7 Cortes de Cabelo no Congo (2022)

A sabedoria do povo

título original (ano)
7 Cortes de Cabelo no Congo (2022)
país
Brasil
gênero
Documentário
duração
90 minutos
direção
Luciana Bezerra, Gustavo Melo, Pedro Rossi
visto em
11º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba

O documentário efetua uma ponte quase invisível entre o Congo e o Brasil. No início, reportagens em francês narram encontros entre os presidentes Emmanuel Macron e Félix Tshisekedi, com promessas polidas de paz e cooperação. Minutos depois, outros vídeos jornalísticos revelam a pancadaria, literalmente, dentro do parlamento congolês. Há conflitos ocorrendo na RDC, conforme atestam as conversas entre dois homens congoleses: um cabeleireiro e seu cliente. Eles se comunicam parte em francês, parte em wolof. Mais um corte, e estamos no Rio de Janeiro.

7 Cortes de Cabelo no Congo nasce da proposta de acompanhar a comunidade de imigrantes congoleses em Brás de Pina, zona norte do Rio de Janeiro. O ponto de encontro é a barbearia de Fernando Mupapa, mais conhecido como Mestre Pablo pelos amigos. Ali, discutem política, futebol, história. Entre um penteado e uma extensão de tranças, abordam eurocentrismo, terrorismo, imperialismo, exílio, línguas africanas e a evolução do antigo Zaire.

Os diretores partem de uma estrutura simples. Inicialmente, limitam-se a observar à distância as conversas entre o proprietário e seus clientes, em planos fixos, dispostos a esperar até que uma faísca de conflito, ou um tema interessante apareça diante das câmeras. Existe uma cumplicidade entre o protagonista e o trio formato por Luciana Bezerra, Gustavo Melo e Pedro Rossi. A câmera se posiciona num ponto tão próximo dos personagens quanto invisível para os mesmos: ninguém parece incomodado com a presença do dispositivo. 

É raro encontrar tal equilíbrio no posicionamento da direção, entre a aproximação invasiva e o distanciamento voyeurista. Mas esta é a mesma disposição que Pedro Rossi havia estabelecido com precisão em Caminho de Volta (2015); e repete neste caso. A direção — e por extensão, o olhar do espectador — se confunde com um cliente sentado no fundo do salão, ali no canto do sofá, esperando a sua vez de cortar. Enquanto isso, escuta com atenção à fala dos demais. 

É raro encontrar tal equilíbrio no posicionamento da direção, entre a aproximação invasiva e o distanciamento voyeurista.

O longa-metragem está carregado do que se convencionou chamar de sabedoria popular ou, de maneira depreciativa, a “filosofia de boteco”. Ao invés de convidar historiadores e sociólogos para discorrerem a respeito da política centro-africana, os realizadores privilegiam o ponto de vista das pessoas diretamente afetadas por ela. Menos do que buscar a verdade, típica de documentários jornalísticos e fatuais, procura-se escutar com atenção às impressões e versões dos cidadãos. 

Há uma notável e generosa abertura ao outro, sem julgamentos morais. Esta disposição se confirma conforme a narrativa avança, e a câmera enfim se junta ao grupo de amigos. De repente, Mestre Pablo e seus amigos dialogam tanto entre eles quanto à equipe, convidando o espectador para a roda — chegou a vez de ter nosso próprio corte de cabelo. Felizmente, as entrevistas nunca adquirem o caráter engessado dos talking heads, sustentando o tom amigável de provocações e polêmicas inconsequentes.

Assim, 7 Cortes de Cabelo no Congo revela a função do salão de cabeleireiro enquanto espaço de sociabilidade entre congoleses morando no Brasil, exercendo sua cultura e reforçando sua identidade através do espelhamento em indivíduos semelhantes. O cabelo, aspecto essencial da manifestação de uma origem estrangeira, sobretudo no caso de cidadãos negros, se converte o símbolo permitindo unir uma dezena de personagens falando em português, francês, wolof, quicongo e lingala. 

Contrariamente à pompa artificial do encontro entre chefes de estado, o projeto sugere que esta seria a verdadeira manifestação patriótica: uma discussão política pelo povo, para o povo. É sintomático que a experiência se conclua com defesas acaloradas da independência do Congo, que deseja se ver livre do intervencionismo norte-americano e europeu. O filme efetua um movimento de passagem de bastão do poder efetivo dos governos àquele dos cidadãos. Neste projeto, estes dominam a cena e o discurso.

Alguns espectadores poderão questionar na obra a dependência excessiva de diálogos para se desenvolver. Nos dois primeiros cortes, em particular, o espectador testemunha uma avalanche de falas ininterruptas, com os amigos duelando com suas interpretações da política externa. As palavras e a música pautam a narrativa, que nunca se esforça para produzir discursos através dos enquadramentos, dos diferentes ângulos do salão, dos espaços em frente e ao redor. Há poucos símbolos e metáforas à disposição do espectador.

De fato, o filme jamais investiga a sensação de pertencimento destes personagens no Rio de Janeiro, nem sua inserção cultural. Presa à rígida estrutura autoimposta (embora os dois últimos cortes sejam mais rápidos e fluidos), a montagem se limita a aplicar planos aéreos de florestas e comunidades pobres para desenhar uma transição, pouco criativa e orgânica, entre cada segmento. 

O uso indiscriminado de drones em documentários ainda deve despertar uma boa discussão: como pode este filme, tão atento a enquadramentos e posições, contentar-se com a imagem genérica e aberta, abraçando tudo e qualquer coisa, assim como o protetor de tela de um computador? Haveria maneiras mais instigantes esteticamente, e mais provocadoras politicamente, de unir os cortes de cabelo para além deste respiro artificial.

Ressalvas à parte, 7 Cortes de Cabelo no Congo cumpre o intuito a que se propõe. Ao invés de abrir o escopo num painel generalista e superficial, prefere eleger um microcosmo restrito, e se aprofundar o máximo possível naquilo que o salão e os clientes permitem. A escolha se justifica, e consegue produzir tanto comentários incisivos quanto falas leves e bem-humoradas. 

A introdução da história e da política no palavreado agradável de amigos nos relembra dos bons tempos em que ainda debatíamos política com lados opostos ao nosso, sem romper laços devido à discordância. Este seria um pequeno tratado de empatia, ou ainda um cinema disposto a escutar a palavra dos demais sem a intenção de impor a sua ao final. Os diretores chegam sem um discurso pronto, nem uma hipótese a comprovar — algo raro no documentário político. 

Enquanto permanece junto a Pablo, o trio de cineastas escuta, aprende e oferece ao espectador a possibilidade de compartilhar este encontro de igual para igual. A câmera não se posiciona acima de seus personagens, de maneira autoritária e centralizadora, nem abaixo deles, com uma pretensa humildade. A horizontalidade do processo se traduz na beleza de um procedimento singelo e humanista.

7 Cortes de Cabelo no Congo (2022)
7
Nota 7/10

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