The Vanishing Soldier (2023)

Israel contra Israel

título original (ano)
The Vanishing Soldier (2023)
país
Israel
gênero
Drama, Suspense, Ação, Guerra
duração
98 minutos
direção
Dani Rosenberg
elenco
Ido Tako, Mika Reiss, Efrat Ben Zur, Tiki Dayan, Shmulik Cohen
visto em
Festival de Locarno 2023

Certo dia, o jovem soldado Shlomi (Ido Tako) decide abandonar a guerra. Enquanto os colegas correm para um chamado urgente, em meio aos bombardeios na Faixa de Gaza, ele se esconde atrás de um colchão, e sai correndo. Rouba um carro, arranja roupas civis, esconde-se dos próprios colegas. Em poucas horas, está de volta a Tel-Aviv, onde se encontram as casas da mãe e da avó paterna. A deserção ocorre na cena inicial, e se torna o único grande conflito na vida do protagonista. Até o desfecho, ele será perseguido por esta decisão repentina.

O diretor Dani Rosenberg faz escolhas interessantes para esta premissa. Em primeiro lugar, evita qualquer posicionamento político-ideológico firme do rapaz. Ele não deixa o conflito por ser profundamente antibelicista, nem por estimar que abusos são cometidos no combate, ou ainda por discordar dos superiores. Ninguém lhe questiona o motivo da deserção, e o herói tampouco se explica. Alguém precisa de justificativa para querer sair de uma guerra? Nem patriota, nem antipatriota, o garoto de 18 anos é caracterizado de maneira a evitar armadilhas de julgamento moral por parte dos espectadores. Dificilmente se poderá considerar o resultado pró-guerra, antiguerra, sionista, antissionista. O questionamento é colocado além destas oposições.

The Vanishing Soldier combina os interesses do indivíduo e aqueles da nação, ou ainda a macropolítica internacional e a pequena política dos afetos, na vida cotidiana de moradores de Tel-Aviv.

Em segundo lugar, para sustentar a verossimilhança deste herói, o cineasta o constrói como alguém pulsional, inconsequente e infantil. Shlomi faz o que lhe dá vontade, quando dá vontade. Tem desejo pela namorada Shirin, então escreve “Quero me casar com a sua bunda” num pedacinho de papel, entregue em seguida aos colegas de trabalho dela. Ele come com as mãos, rapidamente e de modo grosseiro, e não hesita em roubar, gritar, sair correndo. O aspecto animalesco contribui para retirá-lo de qualquer percepção de nobreza ou virtude. O personagem não se considera acima da guerra, nem melhor do que os demais por ter escapado. Ele o faz por si mesmo, porque numa manhã decidiu não mais voltar. Simples assim.

Outro aspecto diz respeito à temporalidade e ao gênero. O longa-metragem acompanha as 24 horas que se seguem à fuga do soldado, aproximando-se do cinema de ação, ou do road movie dentro do próprio país. Há inúmeras cenas, filmadas em plano-sequência, com a câmera estabilizada (numa steadycam, provavelmente), do rapaz correndo em meio aos destroços da guerra, e depois correndo nas planícies, nas ruas, nos becos. Ele anda a toda a velocidade de bicicleta, de carro. Carrega-se no aspecto físico, na crença de que o ator, de fato, correu longamente em frente às câmeras.

A exemplo de Lola em Corra, Lola, Corra (1998), ou de Mohammed em Essential Killing (2010), ele precisa seguir em frente, fugir de tudo e de todos, continuar em movimento. Shlomi fala pouco por estar sozinho na maior parte do tempo, e por se preocupar demais com a própria sobrevivência para descansar ou transmitir informações. Adota-se o imperativo do deslocamento: depois do abandono, ele não pode mais voltar, caso em que seria preso. Se for encontrado pelos superiores, será igualmente preso. O garoto não tem planos, nem sabe para onde ir. Torna-se inimigo de todos, caso encontrado. Em consequência, não pode parar.

Esta configuração permite o retrato tragicômico da guerra, no qual o israelense teme os próprios israelenses, ao invés de inimigos estrangeiros. Uma vez de retorno à cidade, ele escuta alertas de bomba várias vezes ao dia, e nem se incomoda, ao contrário dos demais cidadãos. Assim que ligam a televisão, o rádio e olham para os telefones celulares, os habitantes descobrem novas informações a respeito de tiroteios e bombardeios. Shlomi é considerado desaparecido, provavelmente sequestrado por forças opositoras, representando um tema de segurança nacional.

The Vanishing Soldier combina, portanto, os interesses do indivíduo e aqueles da nação, ou ainda a macropolítica internacional e a pequena política dos afetos, na vida cotidiana de moradores de Tel-Aviv. Esta fábula do soldado que ousa pensar na individualidade, no momento em que se obriga a agir coletivamente, serve para demonstrar o imaginário opressivo da guerra no dia a dia dos cidadãos, mesmo distantes do campo de batalha. 

Os confrontos em guerra se tornam um pano de fundo para todas as ações, norteando cada decisão de ficar no país ou fugir para o Canadá. Os ataques distantes justificam o ataque cardíaco do pai, testemunha de um bombardeio; o receio diário da avó; a pressão da mãe pela permanência do filho na guerra, em nome do bom funcionamento das instituições. O roteiro se estrutura tal qual um castelo de cartas, no qual a retirada de uma única peça (o soldado) provoca um desencadeamento progressivo, catártico, rumo à destruição do mecanismo sólido. 

Em meio a tamanha brutalidade, inerente ao cinema de ação e às perseguições desenfreadas pela cidade, Rosenberg encontra instantes de respiro e afeto. As trocas com a mãe possuem teor de ameaça e carinho, de cuidado e reprovação. Neste momento, a excelente atriz Efrat Ben-Zur devora o jovem intérprete em cena, roubando as atenções para si. As interações com a avó (a veterana Tikva Dayan), incluindo uma bela sequência de dança no apartamento, permitem uma pausa para a reflexão. A montagem equilibra uma quantidade impensável de dilemas, e ainda encontra parênteses adequados para se refletir sobre o que vem de acontecer.

É certo que, em meio à necessidade de ampliar a tensão e o drama (característica típica das narrativas em gradação), o roteiro se aproxima do tom inverossímil, artificial. O reencontro frequente com os turistas franceses numa cidade gigantesca torna-se conveniente demais para o andamento da trama. A facilidade com que o garoto escapa do fundo das casas e sai correndo sem chamar a atenção das dezenas de repórteres ou soldados na parte da frente também incomoda. A facilidade com que lhe jogam no chão e arrancam suas roupas, apenas para ele conseguir escapar e pegar um carro, beira os delírios da ação hollywoodiana.

No entanto, Rosenberg costura a escalada de tons e ações através de uma estética coesa. Ele adota a imagem elegantemente composta em scope, os longos planos-sequência com a câmera na mão, os planos simétricos estabelecendo alguma ordem no caos. O personagem está distanciado, para se valorizar os espaços de Tel-Aviv em detrimento das expressões do rosto (o único close-up, digno deste nome, surge no final — vide imagem em destaque acima). O roteiro imagina um falso final feliz, apenas para descartá-lo e prosseguir com uma conclusão amarga e ambígua. O diretor não possui respostas à gestão da guerra, nem ao destino de Shlomi. Suas intenções se encontram além, concebendo a metáfora absurda do soldado fantasma para aludir à guerra absurda que persiste em seu país.

The Vanishing Soldier (2023)
8
Nota 8/10

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