todos os demais constituem meros coadjuvantes.

Ignora-se o histórico médico, as relações familiares, e o passado em geral. O cineasta nunca sai do barco para visitar as pessoas em suas casas — nem os pacientes, nem os cuidadores. Para o filme, eles existem somente enquanto frequentam a instituição. Caso seus problemas externos não sejam trazidos na forma de sintoma, ou via diálogos, serão ignorados pela abordagem bastante pragmática. Para a mise en scène, o único personagem digno de investigação é o próprio Adamant. Todos os demais constituem meros coadjuvantes.

Mesmo assim, o longa-metragem foge à descrição contextualizada do local. Jamais sabemos os mecanismos de financiamento da clínica flutuante, por iniciativa de quem. Há recursos suficientes para contratar todos os funcionários desejados, ou se luta para entrar num orçamento reduzido? Há problemas de violência ou comportamento impróprio, por exemplo, de pacientes em crise ou surto? As pessoas responsáveis pelas oficinas passam por alguma formação específica? O Adamant ficou fechado durante a crise de Covid-19? Afinal, vemos máscaras no rosto de algumas pessoas, sem compreender em qual momento as portas se reabriram.

A ausência da situação sociopolítica se combina com o desprezo pelas ferramentas didáticas do cinema documental. Por isso, inexistem dados, números, datas ou nomes fornecidos em forma de letreiros. Ao invés de entrevistas formais, concedidas à câmera, filmam-se as conversas despojadas pelos cantos do barco, os cumprimentos matinais e atividades corriqueiras. Philibert despreza tudo o que possa soar espetacular e urgente. Nem mesmo as tais oficinas, ou o cineclube anunciado desde o início da trama, são filmados. O diretor decide trabalhar com aquilo que seus olhos enxergam ao primeiro olhar, ao adentrar o barco. Em contrapartida, se priva de efetuar qualquer investigação por conta própria. 

Em paralelo, nenhum esforço parece ter sido efetuado para descobrir este universo pelos bastidores e frestas. Os trabalhadores recebem pouca oportunidade de revelar suas personalidades próprias, ou de se expressarem a respeito do ofício longe da presença dos pacientes. Em última instância, soam intercambiáveis, equivalentes, vagos. A câmera se contenta em registrar os acontecimentos centrais, no espaço central e mais evidente da embarcação. Nenhuma fala será mais marcante que as demais: a montagem opta por uma linearidade absoluta na experiência. 

Seja por escolha, ou falta de escolha (no caso de ausência de material), instantes mais fortes de diálogo ou expressão de si são deixados de fora. O documentário se revela tão plácido quanto indiferente, e indisposto a investir esforços cinematográficos para esmiuçar o local. A experiência será agradável, porém superficial: terminamos estas visitas guiadas com uma vaga ideia do cotidiano no Adamant, sem entender de fato os meandros de uma iniciativa excepcional de ajuda à saúde pública. O fato de se encontrarem numa superfície flutuante não traz nenhuma forma de interesse à direção.

No final, os letreiros delimitam o real interesse de Philibert, caso o público ainda não o tenha compreendido. Explica-se que a iniciativa da prefeitura abrange os moradores dos bairros de 1 a 4 da cidade (em geral, núcleos de classe média e classe média-alta), e que “tenta manter viva a função poética do homem e da linguagem”. Após um fade lúdico, uma pergunta aparece na tela: “Até quando?”. Ora, esta conclusão joga um balde d’água na experiência morna, porém competente, que se desenvolvia até então. 

Em primeiro lugar, tais explicações didáticas e simplórias costumam passar longe das obras de um diretor veterano como o francês. Em segundo lugar, sugerem que o público não o tenha compreendido por conta própria, subestimando nossa capacidade de reflexão a partir das imagens fornecidas. Por fim, demonstra uma vertente militante que se encontrava ausente em todo o material até então — como se os letreiros precisassem “compensar” a ausência de um posicionamento mais incisivo nos 100 minutos anteriores. 

A cobrança e a pergunta retórica sublinham a insuficiência do material enquanto discurso, provocação e reflexão. Se desejava efetuar um panorama da saúde pública ameaçada no país, como se privou de expandir o discurso a questionamentos de financiamento e estrutura? Por que evitar as conversas com funcionários? Que tipo de ameaças pairam sobre a continuação do projeto? On the Adamant se encerra em nível muito aquém do que a bela cena inicial de cantoria, sobre a “bomba humana”, permitia antever. 

No Adamant (2022)
5
Nota 5/10

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