1982 (2019)

Como explicar a guerra às crianças?

título original (ano)
1982 (2019)
país
Líbano, Noruega, França, Catar
Gênero
Drama
duração
100 minutos
direção
Oualid Mouaness
elenco
Nadine Labaki, Mohamad Dalli, Fidel Badran, Ghassan Maalouf, Aliya Khalidi, Gia Madi, Lelya Harkous, Tia El Bezreh, Alistair Brett
visto em
Cinemas

Os professores de uma escola libanesa andam preocupados. O telefone toca frequentemente com notícias alarmantes de familiares. Dizem que alguém foi para o sul, um território perigoso. Um professor sussurra algo em tom grave durante a entrada das crianças na sala de aula, e tenta escutar as novidades no rádio, bem baixinho. O tema central se introduz progressivamente em 1982 (2019), tanto aquele relacionado à política do país, quanto no que diz respeito às relações entre personagens.

Aos poucos, descobrimos detalhes sobre uma guerra civil que se aproxima do bairro onde a escola se situa. A professora de matemática, Yasmine (Nadine Labaki), se divide entre a preocupação com o irmão, participante da milícia, e com o namorado, um colega avesso a qualquer forma de batalha, apesar de estar obcecado com o tema. Deveriam suspender o último dia de aulas do semestre, quando estão programadas as provas finais? Ou esperar a crise passar porque, afinal, não deve ser nada tão grave assim? Como perceber um instante grave, de transformação histórica, quando se está inserido nele?

O diretor e roteirista Oualid Mouaness efetua a bela escolha de situar seu drama durante um único dia na vida dos protagonistas. De maneira progressiva, quase imperceptível, faz com que a invasão israelense penetre as portas e janelas da escola. De manhã, os alunos sequem falam nos bombardeios. No final do dia, estarão desesperados com medo de não voltarem para casa, ou de não serem pegos pelos pais. No meio da prova, há um barulho distante, depois um estrondo maior, e enfim a impressão de que uma bomba chegou ao lado do edifício.

Esta abordagem é demarcada pela leveza e pelo caráter lúdico — características inesperadas diante de um tema tão sensível à história do Líbano. O recurso permitindo esta atenuação se encontra no olhar infantil: o verdadeiro protagonista da trama é o pequeno Wissam (Mohamad Dalli), mais interessado em conquistar o amor da colega de turma do que em compreender os meandros da macropolítica. O pressuposto de pureza e ignorância das crianças serve de filtro para atenuar os fatos: aquilo que o menino não enxerga, o espectador tampouco enxergará.

Esteticamente, isso se traduz na representação de uma guerra distante. A câmera jamais abandona o ambiente das salas de aula, dos corredores e do escritório da inspetora. Menciona-se uma violência ausente das imagens, além de um confronto armado sugerido via som, ou então fora dos enquadramentos. “São navios de guerra!”, gritam os pequenos assustados, encarando o horizonte. O espectador, no entanto, jamais percebe tais indícios. A invasão de Israel ao sul do Líbano, em 1982, move a narrativa e impregna cada cena, embora jamais se concretize aos olhos do público.

Para quem espera do cinema um compromisso ético com o real, o resultado será morno demais. Para quem prefere imaginar como o mundo poderia ser, ao invés de como o mundo é, o longa-metragem cumpre seu potencial de devaneio e poesia.

O cineasta vai além na tentativa de minimizar o conflito que durou três anos e deixou mais de 600 mortos. Wissam é apaixonado pelos animes japoneses de super-heróis, enxergando estrelas brilhantes no céu, desenhando seu personagem preferido e transformando o período histórico numa ficção pessoal. Rumo ao desfecho, a animação toma conta do drama de maneira ostensiva, substituindo-se aos detalhes específicos do confronto. Contra os fatos, oferece-se a imaginação de um menino criativo e apaixonado.

Tamanha leveza produz os melhores e piores instantes do longa-metragem. Por um lado, efetua um belo trabalho de gradação, além de instaurar indícios suficientes da guerra via representação pela ausência. É difícil pensar em qualquer outra questão para além dos tiros que se aproximam, embora nenhum cadáver ou ferimento esteja presente — o autor nunca precisa tornar sua ameaça real para se fazer crer. Ele aposta na capacidade de dedução do espectador, através de um cinema tão metafórico quanto metonímico. 

Neste aspecto, aproxima-se da fábula de passagem à fase adulta. Wissam se vê obrigado a presenciar as fumaças ao redor, o caos nas ruas da cidade, por mais que se esforce para esquecer estas questões e se concentrar na menina de seus sonhos. O elemento dissonante seria a conclusão otimista e escapista: na maior parte destes contos de amadurecimento, um elemento amargo desempenha a função de trauma definitivo, espécie de ruptura ou desvirginamento a partir do qual o olhar jamais poderá preservar a mesma ingenuidade. Mouaness, por sua vez, sustenta a possibilidade de ternura e ludicidade até o fim. 

Por outro lado, a política se torna um tanto inócua enquanto retrato de uma guerra determinante no percurso nacional. O espectador é privado de explicações, motivações ou desejos: sabe-se que homens duelam em cidades distantes, porém as causas e consequências da invasão são devidamente ocultadas. Para o filme, assim como para a professora Yasmine, tanto faz quem invade ou quem se defende: não deveria haver guerra em primeiro lugar. É conveniente que a mulher seja uma figura apolítica, preferindo calar as vozes militantes pró ou contra as milícias. 

1982 adota uma postura semelhante àquela da heroína. Para o filme, o dilema bélico é visto por uma perspectiva moral: guerras são ruins, nocivas, assustadoras, e marcam a vida inclusive de indivíduos sem qualquer ligação direta com os acontecimentos. Esta defesa da paz e da convivência entre opostos, simbolizada pelo posicionamento contrário de Majid (Ghassan Maalouf) e Georges (Said Serhan), evita tomar partido ou mesmo compreender as atitudes de qualquer um. “Se há guerra, sou contra”, parece afirmar a narrativa. 

O baixo engajamento dificilmente será visto com bons olhos por todos aqueles que participaram efetivamente neste episódio, ou por aqueles que buscam uma maneira de compreendê-lo. A compreensão de que precisamos estudar em profundidade o passado de um país para entender seu presente está ausente no drama carinhoso e bem-intencionado. O drama reduz a invasão específica a uma menção de guerra genérica, desprovida de particularidades — e que poderia, portanto, se passar em qualquer lugar do mundo.

Restam os bons atores infantis, as cenas de brigas e romances ingênuos, as cores ocres e cinzentas de um dia esbranquiçado. Além disso, Nadine Labaki se destaca ao misturar indignação, senso de responsabilidade e um ar de nostalgia, por meio do corpo leve e frágil — algo raro para a atriz de composições fortes. Por fim, 1982 constitui um feel good movie a respeito da guerra, o que implica em sua principal qualidade ou seu maior defeito, dependendo do ponto de vista. Para quem espera do cinema um compromisso ético com o real, o resultado será morno demais. Para quem prefere imaginar como o mundo poderia ser, ao invés de como o mundo é, o longa-metragem cumpre seu potencial de devaneio e poesia.

1982 (2019)
6
Nota 6/10

Zeen is a next generation WordPress theme. It’s powerful, beautifully designed and comes with everything you need to engage your visitors and increase conversions.