Autoerótica (2021)

A sina da menina

título original (ano)
Autoerótica (2021)
país
Peru
gênero
Drama
duração
92 minutos
direção
Andrea Fernanda Hoyos Valderrama
elenco
Rafaella Mey, Micaela Céspedes, Wendy Vásquez, Maricarmen Gutierrez, Beto Benites
visto em
Festival de Locarno 2023

Esta é a trajetória típica do coming of age, ou seja, o drama de passagem à fase adulta: uma adolescente, desconfortável no próprio corpo, indecisa quanto à sua função social, descobre durante um verão o difícil funcionamento do mundo adulto. As convenções do filme de férias permitem que as mudanças sejam rápidas, afinal, encontram-se neste período pessoas que talvez nunca se verá de novo, o que acelera os afetos e desafetos devido à separação iminente.

No caso de Bruna (Rafaella Mey), o principal aprendizado diz respeito à sexualidade. Junto à amiga Débora (Micaela Céspedes), as meninas de quinze anos se maquiam como se fossem mulheres mais velhas, e simulam uma maturidade artificial durante as conversas online com garotos em chats de encontro. Falam sobre sexo, elencando suas vontades e alguns mistérios que ainda não puderam comprovar. Elas têm pressa para saírem desta incômoda posição intermediária, quando não podem mais ser consideradas crianças, mas ainda não são percebidas como adultas.

Convém à diretora Andrea Hoyos que sua heroína seja introvertida, de poucas palavras. Ao contrário da melhor amiga, desinibida, e da mãe, uma mulher que encadeia os relacionamentos fracassados (“Você se apaixona rápido demais”, reclama a filha), Bruna guarda um mundo de sentimentos e desejos por trás da aparência desafetada, blasé, e da expressão triste no rosto. Longe de explorar o desabrochar sexual da menina muito avançada, a autora prefere abordar intimidades e minimalismos junto àquela que ainda se conhece pouco.

O pressuposto da delicadeza e das minúcias se confronta a uma vontade oposta, de ser explícito e didático no desenvolvimento da trama. Autoerótica se equilibra com dificuldade entre estas vertentes.

No entanto, o pressuposto da delicadeza e das minúcias se confronta a uma vontade oposta, de ser explícito e didático no desenvolvimento da trama. Autoerótica se equilibra com dificuldade entre estas vertentes, uma de poucas intervenções e foco na psicologia, e outra, muito intrusiva, transformando qualquer dor em ações e sintomas. A incapacidade de escolher entre um destes caminhos e aprofundá-lo limita o alcance da obra peruana.

Por exemplo, Bruna terá sua primeira relação sexual — breve, de pouco afeto, um tanto violenta, beirando o traumático. Pouco tempo depois, manifesta enjoo e vomita, algo que, na linguagem convencional das telenovelas, indica que está grávida. Bingo. Por acaso, o sujeito com quem se relacionou revela-se justamente o namorado da professora de natação, a única confidente das garotas para assuntos femininos. Mais uma conveniência exemplar para aprofundar dilemas e fazer a trama avançar.

O roteiro se articula ao longo de facilidades quase mágicas, de ordem muito próxima do folhetim. Embora a abordagem cinematográfica possua tempos dilatados e contemplativos, ausentes no universo da televisão, a sucessão de coincidências e golpes do acaso remete às regras da escrita espetacular e surpreendente, que precisa prender o espectador e garantir seu retorno no capítulo seguinte. 

O realismo da fotografia em luz natural e atuações despojadas esbarra na artificialidade exagerada da condução dos conflitos, como se as equipes de luz e som trabalhassem num filme diferente daquele orquestrado pelo roteiro. Ainda haverá o encontro a três com o pai do bebê durante uma competição, a crise com a melhor amiga (para reatarem mais tarde, e garantirem uma recompensa emocional) e o instante em que a adolescente ganha a oportunidade de dar lições à própria mãe, após um enésimo abandono por parte dos namorados.

Neste aspecto, Autoerótica sustenta um caráter estranhamente fatalista, como se a sina de todas as mulheres fosse o abandono. Assim que fazem sexo, engravidam involuntariamente; quando se apaixonam, são rejeitadas; quando desejam, são repudiadas pela moral; quando se guardam demais, são vistas como recatadas e anacrônicas. Não há alternativa correta. Bruna, a mãe e a melhor amiga entram para atestar que toda mulher precisa passar pelo ritual iniciático do sofrimento. Restam poucas alternativas a esta conduta, cabendo abraçá-la com um teor quase cômodo, martirizante.

A mise en scène ainda atenua a dor da garota, grávida e silenciosa, através de uma sucessão de instantes “mágicos”, quando o mundo ao redor se comporta de maneira improvável, para Bruna, oferecendo algum escapismo ou respiro. Na rua, todos os homens seguram gatos na mão. Uma sucessão de mulheres grávidas entra no ônibus e se senta ao lado da garota, que ainda oculta sua gestação (novamente, uma metáfora longe de qualquer sutileza). 

O realismo fantástico poderia fornecer alguma fricção ou comentário político, transmitindo o pesar, a ansiedade, o horror de Bruna em sua dúvida sobre a possibilidade de abortar. Nada disso: os flashes apenas adocicam a jornada, tornando-a mais suportável a todas. Compreende-se que Hoyos fuja do espetáculo da miséria, mas tamanha minimização dos conflitos da garota tampouco soa producente.

Por fim, o resultado demonstra competências de produção e direção, resultando numa obra digna dos grandes festivais. Entretanto, ostenta pouca ousadia ou coragem para apostar numa linguagem autoral e segui-la a fundo, ou escolher uma forma mais firme de abordar uma situação igualmente grave. O drama peruano não deseja magoar ninguém, mas tampouco pretende causar grandes emoções, reflexões, provocações de ordem estética. Polido e educado, contenta-se em ser um filme de aspecto profissional.

Autoerótica (2021)
5
Nota 5/10

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