Pasajeras (2022)

Você precisa acreditar em mim

título original (ano)
Pasajeras (2022)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
73 minutos
direção
Fran Rebelatto
Elenco
Alejandra Pintos, Alexandri Duarte, Ana Antônia, Andrea Alvarez, Carmen Gimenez, Cleide Lima, Cyntia Carolina Diaz, Dirce Ocampos, Felicia Baez de Galeano, Koi Suzy Flores, Nilda Flores, Rosemary Aparecida Vieira, Siegred Neitzke, Soledad Alvarez
visto em
11º Olhar de Cinema: Festival Internacional de Curitiba

As protagonistas deste filme são mulheres que vivem de atravessar mercadorias  na fronteira entre Paraguai e Brasil. Todos os dias, acordam muito cedo, adquirem os produtos e efetuam a travessia na Ponte da Amizade. A atividade se transmite entre gerações da mesma família, e envolve diferentes categorias de objetos vendidos. Ela abrange condutores em táxi e motocicleta, além de pessoas a pé, das mais diversas idades e etnias. 

No entanto, não existe uma única cena de travessia em Pasajeras (2022). Nunca enxergamos estas protagonistas efetuando a ação que afirmam desempenhar diariamente, e que serve para defini-las no projeto — além de motivar a existência do filme. Elas são vistas tomando café em família, dançando, concedendo entrevista em estúdio. Chegam a visitar comerciantes pela manhã, quando pegam alguma sacola opaca de conteúdo desconhecido. Depois, a narrativa se interrompe, e passa à mulher seguinte. Elas bailam ao lado da ponte, porém não a cruzam. Enquanto isso, nos diálogos, mencionam a cada minuto as circunstâncias relacionadas a esta prática profissional.

Alguns motivos poderiam explicar esta escolha curiosa. O primeiro deles seria de ordem de produção: este filme de baixo orçamento não teria encontrado a maneira prática de filmar o cruzamento da ponte, o encontro com pessoas do outro lado, os trâmites comuns ao comércio. Afinal, elas mencionam o perigo do percurso, que pode ter inviabilizado a captura de imagens. A segunda seria conceitual: diante das dificuldades, a cineasta Fran Rebelatto teria escolhido a representação pela ausência, multiplicando os símbolos que signifiquem este trabalho sem materializá-lo em imagens. Ora, nenhum destes ícones está presente — com exceção, talvez, da caixa de papelão utilizada no final.

Seja como for, a obra solicita ao espectador que creia no que diz, ao invés daquilo que mostra. Até onde o espectador saiba, estas mulheres poderiam ser engenheiras navais, astronautas, cozinheiras. Poderiam ser atrizes inseridas num registro de aparência documental, desempenhando o papel de “pessoas comuns que atravessam mercadoria”. Caso Alejandra, Soldad, Dirce, Nilda e suas colegas tenham desenvolvido macetes, manias e habilidades especiais nestas gerações de trabalho no mesmo ramo, nunca o saberemos. O longa-metragem gira em torno de um objeto invisível ao público.

Nota-se um caráter didático, próximo do lúdico, nesta encenação que finge não ser ficção, embora obviamente tenha sido condicionada para tal.

Alguns problemas imediatos decorrem deste posicionamento. Ele priva seu interlocutor de informações essenciais para a compreensão do contexto: que mercadorias são estas? O quanto custam, e quais predominam? É tão fácil atravessar comidas quanto roupas? Que margem de lucro resta às mulheres, e às outras partes envolvidas? Que riscos reais elas correm neste percurso? O que já aconteceu a elas, e às amigas, em décadas de atividade? Que aspectos burocráticos estão associados ao percurso entre dois países? De que maneira o machismo se manifesta no dia a dia das protagonistas, em especial?

Afinal, Pasajeras escolhe retratar unicamente as profissionais femininas, e uma delas menciona a dificuldade de ser mulher neste ramo. Caso este recorte de gênero interessasse de fato à direção, seria necessário estudá-lo, investigando as origens e circunstâncias desta segregação. Devido à escolha de mostrar pessoas desfavorecidas socialmente, o projeto precisaria, pelo menos, descrever as características que produzem esta desigualdade. Não há margem sem um centro que a empurre para fora.

Esteticamente, o filme busca o hibridismo entre documentário e ficção, quando profissionais reais são convidadas a encenarem para as câmeras uma tarefa que desempenham diariamente. Já os diálogos parecem não ter sido escritos palavra por palavra, embora as atrizes provavelmente tenham sido encorajadas a debater um tema em particular, de interesse à narrativa. Portanto, mãe e filha tomam café enquanto a primeira pede ajuda à segunda, que aceita prontamente. “Ah, que bom. Está ficando cada vez mais difícil atravessar”, comemora a matriarca. A filha já não sabia disso?

Nota-se um caráter didático, próximo do lúdico, nesta encenação que finge não ser ficção, embora obviamente tenha sido condicionada para tal. As personagens esperam o “ação” para efetuarem ações em cena, e o enquadramento já está posicionado, pronto, esperando pela chegada de uma personagem. Coadjuvantes ficam desconfortáveis, fingem não olhar para a câmera logo ao lado. Pequenas dançarinas se esforçam para simular uma coreografia decorada, embora estejam obviamente olhando para alguém que lhes fornece instruções fora de quadro. O som oscila no interior do táxi, no ponto de ônibus e em todas as interações à distância. Quando uma personagem afirma a vontade de desistir, outra, na cena seguinte, declara que seguirá passando mercadorias. O encadeamento de ideias não é nada sutil.

Em paralelo, a narração se presta a uma análise poética, inspiradas em “mulheres-lendas”: “Vivemos da força das águas, nós, mulheres passageiras”. “Fomos nós, mulheres, que reconstruímos o país”. “Não há carga mais digna do que os sonhos”. O texto romantiza as dificuldades, apaga as circunstâncias econômicas, borra evoluções políticas. Resta uma homenagem bem-intencionada, e certamente muito honesta, a respeito destas mulheres. Infelizmente, terminamos a sessão conhecendo pouquíssimo sobre elas, e a profissão que ocupam. 

Pasajeras (2022)
4
Nota 4/10

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