Wesley Pereira de Castro vive com a mãe em Sergipe. Aos 40 anos, concluiu um mestrado em cinema, e possui artigos publicados em livros, além de ser filiado à Abraccine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). No entanto, o filme dirigido por ele e por Fábio Rogério está menos interessado no currículo profissional do que nas tormentas íntimas de um homem de frágil saúde mental. Trata-se de um pensador brilhante, e também de um sujeito com pulsões suicidas — algo agravado durante o período da pandemia de Covid-19.
Neste período, ele começa a gravar um diário visual, capturando quaisquer estímulos que lhe passem pelos olhos e pela cabeça. Munido de um telefone celular comum, sem qualquer suporte específico para o som, ele cria um segundo diário, em paralelo àquele tradicional, no formato impresso. Filma então as chuvas que alagam o quintal, as galinhas e os cachorros, o próprio pênis, os livros que lê, os filmes vistos em casa (Era uma Vez na Anatólia, Branco Sai, Preto Fica, etc.), o próprio pênis, a mãe ao fundo do enquadramento, a novela na televisão, as sopas e chás, os banhos, o próprio pênis.
Alternam-se instantes de profunda euforia com a melancolia e a depressão. A obsessão fálica e a busca por parceiros nos aplicativos se combinam com leituras de Beckett e de artigos sobre teoria de cinema, além de pequenas mensagens escritas para si próprio (“Estou infeliz”, “Que angústia”), e dedicatórias que escreve para si mesmo nos livros adquiridos. Chama alguns de seus procedimentos — a exposição do corpo nu, o consumo compulsivo de filmes — de “estratégias de sobrevivência”, ou seja, mecanismos mais ou menos conscientes para evitar o pensamento intruso a respeito do suicídio.
Uma experiência de expurgo, quase um ritual coletivo onde o herói se permite chorar, rir, ejacular, correr, vibrar diante dos olhos alheios. Como se sentir invisível após tamanha visibilidade, em tela grande?
Um Minuto É uma Eternidade para Quem Está Sofrendo busca contemplar este estado de espírito febril, frenético, profundamente alegre num momento, e mergulhado nas sombras no instante seguinte. Felizmente, conta com uma montagem excelente, assinada por ambos os cineastas (que creditam à dupla todas as funções da obra). Assim, sequências divertidas e leves (o sexo das tartarugas, a galinha subindo a escada em busca do galo) cedem espaço a lamentações preocupantes, num simples corte da montagem.
Não existe propriamente a sensação de causa e consequência, ou de antes e depois. Estes estímulos se sucedem de modo quase aleatório, em intensidade inversamente proporcional. Devido à autoimagem caseira, assemelha-se ao ator de passar pelo feed de uma rede social, quando vídeos completamente díspares se sucedem, mantendo relação nula um com o outro. No entanto, imagine que todos os vídeos de centenas de pessoas que você segue, num scroll do TikTok ou Reels, fossem produzidos pela mente de um único indivíduo, no mesmo período.
Por isso, não é de surpreender que os espectadores tenham rido bastante durante os curtos 61 minutos de duração. A maneira de se filmar condiz com a experiência de autoimagem improvisada das redes sociais, quando toda aleatoriedade cotidiana se torna conteúdo digno de exposição aos demais — meu banho, meu cachorro, meu bolo, minha goteira, meu sexo, minha tristeza, minha alegria. Junto a Fábio Rogério, toma-se o salto suplementar de estimar que tal criação se converta em arte, para exibição na tela grande, num respeitado festival de cinema.
Parte do humor decorre da representação de algo tão íntimo e corriqueiro enquanto construção especial, digna de se mostrar a todos (Wesley urinando na pia de casa, por exemplo). Rimos parcialmente por desconforto, por não sabermos como reagir diante desta captação anti-estilosa por natureza, jamais pensada para impressionar, ou para constituir um grande tratado a respeito da saúde mental, da homoafetividade, nem da pandemia. O sentimento de espiar o diário íntimo de um desconhecido motiva parte da sensação de picardia juvenil associada à obra. Neste sentido, ele se torna o avesso de outro filme-de-autoimagem-feito-com-telefones-celulares, Uma Montanha em Movimento, de Caetano Gotardo, de pretensões artísticas e filosóficas muito mais ostensivas.
Neste caso, o próprio filmante-filmado compreende os limites de sua iniciativa, questionando-se se ela constituiria material digno de um longa-metragem. Os registros, para Wesley, são “mais relevantes pelo que estão dizendo do que pelo que são”. Em frequente gesto de autocrítica, ele reconhece que a obsessão fálica está associada a um episódio erótico da infância, quanto admirou pela primeira vez o pênis flácido de um homem adulto. Confessa, em paralelo, ter pago para assistir a um homem urinando na sua frente. Existe impressionante consciência de suas pulsões e manias.
Neste sentido, pode-se questionar o quanto do documentário constitui uma captação crua da realidade, e em que medida condiz com o personagem que seu autor-protagonista deseja oferecer a respeito de si mesmo. Afinal, ele domina todas as passagens do projeto, incluindo o tom, o ritmo, as intenções. Ele pôde se escolher filmar em tais ângulos e tais momentos, de modo que reúne um controle sedutor para um homem de emoções tão oscilantes. O cinema, como de costume em autorretratos, constitui uma ferramenta terapêutica para seu criador. O mundo (interno ou externo) pode estar desabando ao redor, porém o documento destas gravações permanece imutável, uma espécie de prova de sentimentos.
Através desta iniciativa, Wesley possui pleno agenciamento de si, pois se considera um objeto de estudo. Apazigua-se e organiza-se ao se enxergar em terceira pessoa. Por isso, as alegres filmagens carregam, em paralelo, certa tristeza ou amargura. Não parecem remediar o problema, apenas sua imagem e sua exterioridade (seu simulacro). A exemplo dos procedimentos com ícones religiosos, tenta-se salvar o real por sua representação — algo que, aqui, funciona em sentido quase literal, em se tratando de alguém que contempla a morte com certa frequência.
Ao final, trata-se de uma experiência de expurgo, quase um ritual coletivo (exibido numa sala de cinema) onde o herói se permite chorar, rir, ejacular, correr, vibrar, diante dos olhos alheios. Como se sentir invisível após tamanha visibilidade, em tela grande, quando se provou (há fotos, gravações) que ele foi visto? Como se sentir desimportante, se mais de uma centena de olhos estavam virados para ele? A obra garante, em termos institucionais e simbólicos, a importância de Wesley para si próprio — como se, através da validação alheia, ele pudesse acreditar no próprio valor e se manter firme. Neste sentido, o cinema constitui de fato uma importante, frágil e desesperada estratégia de sobrevivência.