Este documentário se articula inteiramente em torno de Chico Mendes. O ativista, assassinado por sua luta contra os proprietários de terras, faleceu há décadas, porém os companheiros seguem firmes na meta de proteger a terra pertencente aos povos originários e aos seringueiros — sobretudo na Reserva Extrativista Chico Mendes, ameaçada pela invasão dos fazendeiros. Os protagonistas se reúnem com frequência, e vão à Assembleia Legislativa para garantir a preservação de seus direitos.
“Não foi por isso que o Chico deu a sua vida”, afirma um personagem, em relação aos habitantes que compactuam com a cessão das terras. Diálogos do tipo se multiplicam, imaginando o que Chico Mendes faria diante de algum percalço. Os homens que ocupam as imagens — trata-se de uma obra bastante masculina — enxergam no militante uma figura paterna, a quem se veem em obrigação de honrar. Não mudam de ideia nem negociam com os invasores, porque isso representaria uma traição aos ideais do patriarca simbólico.
O cineasta Sérgio de Carvalho se encontra com diversos seringueiros, para escutar de que maneira pensam a questão latifundiária, fundamental à política brasileira contemporânea. Enquanto observador silencioso, posiciona sua câmera no canto das reuniões e assembleias, escutando pacientemente o que os participantes tenham a dizer. Assim, evita o formato quadrado dos talking heads: no lugar das entrevistas, encontramos falas de um personagem ao outro, diante do dispositivo cinematográfico. A presença da câmera é obviamente notada, porém, não parece condicionar as interações.
Carvalho permanece fiel aos seus princípios e convicções ao compor filmes-mosaico, dispostos a abraçar temas complexos. No entanto, para uma discussão tão acalorada, o resultado carece de pathos.
Empate constitui uma oportunidade de discutir a política, conjecturar acerca de medidas e ações, sem necessariamente representá-las. Discutem-se invasões e agressões de um passado distante ou recente. Evocam-se batalhas ferozes com os donos do capital, entre a violência física e a pressão jurídica. No entanto, as imagens permanecem plácidas, lineares. Do início ao fim, o projeto oferece uma alternância contemplativa entre falas ponderadas e capturas da natureza, sem que os personagens se alterem, discordem entre si, ou apresentem visões diferentes a respeito dos problemas enfrentados.
Em geral, os seringueiros expressam-se em tom unívoco, palestrando aos demais, que escutam educadamente, sem responder. A imagem de assembleias e convenções onde se briga, interrompe a falha alheia ou altera o tom da voz, estão distantes desta conversa desafetada. A obra preserva um tom bucólico, melancólico, de quem luta há décadas, com vontade, porém sem surpresas diante de revezes. Mesmo o deslocamento à Assembleia, no terço final, somente reproduz uma fala de princípios, pouco questionada.
O diretor não obtém uma única cena mais forte ou provocadora do que as demais, nem em termos estéticos, nem narrativos. Talvez o documentário sofra com tom um pouco arrastado (sobretudo na metade da narrativa), movido por letreiros poéticos incapazes de organizar a trama ou segmentar o discurso (“Fazedores de deserto”, “Adjunto de luta”). No final, a imagem destinada a ilustrar o “empate” (uma alternativa de resistência não-violenta ao exército da ditadura) privilegia a câmera lenta, diante de rostos impassíveis. Para uma discussão tão acalorada, o resultado carece de pathos.
Ao menos, Carvalho demonstra coesão e coerência na utilização de planos fixos, no olhar suficientemente próximo para ser percebido, mas distante o bastante para deixar os personagens agirem livremente. Investe em letreiros com nomes próprios, sem real apresentação das pessoas mostradas. Mesmo assim, oferece-lhes uma subjetividade em meio à massa de ativistas, até então, indistintos. Trata-se de um projeto seguro de suas escolhas, que prefere a ruminação sobre a luta do que a apreensão urgente dos choques existentes ainda hoje.
Ao final, Empate corre o risco de soar retórico — uma forma de iniciativa valendo muito mais pela simples existência do que pelo conteúdo das falas e das imagens. Ou seja, um filme valorizado pela escolha do tema e pelo posicionamento ideológico progressista. Ao público aberto a tais debates, sobretudo face a um documentário brasileiro independente, talvez não traga informações realmente aprofundadas, nem pesquisas complexas (em termo de dados ou material de arquivo) a respeito de Chico Mendes e seus seguidores.
Em contrapartida, funciona enquanto esforço de disputa de narrativas: para cada presidente alegando que as terras dos seringueiros são “improdutivas”, ou para cada medida da bancada do agronegócio, favorecendo a apropriação dos empresários, restam estas peças de argumentação em prol dos verdadeiros donos e ocupantes das terras. Trata-se de um esforço simbólico, mais do que prático — duvida-se que o autor vise influenciar deputados e avançar a pauta através de seu filme.
No entanto, esforça-se em manter a discussão em pauta, impedir que se esqueça do Norte do Brasil, de Chico Mendes, das regiões menos investigadas pela mídia sudestina. O simples ato de fazer um cinema acreano, com profissionais locais, e voltado aos interesses do povo deste estado, representa um gesto político, uma ocupação do terreno tão raro na cinematografia brasileira. Carvalho permanece fiel aos seus princípios e convicções ao compor filmes-mosaico, dispostos a abraçar temas complexos e dar voz a uma comunidade ampla (assim como a excelente ficção Noites Alienígenas).