A Estação (2024)

A pousada dos mortos-vivos

título original (ano)
A Estação (2024)
país
Brasil
gênero
Drama
duração
104 minutos
direção
Cristina Maure
elenco
Jimena Castiglioni, Rodolfo Vaz, Eid Ribeiro, Bruna Chiaradia, Docy Moreira, Eliseu Custódio, Rafael Martini, Pedro Lanna Katu, Silva Sanglard, Magdale Alves
visto em
27ª Mostra de Tiradentes (2024)

Sofia (Jimena Castiglioni) carrega suas malas pelos trilhos do trem, até a estação mais próxima. No entanto, percebe que a locomotiva não chega. Ela espera, resistindo à oferta do dirigente da Estação Vila Clemência para se hospedar na pousada ao lado. Algum tempo depois, aceita permanecer no espaço onde outros viajantes aguardam pelo infame transporte. Aparentemente, não há meio de sair dali.

Em um contexto realista, ela apenas voltaria para o local de onde veio. Pegaria as malas, traçaria um caminho mata adentro até encontrar a cidade, ou descobrir algum meio de comunicação. Iniciaria uma aventura, uma jornada, uma rebelião contra seu destino ingrato, tal qual a heroína de uma tragédia clássica. No entanto, ela espera. Fica irritada, porém, se acalma. E espera mais. Os vizinhos de quarto fazem o mesmo. O dirigente deste espaço, também. Aceitam com uma passividade impressionante a condição de almas penadas.

Isso porque A Estação oferece uma metáfora da morte. A cineasta Cristina Maure hesita entre revelar este componente de imediato ou transformá-lo num mistério com surpresa no final. Fica no meio do caminho, oferecendo uma porção de indícios óbvios da condição que se recusa a explicitar e aprofundar. Estão todos mortos, numa espécie de purgatório onde precisam fazer as pazes com a impossibilidade de voltar à cidade (à vida). 

Entram em cena o túnel levando ao final da vida, a luz no fim do túnel (literalmente), os trilhos infinitos. O longa-metragem se ampara nos códigos desgastados do cinema “de qualidade”: a imagem em preto e branco de baixo contraste, a música doce de acordeão, os planos longuíssimos e fixos, além do caráter contemplativo dos personagens, de olhar perdido ao horizonte. Trata-se de um arsenal acadêmico e convencional, ilustrando simbologias igualmente familiares.

Para um filme a respeito da espera, surpreende a dificuldade em trabalhar o tempo: nem a direção, nem o roteiro consegue representar a passagem das horas e dos dias.

Assim, poucos elementos despertam os sentidos ou a reflexão. A rigidez dos corpos e dos diálogos interessaria caso o filme se assumisse enquanto teatro do absurdo, um Esperando Godot contemporâneo. A artificialidade da mise en scène abriria espaço para um comentário a respeito da própria representação da morte e da condição humana. Ora, falta senso de autorreflexão ao drama que se leva muitíssimo a sério, investindo no tom lânguido, pesaroso e autoimportante.

No interior desta hospedaria-fantasma, os membros poderiam se comportar de maneiras distintas, enfrentando-se uns aos outros, transparecendo a raiva, o erotismo, a desconfiança, o sentimento de abandono. Em contrapartida, soam como marionetes intercambiáveis, parados em suas mesas isoladas do refeitório, pousando em cantos específicos do enquadramento para que a cabeça de um não se sobreponha àquela do colega. Falta dinâmica e tensão nas cenas que se repetem, inalteradas, até a conclusão.

A Estação explora de maneira tão tímida seus temas grandiosos que nunca justifica a duração de 104 minutos. O montador Guillermo Casanova permite que cada plano se arraste em excesso, sem que tal procedimento revele algum conflito novo, ou sugira sentimentos transformadores nos personagens. Para um filme a respeito da espera, surpreende a dificuldade em trabalhar o tempo: nem a direção, nem o roteiro consegue representar a passagem das horas e dos dias, ou ainda o cansaço (e desespero) decorrente deste processo. As figuras em cena se assemelham a pacientes comportados, esperando sua vez de entrar no consultório do dentista.

O espaço também carece de atenção. Compreende-se que os hóspedes anteriores já tenham explorado as redondezas em busca de uma fuga. Entretanto, Sofia também se revela condescendente e conformista demais para uma mulher supostamente combativa. A revelação do real motivo para a urgência em pegar o próximo trem somente apequena uma heroína incoerente, limitada ao ressentimento amoroso. A geografia da pousada permanece um mistério, assim como as paisagens ao redor.

Há evidentes problemas de fotografia e produção nesta obra, visíveis em cenas como o afogamento noturno, quando mal se enxerga a vítima; ou na construção dos quartos de um militar, da mãe com o filho pequeno, de uma alquimista cujas poções não lhe servem de nada. No entanto, os principais obstáculos são de ordem conceitual. Existem inúmeras ferramentas (estéticas e narrativas) para filmar a vida enfadonha dos personagens sem tornar o próprio filme enfadonho.

Se existe alguma vantagem no cinema independente de baixíssimo orçamento, ela reside na possibilidade de ousar, de experimentar e radicalizar sem a necessidade de prestar contas a investidores, ou de justificar as escolhas via resultados comerciais. No fundo, espera-se de novos criadores que tragam um olhar pessoal, um ponto de vista distinto, uma maneira própria de agenciar sons e imagens. De que adianta disputar espaço com projetos clássico-narrativos dotados de mais recursos e experiência na representação dos mesmos pontos de vista?

“A única certeza é a morte!”, dispara um personagem, a quem ainda não tenha captado o sentido desta jornada de autodescoberta. “E não adianta querer tentar entender”, avisa outro, cujo ensinamento talvez se destine ao espectador, face às incongruências e lacunas da trama. Que seja. Mas quando se propõe um cinema simbólico, em detrimento de realista ou naturalista, convém explorar símbolos provocadores, ideias ambíguas, conflituosas, subentendidas. 

Filme imóvel sobre a imobilidade, A Estação chega exatamente no ponto de onde partiu — com o mesmo tom, as mesmas imagens, a mesma inércia de personagens e dilemas. Nem a fotografia se transforma, nem a montagem se deleita em alternar ritmos ou contrastar imagens em termos de texturas e significados. Terminamos o percurso conhecendo pouquíssimo a respeito das figuras em cena. Sorte da gatinha da pousada que, ao contrário dos hóspedes, descobriu um lugar mais instigante para viver, enveredando-se por alguma aventura empolgante longe dali. 

A Estação (2024)
2
Nota 2/10

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