Lindo (2023)

Sobre tartarugas e homens

título original (ano)
Lindo (2023)
país
Portugal
linguagem
Documentário
duração
88 minutos
direção
Margarida Gramaxo
visto em
1º Festival de Cinema de Paraty (2024)

Lindo é um documentário que procura se validar, de antemão, pela beleza das imagens. Ostenta-se o “valor de produção”, termo utilizado para se referir à grandiloquência dos cenários, à importância (ou dificuldade, raridade) das locações e objetos obtidos para a realização. A diretora Margarida Gramaxo prepara um banquete visual a partir da Ilha do Príncipe, e faz o possível para filmá-la da maneira mais chamativa possível. Isso implica em planos gerais da praia, mergulhos subaquáticos com os pescadores, planos de detalhe de tartarugas recém-nascidas sobre a areia.

O motivo ecológico justificaria tal preciosismo: quanto mais valiosa a natureza parecer aos olhos do espectador, mais digna ela seria de preservação, correto? Muitos realizadores, tanto no cinema quanto na vertente institucional e publicitária, efetuam tal associação, o que implica numa elevação do naturalismo (através da luz, dos enquadramentos, da trilha sonora) até certa forma de idealização. Ora, o meio ambiente precisa ser preservado porque toda forma de natureza mereceria tal tratamento, ou apenas por ser belo? Paisagens pouco atraentes fotograficamente são menos dignas de conservação?

De qualquer modo, o olhar carinhoso-embelezador à ilha abre vias para uma abordagem convencional da geografia de São Tomé e Príncipe. O protagonista, que dá nome ao longa-metragem, pratica a caça de tartarugas em câmera lenta, banhado em muita trilha sonora parte meditativa, parte encantadora graças às cordas dos violinos. Trata-se de recursos muito próximos ao que se convencionou encontrar na Discovery Channel, National Geographic e outros produtores de reportagens etnográficas e televisivas. 

O documentário evita didatismos fáceis a respeito da ecologia. Em contrapartida, ainda se prende a uma configuração estética que, sob pretexto de valorizar os espaços, torna-os genéricos.

Trata-se de uma abordagem elegante e competente, sem dúvida, embora possa se falar em uma beleza que não interroga o olhar: já vimos registros muito semelhantes antes. Esta é uma estética convencional, canônica, dos cartões postais e papéis de parede de computador. O que nos resta pensar, admirar ou decifrar a partir de tais construções? Felizmente, o projeto não se limita às longuíssimas cenas de mergulho, ou ao retorno de uma tartaruga ao mar, após depositar seus ovos na areia (em plano-sequência). Gramaxo se interessa pelas políticas da preservação e, neste sentido, a obra se torna mais questionadora e contemporânea.

Isso porque Lindo e seus amigos já ganharam muito dinheiro caçando os animais e vendendo-os, até descobrirem que também poderiam se sustentar com a preservação dos mesmos. No caso do protagonista, o despertar da consciência provém do encontro com uma rara tartaruga dócil, que não foge à presença humana. Ela chega a nadar lado a lado, em sincronia. A exceção salva os demais bichos que, compreensivelmente, escapam aos pescadores. 

É curioso que tal consciência não nasça da importância política, mas de uma história pessoal, no melhor modelo de superação hollywoodiana, ou de Professor Polvo. É preciso encontrar um bicho que seja importante para mim, justificando a preservação dos demais. O humano continua sendo a medida de todas as coisas: o posicionamento ecológico não se sustenta em si, pela compreensão de que se trata da coisa certa a fazer. Precisamos esperar então que todos os outros pescadores encontrem sua tartaruga de predileção, para se converterem à causa?

O questionamento de lógica afetiva se sustenta, posto que Lindo se converte em ativista pela proteção desta espécie. Ele participa de programas de rádio, discute com os colegas que acreditam ser mais lucrativo matar os bichos. A tartaruga gentil desaparece da trama, sem menções posteriores. No entanto, Gramaxo começa a se interessar por este homem somente graças ao discurso que passa a veicular em seu nome, sem que a própria cineasta precise fazê-lo. Desconhecemos a vida do homem para além da defesa das tartarugas. Ele existe unicamente enquanto porta-voz de uma pauta.

Por este motivo, a mise en scène investe em passagens extensas onde Lindo discute com os amigos acerca do futuro da pesca e dos motivos econômicos que levariam à exploração. Ainda que as sequências sejam valiosas em termos de espontaneidade (ninguém aparenta agir de modo diferente devido à proximidade com a câmera), elas resultam um tanto redundantes, tanto em termos de discurso quanto no ritmo e no teor acalorado das falas.

Esta característica se aplica ao projeto na totalidade: Lindo possui o prazer das cenas repetidas e extensas, acreditando no tempo da contemplação, da meditação junto à natureza. No entanto, aparenta esgotar seus recursos estéticos rumo ao final, quando surgem novos mergulhos e mais tartarugas sob a luz vermelha. A identificação também é prejudicada pela distância entre o discurso e a vida cotidiana: seria mais fácil entender a argumentação de cada personagem caso acompanhássemos seu dia a dia, seu nível de informações, e os ganhos financeiros que tal atividade representaria.

O documentário se encerra de modo a evitar didatismos fáceis e lógicas puramente informativas a respeito da ecologia. Neste sentido, se sobressai à maioria de obras com temas semelhantes. Em contrapartida, ainda se prende a uma configuração estética e de linguagem que, sob pretexto de valorizar os espaços, torna-os genéricos, indistintos, desprovidos de particularidades do país e da região. Há muitas formas de beleza, a serviço de conteúdos específicos. Esta configuração capa-de-revista encontra suas limitações face a novas formas de fazer política — tanto política ambiental quanto política das imagens.

Lindo (2023)
5
Nota 5/10

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