Segundo Tempo (2022)

Os alienados

título original (ano)
Segundo Tempo (2022)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
107 minutos
direção
Rubens Rewald
elenco
Priscila Steinman, Kaue Telloli, Michael Hanemann, Laura Landauer, Jochen Stern
visto em
Cinemas

Ana (Priscila Steinman) e Carl (Kauê Telloli) não conhecem o próprio pai. Estes jovens adultos convivem diariamente com o senhor idoso, e embora não possuam um relacionamento muito próximo, tampouco nutrem conflitos particulares. Mesmo assim, desconhecem qualquer elemento de seu passado, sua trajetória de imigração da Alemanha para o Brasil, sua religião, seus posicionamentos ideológicos. Bastaria perguntar, é claro: o homem não faz segredo de suas raízes. Os dois apenas não manifestam interesse.

Nem mesmo Carl, com este nome tão pouco brasileiro, se indaga a respeito da língua que desconhece. A dupla sustenta um ar de desprezo por tudo que os cerca: a irmã trabalha numa biblioteca, porém transparece interesse ínfimo na literatura e na biblioteconomia. O rapaz faz programa na noite paulistana, apesar de demonstrar interesse, afeto ou investimento nulo no ato sexual. Ninguém possui ambições para o futuro, desejos particulares, amizades profundas, namoros. Os dois funcionam como elétrons livres, perambulando em sensação de eterno tempo presente.

Devido à caracterização de solitários e ensimesmados, resultam inconsequentes, impermeáveis ao resto do mundo. Carl presencia o pai tendo uma clara crise de saúde, mas pede que o senhor espere meia hora para não interromper o jogo de futebol. Ana se depara com o primeiro alemão idoso que encontra no país europeu e pergunta: “Você é nazista?”. Eles possuem a ingenuidade e a falta de traquejo social das crianças, a quem se precisa ainda ensinar como comportar. Não por acaso, o jovem que se prostitui precisa ser seduzido de maneira explícita por duas pessoas para fazer sexo. Caso contrário, permaneceria inerte.

O descolamento da realidade poderia interessar, caso fosse assumido como tal. Mas o filme defende demais seus personagens para eventualmente criticá-los, ou ainda contextualizá-los.

É difícil torcer por esta dupla hipster e alienada, dotada de impressionante falta de tesão (a palavra é essa) pelo mundo, pelos outros, pela diferença, pela história, pela sociedade. No entanto, o roteiro os adora, facilitando seu percurso de amadurecimento diante da crise paterna. Um sem-número de conveniências brota na narrativa para ajudá-los: como não possuem dinheiro, surge um calhamaço de notas, o suficiente para viajarem à Alemanha de um dia para o outro. Chegam atrasados no aeroporto, mas o voo também estava atrasado, esperando pela dupla.

A lista continua, ad infinitum: o barman alemão não possui nenhum cliente a atender além de Ana, e está prestes a terminar seu turno, para então acompanhá-la. A jovem descobre uma mulher alemã que, sem vida própria, passa a integralidade de seu tempo acompanhando, traduzindo e explicando o funcionamento da vida na cidade. Carl precisa encontrar novos programas para fazer e, assim que coloca os pés na rua de um vilarejo minúsculo, encontra um ponto de prostituição masculina, iluminado e vazio, esperando por ele. A irmã não precisa voltar ao trabalho. O enterro e o velório do pai aconteceram por milagre, escondidos pela montagem num salto temporal. Aparentemente, não havia outra família a comunicar.

Tamanho descolamento da realidade poderia interessar, caso fosse aprofundado e assumido como tal. Segundo Tempo se aproxima de um teatro do absurdo, ou então de uma comédia de situações. A obsessão de Carl pelo símbolo da estrela, ou o passeio de Ana em pijamas apontam para o humor, que nunca se materializa de fato. A apatia desta juventude egocêntrica também renderia uma bela crônica caso o tema fosse problematizado, ou colocado em relação com as gerações anteriores. No entanto, o roteiro se preocupa pouco com o pai, dedicando-se apenas ao impacto deste na vida dos jovens. O filme defende demais seus personagens para eventualmente criticá-los, ou ainda contextualizá-los.

Assim, o teor se contenta com um afeto agridoce, linear e de transformações mínimas. O diretor Rubens Rewald acredita no valor da deambulação, fazendo com que os protagonistas andem nas ruas, a esmo, observando a paisagem e efetuando seu luto em silêncio. Talvez a equipe buscasse uma liberdade proveniente do cinema marginal, que permitia um contato visceral e cru com a cidade de São Paulo, avessa a qualquer forma de embelezamento. 

No entanto, esta classe média favorecida pelo destino está longe de uma marginalidade, e o projeto, distante de qualquer intenção de ruptura ou provocação estética. Por isso, a fotografia cria o mínimo de volume nas cenas internas, e de variação de luz ou construção cênica. As imagens possuem a cor desbotada, típica do digital de baixa qualidade, variando do bege-amarelo ao rosa-salmão. Logo, soam chapadas, amadoras de uma forma não necessariamente instigante, pois atreladas a uma narrativa de pretensões comportadas e inofensivas.

O mesmo vale para a captação vacilante de som, e para as hesitações da montagem (a briga no futebol, interrompida quando a ação começa a se desenvolver; o abandono da busca pelo símbolo da estrela; o desprezo da irmã após dias de desaparecimento do irmão). O caráter de faz-de-conta desta quase-fábula soaria interessante caso assumisse suas incongruências de maneira radical, ao invés de sugerir que inúmeros acontecimentos improváveis habitam um universo naturalista.

Ao final, o longa-metragem se encerra de maneira tão inconsequente quanto os heróis — a adesão ao ponto de vista deles se faz completa. Carl desaparece? Tudo bem, uma hora ele chega. Não tem dinheiro? Em algum momento, vai cair na conta. Não entende o que realmente houve no passado do pai? Paciência, pelo menos viajamos até aqui. Existe uma lógica de se contentar com pouco porque, na pasmaceira em que vivem os personagens, qualquer caminhada pelo parque se transforma numa grande aventura. Há filmes que se esforçam para apresentar o cotidiano como algo repleto de encantamentos próprios. Aqui, o tempo morto será apenas o tempo morto.

Segundo Tempo (2022)
4
Nota 4/10

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